terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Economia e o Espaço. Existe valor no espaço?

Um ensaio de Economia Política
por Almir Cezar Filho

Existe valor no espaço? Ele tem preço. Pode-se comprar ou vender o "espaço"? Para analisar esta questão é preciso uma abordagem em termos da Economia Política.

A Economia Política trata de poder. De como o poder organiza a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. E por sua, como a organização da produção e o acesso aos recursos produtivos estrutura o Poder. Portanto, a Economia Política, tanto é uma metodologia na Economia, como surge como primeira manifestação, forma, da Economia como ciência organizada.

Ainda em sua origem a terra e o espaço foram temas a se analisar e teorizar. O quanto os preços, os lucros variam no espaço. Quanto a preço da terra e a produtividade varia no espaço e impactam na produção e preço dos produtos finais. 

O espaço não tem valor. O espaço não pode ser confundido com "terra", tanto, na qualidade de superfície, como, a de solo e/ou subsolo. Tem mais a ver com localização, em verdade não com local, mas com "conjunto de locais". Portanto, muito mais próximo e equivalente ao "tempo".

Por sua vez, tempo é vendido? Compra-se (ou vende-se) rapidez. Até pode-se comprar "tempo livre", isto é, paga-se alguém para que faça em seu lugar. Então não. Portanto, tempo não tem preço. Não tem valor. O mesmo acontece com o espaço.

Não estamos falando de paisagem, de território, de "região". O espaço é um vetor e um lócus. O espaço não tem valor. Mas o valor tem uma existência espacializada. Por outro lado, uma espécie de mercadoria, ou mesmo uma mesma mercadoria, pode ter valores diferentes ao longo do espaço.

A superfície sim que tem valor. A solo tem valor. O solo e a superfície territorial, como expressões concretas do espaço, esses dois sim têm valor. E é nisso que se abre à confusão.

Então qual é a conexão entre o espaço e a economia? A conexão entre o espaço e o valor se dá de três maneiras: 
i) solo/superfície e mercadoria fictícia,
ii) renda diferencial e locacional/localizacional, e 
iii) valor variante ao longo do espaço.

A terra como uma mercadoria (fictícia)

Se o espaço não se confunde com a terra. Qual o valor da terra? Primeiro para ter valor (e preço), a terra precisa virar mercadoria. 

Karl Polanyi (1980), observou que no Capitalismo ocorre a conversão da terra numa mercadoria fictícia. Fictícia, porque não é produzida, nem por mediação de outro mercadoria, nem leva mercadoria em sua composição.  E tem um estoque fixo, uma quantidade limitada, no tempo e no espaço, diferentemente das demais mercadorias, somente sendo possível aumentar a sua produtividade. Por essa característica, logo o mercado de terra jamais será "autorregulado".

Há assim um claro papel do Estado em controlar a terra e as demais mercadorias fictícias como o dinheiro e o trabalho.  Os três formariam os chamados "mercados fictícias", o que requerer, portanto, uma regulação estatal estrita. 

Essa regulação estatal se dá, apesar de uma tendência, no Capitalismo, de submeter a regulação sobre a terra (ou seja, a natureza) às leis do mercado, subordinando a vida ao sistema econômico capitalista:
A história social do século XIX foi, assim, o resultado de um duplo movimento; a ampliação da organização do mercado em relação às mercadorias genuínas foi acompanhada pela sua restrição em relação às mercadorias fictícias. Enquanto, de um lado, os mercados se difundiam sobre toda a face do globo e a quantidade de bens envolvidos assumiu proporções inacreditáveis, de outro lado uma rede de medidas e políticas se integravam em poderosas instituições destinadas a cercear a ação do mercado relativa ao trabalho, à terra e ao dinheiro... A sociedade se protegeu contra os perigos inerentes a um sistema de mercado autorregulável, e este foi o único aspecto abrangente na história desse período. (Polanyi,1980:88) 
O êxito em restringir os determinantes de mercado no uso da terra, bem como o modo como isso foi realizado, parece diferenciar as experiências internacionais em termos de bem-estar econômico, social e ambiental, tanto na área rural quanto na urbana. Na verdade, as instituições e o ambiente institucional1  construídos para a governança nos mercados de terras procuram definir, regular e limitar os direitos de propriedade sobre a terra, em favor de objetivos socialmente definidos.

Belik, Reydon e Guedes (2007) mostram que a forma e a natureza dos direitos de propriedade definidos socialmente influenciam de forma clara e intensa o desempenho econômico, porque determinam os custos de transformação e transação nas economias. E estes custos são a base de qualquer economia. Pode-se concluir do dito acima que:
a) Nas economias de mercado há a utilização de ativos para especular;
b) A terra, quer rural quer urbana, é passível de ser utilizada para fins especulativos;
c) Há necessidade de que o Estado regule ou que haja efetiva governança no mercado de terras, pois este não é um mercado autorregulado;
d) A forma, os instrumentos, enfim o padrão de governança agrária interfere diretamente nos processos especulativos, produtivos, ambientais e sociais determinando suas dinâmicas rurais e urbanas.
A luta de classes não se dá apenas dentro ou pautadas pelos aparelhos produtivos sob controle do capital, mas no poder do capital no território, ou na criação de aparelhos produtivos alternativos. 

A extração da mais-valia não se dá apenas via salário e emprego, mas no controle do acesso aos recursos naturais e técnicos/tecnológicos, destacando-se a propriedade fundiária rural, e também, urbana; e no uso alternativo desses recursos, em tipos de mercadorias geradas.

Por sua vez, a extração da mais-valia não se dá de maneira homogênea no espaço, no território; obedece limite, restrição, determinações e regulações dadas pelo acesso e controle desigual aos recursos naturais sob forma de propriedade e patrimônio, ao longo do sistema no espaço.

REFERÊNCIAS

  • BELIK, W; REYDON, B. P., GUEDES, S. N. R. Instituições, ambiente institucional e políticas agrícolas In: Dimensões do Agronegócio Brasileiro: Políticas, instituições e perspectivas. 1ª ed. Brasília: NEAD Estudos, 2007, v.1, p. 103-140. 
  • POLANYI, K. A grande transformação: as origens da nossa época. 3.ed. Rio de Janeiro. Campus, 1980.
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