por Rodrigo Souza
A discussão e a exposição pública do tema da cultura dos e nos países muçulmanos é cravada em lugares-comuns que se acostuma, melhor, faz-se acostumar a introjetar, aceitar, e até discutir-se ferrenhamente por eles. Um olhar menos embotado é suficiente para apreender o pasmo pelo choque diante da multiplicidade, heterogeneidade e complexidade da cultura, do modo de vida, costumes, virtudes e vícios no comportamento do povo. Realmente, pelo que lemos e assistimos nos jornais, e ouvimos dos comentaristas, dos “formadores de opinião”, é tudo tão preto no branco... Está tudo resolvido e respondido... Mas tem hora que pra nós é insuficiente.
Conhecemos a linha de pensamento do Ali Kamel, um dos diretores do jornalismo da Globo. Em comentários editoriais, a plutocracia é esbanjada e averberada. Sua tese sobre o jornalismo investigativo, norteado pelo "testar de hipóteses" - uma janela aberta para a "irresponsabilidade de imprensa", relativismo no compromisso com a verdade factual e princípio da correspondência da verdade, e ultimamente tem se destacado por ser um neomacarthista fanático.
A partir de um texto de uma estudante de jornalismo, publicado no Estado de Minas, fiquei curioso a respeito de um dos últimos livros do McCar..quer dizer, Kamel. Sobre o Islã: a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Passei numa loja, vi as apresentações, o fundo do livro e o índice. Folheei. Li trechos dos capítulos. As apreensões qualitativas foram o bastante, com amostragem "estatisticamente" suficiente.
Minhas expectativas se confirmaram. Ele vai buscando levar sua leitura numa nuance, a partir de uma premissa que tenta dar como clarividente: a de que a história é linear, caminhando por etapas, eurocentricamente, até nosso atual estado iluminado. Supostamente, herdamos as virtudes de termos "fundado o indivíduo" e a liberdade individual. Sou muito crítico quanto a isso, porque sei que desde pequenos buscamos artimanhas pra legitimar nossas manias, apegos, pirraças...E culmina, no seu estilo estereotipado e ferrenhamente macarthista, a fazer uma defesa da invasão do Iraque com base num perigo potencial de uma seita sunita fundamentalista formada tempos atrás.
Conhecemos a linha de pensamento do Ali Kamel, um dos diretores do jornalismo da Globo. Em comentários editoriais, a plutocracia é esbanjada e averberada. Sua tese sobre o jornalismo investigativo, norteado pelo "testar de hipóteses" - uma janela aberta para a "irresponsabilidade de imprensa", relativismo no compromisso com a verdade factual e princípio da correspondência da verdade, e ultimamente tem se destacado por ser um neomacarthista fanático.
A partir de um texto de uma estudante de jornalismo, publicado no Estado de Minas, fiquei curioso a respeito de um dos últimos livros do McCar..quer dizer, Kamel. Sobre o Islã: a afinidade entre muçulmanos, judeus e cristãos e as origens do terrorismo. Passei numa loja, vi as apresentações, o fundo do livro e o índice. Folheei. Li trechos dos capítulos. As apreensões qualitativas foram o bastante, com amostragem "estatisticamente" suficiente.
Minhas expectativas se confirmaram. Ele vai buscando levar sua leitura numa nuance, a partir de uma premissa que tenta dar como clarividente: a de que a história é linear, caminhando por etapas, eurocentricamente, até nosso atual estado iluminado. Supostamente, herdamos as virtudes de termos "fundado o indivíduo" e a liberdade individual. Sou muito crítico quanto a isso, porque sei que desde pequenos buscamos artimanhas pra legitimar nossas manias, apegos, pirraças...E culmina, no seu estilo estereotipado e ferrenhamente macarthista, a fazer uma defesa da invasão do Iraque com base num perigo potencial de uma seita sunita fundamentalista formada tempos atrás.
É assim também na hora de tentarmos falar quem somos "Nós", mesmo que seja através de uma comparação com um "Outro". "Outro" que, se precisarmos, lhe acrescentamos umas cores a mais, de forma com que "nós" nos destaquemos. E veladamente ele, Kamel, trabalha com isso, criando uma tal de "nossa cultura", que já não sei qual é no momento em que saio na rua, e buscando daí, dizer que tem muita coisa das "nossas virtudes" na cultura do outro, tendo então que sermos compreensíveis e paternalistas com eles. Porque muitos de seus vícios também se encontram em nós, embora neles estejam menos domesticados.
Parte-se daí a buscar enxergar as raízes dos males nas culturas "dos outros”, no caso, nitidamente que ele tenta enxergar "as origens do terrorismo", em ressentimentos presentes na cultura "deles", mais, as "raizes" do terrorismo ( associando, num truque semântico "terrorismo" como algo automaticamente referenciado nas ações dos grupos paramilitares islâmicos) presentes no espírito de algo que seria análogo ao que o sociólogo Manuel Castells chama de “identidades de resistência” (gerada por atores sociais que estão em posições desvalorizadas, discriminadas ou estigmatizadas).
E fica a questão: _ O que é terrorismo? É possível dizer quais foram os primeiros terroristas da história? Se as origens do terrorismo estão num "lá", como olharemos o que acontece no "aqui", que atende ao conceito de terrorismo? Terrorismo é algo só para indivíduos, ou existe Terrorismo de Estado? Terroristas são só os religiosos? E o tanto de cientistas, políticos laicos, etc., que praticaram "terror"?
O filósofo inglês John Gray, de forma alternativa, identifica grande influência motriz do pensamento iluminista e do positivismo clássico no grupo Al Qaeda, sua crença de reformatar a história e dirigi-la a um novo processo virtuoso pela vontade humana, sintonizada com as bases verdadeiras do real; e por outro lado, ele aponta o apelo e substância religiosa nos discursos iluministas e positivistas clássicos. Mostra também como as táticas da organização possuem grandes similaridades com os grupos anarquistas do século XIX e começo do XX, na Rússia, Inglaterra, etc., com contornos inspirados nas indissiocrasias do discuso modernista.
E algo: Como localizar o "terror", ou se é "do interesse" (sic), localizá-lo em situações, contextos e com precedentes históricos de cunho político e geopolítico, se sócioeconômico? Porque ninguém fala sobre como se deu a criação do Estado do Iraque, por Churchill, com a imposição de uma casta política, aglutinando etnias e troncos religiosos rivais à força, sendo que pouco antes, por influência da própria Inglaterra, alguns grupos destes se enfrentaram em conflitos brutais? Impondo um Rei que era deslegitimado pela maioria, e que não tinha identidade nenhuma com esse projeto de nação (ou de nacionalidade)? Criando assim o que desenbocara na figura de Sadam?
Sugiro o livro "A Loucura de Churchill", de um jornalista inglês, Christopher Catherwood. Um contraponto sóbrio, sólido, embasado, de panorama amplo e ponderadamente discutido, ao pensamento subjacente de Kamel.
O essencial: Quem somos nós? Quem são os Outros? Onde está a linha? Quem cruzou primeiro? Deixo a indicação de um livro imprescindível para entrar nesse debate de forma pertinente: Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Autor é Edward Said.
Vou deixar uns trechos pra poderem falar por si mesmos:
Uma segunda situação que favorece a atitude textual é a aparência de sucesso.
Se lemos um livro que afirma que os leões são ferozes e depois encontramos um leão feroz ( estou simplificando, é claro), é provável que nos sintamos encorajados a ler mais livros do mesmo autor e a acreditar neles. Mas, se além disso, o livro do leão nos instrui sobre como lidar com um leão feroz e as instruções funcionam perfeitamente, o seu autor não apenas gozará de grande crédito como será também impelido a tentar a sorte em outros tipos de desempenho escrito. Existe uma dialética de reforço bastante complexa, pela qual as experiências dos leitores na realidade são determinadas por aquilo que leram, e isso, por sua vez, influencia os escritores a escolherem temas definidos antecipadamente pela experiência dos leitores. Um livro sobre como lidar com um leão feroz poderia então causar toda uma série de livros sobre temas tais como a ferocidade dos leões, as origens da ferocidade e assim por diante. Do mesmo modo, à medida que o foco do texto se concentra mais estreitamente sobre o tema _ não mais os leões, mas a ferocidade deles_ podemos esperar que as maneiras pelas quais se recomenda que se lide com a ferocidade do leão irá na verdade aumentar esta ferocidade, forçá-la a ser feroz posto que é isso que ela é, e é isso que, essenciamente, sabemos ou só podemos saber sobre ela.
Um texto que pretenda conter conhecimento sobre algo real, e que surja de circunstâncias similares às que descrevi, não é posto de lado com facilidade. Atribui-se-lhe conhecimento de causa. A autoridade de acadêmicos, instituições e governos é-lhe acrescentada, rodeando-com um prestígio ainda maior que o que lhe é devido por seus sucessos práticos.
(...) O mais importante é que tais textos podem criar, não apenas conhecimento, mas também a própria realidade que parecem descrever. Com o tempo, esse conhecimento e essa realidade produzem uma tradição, ou o que Michel Foucault chama de discurso, cuja presença ou peso material, não a autoridade de dado autor, é realmente responsável pelos textos a que dá origem.Recomendamos, dele também, "Cobrindo o Islã - como a mídia e os especialistas determinam nossa visão de mundo". Ed. Ediouro.
Isso porque, em última análise, o *orientalismo* era uma visão política da realidade cuja estrutura promovia a diferença entre o familiar (Europa, Ocidente, “nós”) e o estranho (Oriente, Leste, “eles”).
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