Desigualdade, desaba uma lenda
Clóvis Rossi | Folha de São Paulo | 25/09/2014
Aleluia, enfim pesquisadores dedicaram-se a estudar, seriamente, a desigualdade de renda no Brasil, com base em dados do Imposto de Renda, e chegaram a uma conclusão que, para mim, é óbvia faz um punhado de anos: a queda da desigualdade no Brasil, tão trombeteada por alguns acadêmicos e pelo governismo, não passa de mito.
Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, todos da UnB (Universidade de Brasília) e, os dois primeiros, também do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), desconfiaram, como todos os pesquisadores sérios deveriam fazer, dos dados coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar), o único instrumento em que se apoiava a lenda da queda da desigualdade.
Não é instrumento idôneo: os pesquisadores perguntam a renda da família. Quem vive só de trabalho ou de outro rendimento fixo diz o que ganha. Quem, além do salário ou de rendimento fixo, recebe proventos advindos de aplicações financeiras omite essa parte da renda. Ou por mero esquecimento, portanto de boa-fé, ou por medo (do fisco, de sequestro, do que seja).
Como aumentou a renda dos mais pobres, a partir dos diferentes tipos de bolsas, a pesquisa registra diminuição da desigualdade, mas somente por uma falsa declaração dos mais ricos.
Vejamos o que dizia Marcelo Neri, hoje ministro de Assuntos Estratégicos e o mais renitente trombeteador da lenda, à Folha no dia 10 de agosto de 2008: "As pesquisas não captam bem a renda dos ricos e do capital em geral. Por isso não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas domiciliares".
Muito bem: os pesquisadores da UnB/Ipea partiram da mesma desconfiança, mas, ao contrário de Neri, fuçaram nos dados do IR. Conclusão, informa a repórter Renata Agostini, desta Folha: "É provável que a queda da desigualdade nesse período, identificada nas pesquisas domiciliares, não tenha ocorrido ou tenha sido muito inferior ao que é comumente medido. As pesquisas domiciliares, tudo indica, identificam melhoras na base da distribuição, mas a desigualdade total depende também do que ocorre no topo, escrevem".
De fato, a pesquisa do trio mostra que os 5% mais ricos passaram de deter cerca de 40% da renda total do país em 2006 a abocanhar 44% em 2012.
Guardadas as proporções, o 1% mais rico e o 0,1% super-rico também ficaram com uma fatia ainda maior da já obscena cota que detinham em 2006.
Já a Pnad, a base para o mito da queda da desigualdade, informava que a fatia que cabia ao grupo dos 5% mais ricos vinha caindo desde 2006 e fechara 2012 em 35% –abaixo, portanto, dos 44% indicados pelo estudo agora divulgado.
A concentração de renda –uma chaga aberta na pele do Brasil– pode ser ainda mais profunda, posto que apenas cerca de 13% dos brasileiros são obrigados a declarar o Imposto de Renda e não é possível contabilizar a renda das pessoas jurídicas.
Agora é esperar que os distraídos, jornalistas inclusive, parem de falar sempre que a desigualdade diminuiu no Brasil. Já não seria lenda, mas fraude.
Os super-ricos do Brasil
Vinicius Torres Freire | 21/09/2014
HÁ UM GRUPO muito pequeno de brasileiros que tem renda média de R$ 198 mil por mês, cerca de 116 vezes a renda média do país. Trata-se de umas 140 mil pessoas, 0,1% dos maiores de 18 anos. Esse milésimo da população ficou com cerca de 11% da renda entre os anos de 2006 e 2012. O grupo do 1% mais rico, ficou com 25%. Os 5% do topo, com 44%.
Sim, quase metade, proporção muito maior que registram os dados da Pnad do mesmo período, essa mesma Pnad que saiu na semana passada. Na média das Pnads, o 1% mais rico ficou com algo em torno de 15% da renda nacional. Os 5% mais ricos, com 35%.
Trata-se das primeiras contas sobre a concentração de rendimentos entre os mais ricos do país calculadas com base nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física, um trabalho de Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, todos da Universidade de Brasília.
A Pnad mente? Não, claro que não. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE lida, como diz o nome, com uma amostra, uma parcela representativa da população, que responde perguntas sobre sua renda, entre outros assuntos. No caso da pesquisa baseada no IR, lida-se com registros formais de declaração de renda, limitados a 25 milhões de pessoas, com rendimentos maiores.
Certas características da amostra e do questionário fazem com que a Pnad subestime tanto a renda média como a dos mais ricos. Os entrevistados podem omitir informações, dar respostas imprecisas ou mesmo desconhecer com precisão seus rendimentos, em especial em relação a aplicações financeiras.
Pelo menos esta é a opinião de parte dos especialistas no assunto e, também, fato percebido em estudos da mesma espécie, em outros países. Mas há muita controvérsia a respeito do grau e da relevância da diferença entre os estudos amostrais e os dados do IR, um debate com gente séria dos dois lados, ao menos por ora.
O trabalho de Medeiros, Souza e Castro tenta esclarecer a dúvida, confrontando os dados do IR não apenas com a Pnad, mas com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (a POF, também do IBGE) e com o Censo. No Brasil, trata-se de coisa meio inédita.
Além de constatar outra vez discrepâncias entre Censo, POF e Pnad, Medeiros, Souza e Castro afirmam também que a parcela da renda daqueles entre os 5% mais ricos pouco mudou entre 2006 e 2012.
"...É provável que a queda da desigualdade nesse período, identificada nas pesquisas domiciliares, não tenha ocorrido ou tenha sido muito inferior ao que é comumente medido. As pesquisas domiciliares, tudo indica, identificam melhoras na base da distribuição, mas a desigualdade total depende também do que ocorre no topo", escrevem.
Parece esquisito que haja discordâncias essenciais sobre dados e interpretações do que, enfim, parecem estatísticas frias. Mas há divergências ou alternativas até no modo de definir a renda total dos indivíduos, entre outras muitas complicações.
O estudo pode ser encontrado na internet, grátis: "O Topo da Distribuição de Renda no Brasil: Primeiras Estimativas com Dados Tributários e Comparação com Pesquisas Domiciliares, 2006-2012".
Os super-ricos do Brasil
Vinicius Torres Freire | 21/09/2014
HÁ UM GRUPO muito pequeno de brasileiros que tem renda média de R$ 198 mil por mês, cerca de 116 vezes a renda média do país. Trata-se de umas 140 mil pessoas, 0,1% dos maiores de 18 anos. Esse milésimo da população ficou com cerca de 11% da renda entre os anos de 2006 e 2012. O grupo do 1% mais rico, ficou com 25%. Os 5% do topo, com 44%.
Sim, quase metade, proporção muito maior que registram os dados da Pnad do mesmo período, essa mesma Pnad que saiu na semana passada. Na média das Pnads, o 1% mais rico ficou com algo em torno de 15% da renda nacional. Os 5% mais ricos, com 35%.
Trata-se das primeiras contas sobre a concentração de rendimentos entre os mais ricos do país calculadas com base nas declarações do Imposto de Renda da Pessoa Física, um trabalho de Marcelo Medeiros, Pedro Ferreira de Souza e Fábio Avila de Castro, todos da Universidade de Brasília.
A Pnad mente? Não, claro que não. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE lida, como diz o nome, com uma amostra, uma parcela representativa da população, que responde perguntas sobre sua renda, entre outros assuntos. No caso da pesquisa baseada no IR, lida-se com registros formais de declaração de renda, limitados a 25 milhões de pessoas, com rendimentos maiores.
Certas características da amostra e do questionário fazem com que a Pnad subestime tanto a renda média como a dos mais ricos. Os entrevistados podem omitir informações, dar respostas imprecisas ou mesmo desconhecer com precisão seus rendimentos, em especial em relação a aplicações financeiras.
Pelo menos esta é a opinião de parte dos especialistas no assunto e, também, fato percebido em estudos da mesma espécie, em outros países. Mas há muita controvérsia a respeito do grau e da relevância da diferença entre os estudos amostrais e os dados do IR, um debate com gente séria dos dois lados, ao menos por ora.
O trabalho de Medeiros, Souza e Castro tenta esclarecer a dúvida, confrontando os dados do IR não apenas com a Pnad, mas com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (a POF, também do IBGE) e com o Censo. No Brasil, trata-se de coisa meio inédita.
Além de constatar outra vez discrepâncias entre Censo, POF e Pnad, Medeiros, Souza e Castro afirmam também que a parcela da renda daqueles entre os 5% mais ricos pouco mudou entre 2006 e 2012.
"...É provável que a queda da desigualdade nesse período, identificada nas pesquisas domiciliares, não tenha ocorrido ou tenha sido muito inferior ao que é comumente medido. As pesquisas domiciliares, tudo indica, identificam melhoras na base da distribuição, mas a desigualdade total depende também do que ocorre no topo", escrevem.
Parece esquisito que haja discordâncias essenciais sobre dados e interpretações do que, enfim, parecem estatísticas frias. Mas há divergências ou alternativas até no modo de definir a renda total dos indivíduos, entre outras muitas complicações.
O estudo pode ser encontrado na internet, grátis: "O Topo da Distribuição de Renda no Brasil: Primeiras Estimativas com Dados Tributários e Comparação com Pesquisas Domiciliares, 2006-2012".
Nenhum comentário:
Postar um comentário