terça-feira, 21 de abril de 2009

O legado de Bush II e os desafios de Obama no Oriente Médio

Primeiro artigo do nosso novo colunista Vinicius Miguel. O presente artigo é uma análise dos desafios da política externa do governo Obama diante da situação legada pelo governo antecessor, o governo de George W. Bush.

Pois apesar de qualquer boa intenção o governo Obama deve lidar com a herança de seu antecessor e o fato de dirigir o mais poderoso Estado Nacional do capitalismo mundial, sujeito chave dos conflitos global, inclusive no Oriente Médio.


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O legado de Bush II e os desafios de Obama no Oriente Médio

por Vinicius Miguel – Cientista Social.


Este texto pretende ser uma breve reflexão sobre os problemas que inevitavelmente serão enfrentados pelo novo presidente dos Estados Unidos da América (EUA) no Oriente Médio. Pretende-se uma breve introdução, não puramente teórica-acadêmica (não por aversão, mas por favorecer a brevidade e popularização) sobre a temática.

Com a eleição de Barack Hussein Obama, um advogado com atuação em direitos civis e professor de direito constitucional, o sentimento de esperança prevaleceu na difusa opinião pública mundial. Mas para além da pura esperança (que o autor não compartilha), quais são os imediatos desafios para o recém-empossado presidente no Oriente Médio?

O Oriente Médio é o mais intrincado e árduo legado deixado por George W. Bush após oito anos de desastrosa administração. A complexa região é agrupada para fins geopolíticos, ignorando as mais diversas clivagens étnicas, lingüísticas, religiosas, culturais e nacionais. Se ganha em didática, mas perde-se nos detalhes, abarcando uma vastíssima região que se estende do norte africano ao sudeste asiático, deformada em apenas um bloco monolítico cujo idioma é o árabe e a religião um Islã fundamentalista em moldes hollywoodiescos. Para este texto, estamos (tentando) nos limitar a Israel-Palestina, Iraque e Irã, em ordem estabelecida pela história.

A região ficou representada no imaginário social como riquíssima por suas reservas de petróleo e tomada por violentos e intermináveis conflitos de fundo religioso. Embora não seja em sua totalidade realidade, estas representações ocidentais contribuíram de forma decisiva e esta narrativa hegemônica, mostrando um Oriente exótico e incompreensível pela sua irracionalidade se tornou consenso, seja entre a imprensa, pretensos acadêmicos e principalmente, entre os povos ocidentais (onde incluímos o brasileiro).

A região é vital para os interesses das nações mais poderosas, desde passado remoto quando era rota de comércio e fornecedora de mais variadas matérias-primas, até o período mais recente, com a profunda dependência energética ocidental, hoje traduzida em petróleo e gás, recursos abundantes no local.

A região, desenhada, rabiscada, feita, desfeita e refeita pelas potências européias até muito recentemente (as fronteiras eram definidas de acordo com os interesses de elites e burocracias européias, dividindo a região de maneira a atender suas necessidades, criando colônias totalmente artificiais), se tornou também um assunto com relevância na política externa de países europeus e dos Estados Unidos da América com o cinematográfico ataque em onze de setembro de 2001.

Com a Guerra ao Terror declarada por Bush II, a região passa a ocupar local central nessa estratégia militar de contenção e enfrentamento a Estados considerados como campo de treinamento e abrigos para organizações terroristas, desconhecendo (ou propositalmente ignorando) o caráter não-estatal, não-hierárquico e descentralizado dessas redes amorfas.

O primeiro alvo desta guerra foi o Afeganistão (em 2001), há muito tempo um Estado marginalizado e destruído por anos de guerra civil, iniciada em 1979, quando um governo dito comunista e alinhado à União Soviética acabou testemunhando o enfrentamento entre o Socialismo Real e os EUA na região. O último, criou, disseminou, treinou e armou grupos fundamentalistas islâmicos, recrutados especialmente na Arábia Saudita (aliado incondicional até hoje dos EUA) para enfrentar os soviéticos, gerando o que hoje é a conhecida Al’Qaeda. Posteriormente, a estratégia estadunidense de combate ao terrorismo foi dirigida ao Iraque, governado também por um ex-aliado dos EUA, Saddam Hussein Al’Tikrit, um brutal ditador (entre os anos de 1979-2003) que teve por alicerce as Forças Armadas, preparado para conter a) uma sublevação maoísta, b) debelar agrupamentos muçulmanos xiitas ideologicamente alinhados com os preceitos do Aiatolá Khomeini, um líder religioso iraniano e, c) ser o contrapeso no frágil equilíbrio com o Irã, que havia sido palco de uma revolução progressista que derrubara uma fragilizada e corrupta monarquia leal ao Ocidente.

Hoje, o Iraque é o país mais instável, com alarmantes números de conflitos inter-étnicos. Os EUA mantém sua ocupação militar, a pretexto de promover a democratização do país e assegurar sua estabilidade, encarando forte resistência que vem custando a vida de 4.254 estadunidenses desde o início da invasão (sendo 25 desde a possa de Obama) (Dados de 03/02/2009). Poucas crianças freqüentam as escolas e o índice de desistência não parou de subir, em decorrência das hostilidades. A seca também é um novo problema, agravando a crise alimentar. Não só a guerra e ocupação militar são problemas, mas também a extrema pobreza e a economia arruinada. Os setores produtivos iraquianos, principalmente ligados à extração de petróleo, foram transferidos aos EUA, o que impede o uso destes recursos para a reconstrução. Alterar este paradigma, que se mantém demonstrando o caráter imperialista da ocupação, em busca de recursos e conquista de lucros, seria um grande avanço promovido por Obama.

Um segundo ponto é a superação das animosidades com o Irã, que envolve necessariamente um re-arranjo com o Iraque. Um Iraque estabilizado é de interesse dos países fronteiriços, incluindo o Irã, que não vê com bons olhos repetidos ataques contra comunidades e locais sagrados do xiismo. A insistência estadunidense, em acusar o Irã de pretender obter armas nucleares não ajuda em nada. No mais, qual seria o problema se o Irã realmente pretendesse obter armas nucleares? Israel possui (ao menos 200) armas nucleares e ainda não as usou, portanto, não há nenhuma “certeza” de que o Irã pretende obtê-las e, se o fizer, de que irá usá-las (assim como Israel não as usou!). O fato deve salientar as contradições de uma política em favor de uma “balança de poder”, mesma estratégia aplicada pelos EUA e aliados, fortalecendo inimigos e fomentando rivalidades apenas em nome de um suposto equilíbrio de forças, que nada serviu senão para instigar hostilidades e inimizades.

Finalmente, completando a trilogia “problemática” no Oriente Médio, temos a Questão Palestina. Uma solução para as relações entre Israel e Palestina é de crucial importância. A mais longa ocupação militar da história recente – e talvez uma das mais brutais! – é a motivação para ressentimento entre árabes e muçulmanos no mundo inteiro. Além da histórica trajetória de violência, Israel, com o apoio incondicional, seja por meios políticos nos organismos internacionais, como ONU e Corte Internacional de Justiça, seja pelos milionários recursos injetados semanalmente no país, seja pela cooperação militar, vem aprofundando as dosagens de bestialidade. As técnicas de ocupação e segregação com relação aos árabes se tornaram ainda piores, como a mais recente investida, a hedionda construção de um muro separando, isolando e cortando o território palestino param muito além das fronteiras do armistício de 1967. Essa nova estratégia de usurpação de terra palestina demonstra a total inviabilidade da criação de um Estado autônomo e a indisposição e teimosia israelense em cooperar com tal projeto, só restando agora à denúncia das práticas de apartheid israelense.

Obama terá que enfrentar forte lobby israelense-sionista nos EUA para contornar essa situação, mas este legado, herdado de Bush, se superado, significará o fortalecimento das relações com todo o Oriente Médio. A estabilização de toda a região passará, obrigatoriamente pela resolução da Questão Palestina, seja pela criação de um Estado livre e independente, seja pelo atendimento da demanda já crescente de um Estado único, secular e sem filiação étnico-confessional.

Não acreditamos que Obama desejará ou programará políticas nesse sentido. O processo de tomada de decisões, como bem sabemos, não é individual, mas envolve uma multiplicidade de atores, muitas vezes com percepções antagônicas.

Mas os desafios estão colocados e sua solução seria o atendimento de justiça com os povos e nações envolvidas, trazendo estabilidade e segurança para toda a região – se não para o mundo!


Notas:

A Revolução Iraniana (1979), de inspiração religiosa xiita profundamente anti-estadunidense, marcou o término das relações e influência recente dos EUA no país, um dos maiores produtores de petróleo da região. A revolução, que contou com maciço apoio popular, foi expressão de um nacionalismo latente, uma versão islâmica-oriental dos apelos que existiam por todo o Terceiro Mundo contra a opressão colonial. A revolução conseguiu formar um bloco histórico, unificando uma oposição que incluíam distintas frações marxistas, religiosos e segmentos constitucionalistas.

O fato é que, o Iraque, se aproveitando da instabilidade política provocada pelo momento revolucionária e deposição do rei persa M. Reza Pahlavi, iniciou a agressão, justificada por uma disputa de uma rica região fronteiriça. Em setembro de 1980, o Iraque, liderado por Saddam Hussein lançou uma larga operação militar para ocupar a área em disputa. A guerra foi inconclusa, deixando um saldo de meio milhão de mortos em ambos os lados e acusações de uso de armas químicas por parte do Iraque contra sua própria população curda e xiita.

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