quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Mais uma vez Terra Plana: conspiracionismo e direita pós-moderna

Ensaios sobre a Direita Pós-Moderna

Por Almir Cezar Filho

Causou comoção ou surpresa a notícia que uma pessoa na Califórnia (EUA) se lançará em um foguete, construído em casa, até o espaço sideral para tentar provar que a Terra não é uma esfera, nem mesmo um planeta, o assim chamada Terra-Plana. Além do mais, essa pessoa é candidata a governador daquele estado.

Apesar de mais de 2.500 anos de conhecimento no Ocidente sobre a esfericidade da Terra e o cara se esforça pra provar o contrário. Tem um monte de coisa a se comprovar, refutar ou a ser descoberta ou inventada e o cara gasta tempo e energia nisso. Doenças a ser curadas, etc. Acabamos surpreendidos com gente se esforçando pra provar algo tão absurdo. Não diferente agem tão qual a hipótese conspiracionista sobre outros temas, que vão desde a Escola Sem Partido, Ideologia de Gênero, Fórum de São Paulo, George Soros, Marxismo Cultural, passando até conspirações mais "ousadas" ou delirantes como Iluminati, Franco-Maçonaria, o assassinato de Kennedy,  Nova Ordem Mundial, Reptilianos, etc.

Tais idéias estapafúrdias se baseiam ou no conhecimento pré-filosófico e mesmo não apenas idealista, mas antematerialista, geralmente de matriz religiosa, particularmente àquelas de livros sagrados e anteriores a Idade de Ferro, e portanto com uma cosmovisão diametralmente diferente da desenvolvida pela Ciência ou mesmo da Modernidade.

Assim, há a lógica "se na Bíblia não diz que a Terra é uma esfera, mas fala em Firmamento, então a Terra é plana. Mas, podem se basear do empirismo radical de feição ultraliberal, que nega o conhecimento coletivo, acumulado e historicamente constituído. Apenas o conhecimento produzido pelo indivíduo e seus sentidos é válido. "Se eu como indivíduo não sinto a esfericidade da Terra logo ela não existe".  E também na lógica de desconfiança com o conhecimento oficial da sociedade atual.

Descobre-se que o típico ceticismo pós-moderno com a ciência positivista não é restrita aos identidaristas, que a esquerda, especialmente marxista tanto se debate. Se os militantes das organizações de esquerda revolucionárias e reformistas se deparam nos movimentos sociais com militantes identitaristas, no extremo do pólo contrário há os conspiracionistas rivalizando com a direita mais convencional, como também outras formas pós-modernistas de ultradireita. O conspiracionismo  é uma outra vertente importante tanto desse ceticismo e dos demais aspectos da Pós-modernidade.

A Subciência, as pseudociências e as criptociências também são desenvolvidas parcialmente pelo identitarismo. Apesar de seu viés de esquerda, é uma das vertentes do pós-modernismo e uma das manifestações da Pós-modernidade. Enquanto o conspiracionismo é de direita em geral. Porém, se a crítica do identidarismo traz, uma ínfima mas presente, progressividade com a superação de uma ciência de valor eurocêntrico, pró-hegemon, funcionalista e mainstream, o conspiracionismo, ao contrário traz o cretinismo anticientífico, obscurantismo e a idealização reacionária do conhecimento pré filosófico e antematerialista.

Alguns dirão que o conspiracionismo tem origem individual em paranoia, surto psicótico, mania de perseguição, ou em recalque, virgindade tardia, frustração sexual, ou outra coisa do gênero. Não tenho como avaliar isso. Psicologia não é comigo. Não sei o quanto de imaturidade ou mesmo recalque contribui a adesão ideológica ao conspiracionismo. Porém, esses elementos explicam apenas trajetória pessoal de adesão à ideologia, ao imaginário, ao viés pós-moderno de direita. Mas o fundamental é que, há uma tendência de massas, minoritário e extremista na verdade, em confluir para esse tipo de posição, porém muito similar ou equivalente ao do identidarismo. É uma fenômeno estrutural da sociedade ocidental atual que vai moldando indivíduos assim e que retroalimenta sua posição ideológica cotidianamente. 

O Capitalismo em sua etapa senil é gerador desse tipo de indivíduo (a despeito de ser ou não uma psicopatologia ou disfuncionalidade pessoal também produzida pelo Capitalismo) surgem não como indivíduos solitários, isolados, mas em grupos, mais ou menos organizados, agrupados por sua identidade comum, inclusive com um programa para disputar o imaginário geral da sociedade, centrado ou cujo núcleo central parte de sua hipótese favorita de conspiração.

O mundo passa a ser explicado pela conspiração da vez. Como se a conspiração fosse a responsável pela ordem estabelecida, justamente uma ordem considerada disfuncional pelo conspiracionista. A conspiração seria a ação de indivíduos e grupos poderosos e maliciosos que interferem na realidade pondo a ordem das coisas a seus serviços e interesses. 

Para a ultradireita é simples entender, portanto, que a sociedade ocidental, de tipo burguês, e o Capitalismo está repleta de disfuncionalidades não porque nela se autoengendre essas disfuncionalidade (em verdade, nem mesmo seriam disfuncionalidade, mas efeitos colaterais de sua funcionalidade), mas que o mal é produzido por sujeitos malvados. E portanto, seria preciso denunciar e combater essa conspiração para que a ordem natural e virtuosa volta a operar plenamente.  Inicia-se assim uma cruzada solitária ou não para derrubá-la e a seus "conspiradores". 

O Olavismo Cultural opera dessa maneira em sua pregação antimarxista, antiesquerdista. Na busca pelo retorno ou triunfo da sociedade de idealização conservadora. Os ultralibertarianistas idem, na busca do livre mercado pleno e universal. E por meio de retórica maniqueísta e simplificada tem fácil dispersão e arregimenta novos seguidores, vendendo a a panaceia que o fim da suposta conspiração trará a utopia.

A despeito do uso pragmático do discurso da tese conspiracionista como manobra de massa, não à toa que muitos conspiracionistas tem pretensões políticas, como é o caso do próprio indivíduo que quer se lançar em foguete (candidato a governador), pois entende a luta contra a conspiração a ser um todo. Assim, o conspiracionismo não deve ser assim encarada com desdém ou deboche, mas, apesar de aspecto delirante da direita pós-moderna, como um de suas manifestações, uma das suas facetas.

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