quinta-feira, 10 de novembro de 2016

O Financiamento da Política de Desenvolvimento Agrário

Afinal, se houvesse de fato vontade política, quanto custaria de verdade promover a reforma agrária, apoiar a fundo a agricultura familiar e fomentar um desenvolvimento rural sustentável e solidário? E de onde tirar o dinheiro?

por Almir Cezar Filho* 

Resumo: O presente artigo** tem como objetivo analisar a importância para o desenvolvimento brasileiro da Política Nacional de Desenvolvimento Agrário e apresentar os seus custos e propostas de providências ao problema do subfinanciamento dos seus órgãos federais, seus programas e serviços públicos, instituindo os meios orçamentários legais na União para viabilizá-la.
Introdução

O desenvolvimento econômico-social de qualquer país inclui a dimensão rural ou territorialidade enquadrada nesse tipo. O Rural, de uma forma de outra, é sempre vinculado à Agropecuária ou envolvendo a terra. No caso brasileiro, a atualidade, apesar da urbanização e industrialização, é ainda marcada pela pujança econômica desse setor e das exportações de commodities agrícolas. Assim, tornou-se parte integrante das políticas públicas àquela a promover o chamado “Desenvolvimento Agrário”, para lidar com as assimetrias sociais, produtivas e espaciais dessa situação. Apesar de secundarizadas pelas autoridades, é fundamental para o desenvolvimento brasileiro medir as implicações econômicas dessa Política, seu custo e os meios de financiá-la, inclusive para qualificar as pautas dos movimentos sindicais e populares rurais.

Uma retrospectiva histórico-econômica do Brasil é marcada pela presença e forte papel das commodities. Suas exportações sempre impulsionaram as economias da região, encheram os cofres dos governos e serviram como principal ligação com os mercados globais, modelando as economias regionais . Embora o Brasil seja hoje um país mais ou menos urbano e industrializado, a produção e a exportação de commodities continuam ser fundamental e responde por uma proporção muito expressiva da população e da atividade econômica. Mas, nos tempos atuais, apesar da evolução tecnológico-científico no âmbito da produção rural, continuamos uma Nação que não conseguiu realizar a reforma agrária, como em outros quadrantes do mundo capitalista  uma vez que permanecemos com números assustadores em matéria de concentração de terras. As recentes políticas públicas da União privilegiam o agronegócio , a ausência de regulação e o próprio neoliberalismo exercem mecanismos para bloquear a reforma agrária.

Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006, o país possui uma concentração de terras, no início do século XXI, igual a da metade do século passado (1967). As pequenas propriedades representam menos de 3% das terras, enquanto as grandes propriedades quase 45% das mesmas. O Censo identificou que há mais de 4,3 milhões de estabelecimentos agropecuários familiares, ou seja, 84,4% do total de estabelecimentos brasileiros, mas cobre apenas 24,3% da área (80 milhões de hectares) .

Os dados objetivos do IBGE demostram a relevância econômica e social desse tipo de estabelecimento. Esse universo de agricultores, por sua vez, respondem por 38% da renda gerada no campo, empregando 12,3 milhões de pessoas, ou 74,4% da mão de obra do campo. Em contrapartida, estabelecimentos não familiares representam apenas 15,6% e estavam distribuídos em 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos com agricultura familiar é de 18,3 hectares, enquanto a dos com agricultura não familiar era de 330 hectares.

Os resultados do Censo também indicaram a importância da participação da agricultura familiar na produção vegetal e animal. Dados do Censo mostram que a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da produção de mandioca, 70% da produção de feijão, 58% da produção do leite, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz.

A dimensionalidade agrária abarca um conjunto de elementos determinantes, como as explorações agrícolas e o a padrão fundiário (a concentração e dimensionamento físico da propriedade e das explorações), os domicílios e demais edificações (inclusive as de atividades públicas e comerciais), a forma de aproveitamento dos recursos naturais, a capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica, bem como à infraestrutura ao nível da mobilidade, eletrificação e abastecimento de água. Primeiramente, a agricultura em enclaves (a forma que o agronegócio se conforma), tal como a mineração primeiramente, nem sempre exigem muito desenvolvimento institucional e são capazes de se acomodar bem em ambientes com má governança e com falhas substanciais no império da lei, situação que pode até agravar a precariedade do equilíbrio e a fragilidade das instituições. 

Em segundo lugar, a dinâmica agrária brasileira e as respectivas demandas sociais do mercado e dos atores agrícolas são pautadas aqui pela intensa concentração fundiária e por um modelo de negócio calcado no predomínio econômico da produção de commodities agrícolas para exportação e de políticas públicas que a apoiam prioritariamente - a despeito da existência de políticas para o segmento não empresarial da agricultura.

Em consequência disso, o tratamento da questão agrária nacional pelo Poder Público vincula-se fortemente proposta conciliatória de uma Reforma Agrária como política pública, dentro das leis vigentes, respeitando a propriedade privada e os direitos constituídos. Não visa apenas distribuir terras, mas sim garantir, aos pequenos agricultores, que receberem terras e os que já as tinham, condições de desenvolvimento agrícola e produtividade, gerando renda e melhores condições de vidas para as famílias. 

A Reforma Agrária, como define o Estatuto da Terra  visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio . 

Porém, no Brasil perduram teses que bloqueiam a reforma agrária, inclusive no âmbito da União. Dizem que a mesma é um retrocesso para o sistema produtivo; onerosa para os cofres públicos, já que depende de subsídios, infraestrutura; pregando a baixa produtividade dos minifúndios em face de latifúndios “produtores”; além enaltecer os resultados positivos do agronegócio para o saldo da balança comercial nacional.

Essas teses seriam totalmente negadas diante de uma reforma agrária articulada a uma política agrícola, enquanto políticas públicas, objetivando a reestruturação do campo e a eliminação da violência, o fim das grilagens dos grandes fazendeiros, a democratização da terra e uma ação estatal concertada, dotada de infraestrutura (educação, saúde, apoio técnico, financiamento, transporta, seguro, etc.) e buscando a produção agrícola sustentável. 

Razão para a articulação da Política Agrária não se limite apenas à reforma agrária em si, indo da política agrícola ao agricultor familiar até as políticas de desenvolvimento dos territórios rurais . Por sua vez, entende-se por Política Agrícola, o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização .

A área rural brasileira não se restringe mais àquelas atividades relacionadas à agropecuária e agroindústria . Nas últimas décadas, o meio rural vem ganhando novas funções agrícolas e não-agrícolas e oferecendo novas oportunidades de trabalho e renda para famílias. Agora, a agropecuária moderna e a agricultura de subsistência dividem espaço com um conjunto de atividades ligadas ao lazer, prestação de serviços e até à indústria, reduzindo, cada vez mais, os limites entre o rural e o urbano no País.

Visando contornar uma série de problemas de classificação demográfica sobre a divisão entre população urbana e rural , estudos procuraram redefinir os contornos do rural brasileiro aplicando à realidade do País critérios mais aceitos pela comunidade internacional, a partir de uma combinação de variáveis envolvendo densidade populacional , tamanho dos municípios e sua localização, concluíram que aproximadamente 1/3 da população brasileira poderia ser considerada rural, contra os 18% das estatísticas oficiais do IBGE. Com esse critério, considera-se que 13% dos habitantes, que vivessem em 10% dos municípios, não pertencessem ao Brasil indiscutivelmente urbano, nem ao Brasil essencialmente rural. E que o Brasil essencialmente rural fosse formado por 80% dos municípios, nos quais residissem, em mais de 30% dos habitantes.

Contudo, passados 45 anos da criação do INCRA e 20 anos do MDA a reforma agrária brasileira, apesar do número expressivo  de beneficiários, áreas e comunidades atingidas, deu passos espasmódicos e tímidos no tocante à modificação geral na estrutura fundiária. Assim, mantem o país como o único das 10 maiores economias do mundo sem nunca ter feito um forte reordenamento agrário  e dos 20 maiores apenas junto com Arábia Saudita.

Diferente do que diz o senso comum, o MDA não cumpria o papel concorrencial, nem mesmo de complemento, ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), nem mesmo no tocante à política agrícola para o segmento da agricultura familiar, vide o que expressa à estrutura regimental daquele Ministério . As competências do MDA abarcam um tema que não é levado a cabo por outros ministérios : o “desenvolvimento agrário”. Entende-a como a “reforma agrária”, a “agricultura familiar” e o “desenvolvimento rural sustentável desse segmento”. 

Assim, o MDA entra apoiando, complementando e suplementando a política de Reforma Agrária implantada pelo INCRA, mas não só. Suas políticas visam apoiar todo o segmento de agricultores familiares e empreendedores familiares rurais, enquadrados na Lei nº 11.326 , que delimita objetivamente a categoria social (extensão da terra e relação com a mão-de-obra) e abarca ainda os silvicultores, os extrativistas, os aquicultores, os pescadores artesanais, os indígenas e os quilombolas rurais e demais comunidades tradicionais.

Até 1984 o “desenvolvimento rural” era atribuição do INCRA, porém acaba repassado ao Ministério da Agricultura . Contudo, desaparece posteriormente da legislação que trata desse Ministério . Apesar da letra da lei afirmar “o desenvolvimento rural sustentável desse segmento [agricultura familiar]”, o MDA promove o desenvolvimento sustentável e solidário rural em sua dimensão territorial como um todo, possuindo em sua estrutura inclusive uma Secretaria de Desenvolvimento Territorial.

A incompreensão no marco jurídico nacional do processo de desenvolvimento rural é pautado desde os dois capítulos intermediários da Constituição Federal . Eles refletem as carências e as mazelas do debate público sobre as questões territoriais do país. Pela lógica, o título desse terceiro capítulo deveria ser “Da política rural”  e não poderia ficar restrito às questões agrícolas, fundiárias e de reforma agrária. Em todo caso, o texto constitucional brasileiro diferencia claramente a “reforma agrária”  da “política agrícola” , objetivando a desapropriação e distribuição de terras rurais que não cumprem sua função social; e a segunda, destinada a produção, armazenagem, distribuição e comercialização dos produtos agropecuários, inclusive da pesca, ou seja, do desenvolvimento da cadeia produtiva agrícola.

Apesar da confusão no marco jurídico nacional, tal qual em muitos outros países, o desenvolvimento territorial rural, os assuntos agrários em geral, e a Reforma Agrária quando é o caso, são levados a cabo como política pública de maneira específica por um ministério próprio, distinta, portanto, da atividade econômica ou técnica da agricultura. É assim, que países possuem ministérios separados à Política Agrícola e à Agrária e/ou Rural. A criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi possível, a partir de então, traduzir no campo brasileiro mais imediato das políticas públicas, duas dimensões centrais do desenvolvimento rural: social e espacial.

Apesar de o segmento familiar compor a maioria dos estabelecimentos agropecuários, uma parte considerável não possui a propriedade de suas terras. Os dados do Censo Agropecuário da Agricultura Familiar, realizado em 2006 pelo IBGE, revelaram que havia, naquele ano, 4,3 milhões de estabelecimentos de agricultores familiares, 3,2 milhões de produtores acessavam as terras na condição de proprietários, representando 74,7% dos estabelecimentos e abrangendo 87,7% das suas áreas. Outros 170 mil produtores declararam acessar as terras na condição de “assentado sem titulação definitiva” e outros 691 mil produtores tinham acesso temporário ou precário às terras, seja na modalidade arrendatários (196 mil), parceiros (126 mil) ou ocupantes (368 mil) .

Por sua vez, há sérios problemas nos produtores assentados. A Pesquisa de Qualidade nos Assentamento da Reforma Agrária (PQRA) , elaborada em 2010 pelo INCRA, traz, em números preliminares, que perto de 30% das famílias assentadas convivem com deficiências na infraestrutura, no acesso a serviços básicos, na assistência técnica e na renda e 47,78% não acessam o PRONAF. O fato de eles aceitarem as condições dos assentamentos de forma passiva, isto é, independentemente de sua qualidade; reforça a importância do programa de reforma agrária e a necessidade de ampliação das ações do governo na intervenção fundiária. Essas famílias veem no acesso à terra, e não nos benefícios indiretos (créditos e serviços), o equacionamento de seus problemas .

Se há problemas na Reforma Agrária stricto sensu (a redistribuição de terras), a pouca regulação e a governança agrária nacional implantada no Brasil. Aquela efetivada pela Autarquia se deu meramente vinculadas aos aspectos do ordenamento fundiário rural, o que, por sua vez, se deu restrita e complementarmente na tentativa de efetivar a missão central. Porém, tomando como referência os dados de cartórios e de cadastros nacionais de imóveis rurais há municípios que precisariam de mais de dois andares para comportar a área declarada, e ainda a quase total ingerência sobre terras devolutas e griladas (Relatório dos trabalhos da CPMI “Da Terra”) . 

Porém, assentar todos os sem-terras e/ou afligidos pelo êxodo rural ou ofertar-lhes crédito para compra ou ampliação de lotes, regularizar todos os posseiros e reconhecer as terras das populações e comunidades tradicionais não se fazem sem, fundamentalmente, regular e fiscalizar as explorações rurais, inclusive em vista da própria Reforma Agrária, como também antes, durante e depois do processo . Estudos realizados revelam que se o INCRA aplicasse na totalidade os preceitos da Lei 8.624, que define o que é terra produtiva e improdutiva no país, teríamos algo em torno de 115.054.000 hectares (20% da área total) como propriedades improdutivas. O Atlas Fundiário Brasileiro, publicado pelo INCRA, indicava que 62,4% da área dos imóveis cadastrados fora classificada como não produtiva e apenas 28,3% como produtiva. Estas informações revelam, pois, a contradição representada pela propriedade privada da terra no Brasil, retida para fins não produtivos. 

Inclusive na prática, o único compromisso social que os latifundiários deveriam ter seria o pagamento do imposto territorial rural (ITR), mas não é o que ocorre. Os dados divulgados pela Receita Federal referente a 1994 mostram que entre os proprietários dos imóveis de mil a cinco mil hectares, 59% sonegaram este imposto e entre os proprietários dos imóveis acima de cinco mil hectares, esta sonegação chegou a 87%.

Os custos da Política de Desenvolvimento Agrário

Um grave problema à Política de Desenvolvimento é o subfinanciamento dos órgãos federais de sua governança. Entre 2003 a 2016, o percentual do Orçamento Geral da União (OGU) prevista na Lei de Orçamento Anual (LOA) referente à função Organização Agrária caiu de 0,29% para 0,2%, alcançando apenas R$4,05 bilhões este ano.

Atualmente, o INCRA estima haver algo em torno de 120.000 famílias aguardando serem assentadas. Outros estudos afirmam haver um total de 1.000.000 de famílias entre sem-terras. Enquanto outros estimam em 2 milhões de famílias, incluindo aquelas esperando regularização fundiária e demarcação de comunidades tradicionais. Por sua vez, o total de estabelecimentos agropecuários familiares já constituídos chega a 4,3 milhões unidades. 

Somando apenas os possíveis potenciais beneficiários da Reforma Agrária e os agricultores familiares e empreendedores familiares rurais já estabelecidos, o MDA e o INCRA gastam por ano irrisório R$1.000,00 (mil reais) por família desse público, ou menos de R$2,74 (dois reais e setenta e quatro centavos anuais) por dia - incluindo nesses valores as despesas administrativas dos órgãos. 

Um levantamento do Conselho Federal de Medicina avalia gasto per capita em saúde pública. Indicadores de saúde mostram que valores aplicados pelo Estado são insuficientes para atender necessidades da população. Um gasto de R$ 3,05 ao dia em saúde. Este é o valor que os governos federal, estaduais e municipais aplicaram em 2013 para cobrir as despesas dos mais de 200 milhões de brasileiros usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, o gasto per capita em saúde naquele ano foi de R$ 1.098,75. O valor, segundo análise do Conselho Federal de Medicina, está abaixo dos parâmetros internacionais e representa apenas metade do que gastaram os beneficiários de planos de saúde do Brasil no mesmo período.

Tomando como referência estudos do aspecto orçamentário e financeiro , estima-se a necessidade de gastos públicos em Reforma Agrária entre R$27.000,00 a R$126.000,00 por família para assentá-la plenamente (valores de 2006). Esse total é o “padrão” para homogeneizar algumas condições que podem servir de base e vai desde obter a terra (onerosa ou não), implantar o projeto de assentamento e instalar a família, oferecer os devidos créditos rurais e desenvolver o projeto do ponto de vista sócio-agroprodutivo e de sustentabilidade. Estão excluídos da conta os serviços e infraestrutura pública e demais medidas de apoio público enquanto agricultores familiares e de promoção ao desenvolvimento territorial rural.

Nesse sentido, faz-se necessário dotar a governança e regulação agrária de suporte orçamentário e financeiro necessário para oferecer o gasto público mínimo de R$100 mil por família agricultora e empreendedora rural familiar (um total mínimo de 5,3 milhões de famílias), e fracionando a despesa por dez anos, seriam necessários no mínimo R$53 bilhões anuais para realizar a Política de Desenvolvimento Agrário. Ou seja, a um Produto Interno Bruto (PIB nominal 2015) de R$ 5,904 trilhões, sairia a menos de 1% do PIB brasileiro.

Comparativamente, o governo federal apresentou no dia 31 de agosto o Projeto de Lei Orçamentária Anual 2017(PLOA) , documento que prevê despesas primárias totais de R$ 1,316 trilhão. Desse valor R$ 562,4 bilhão será desembolsado com previdência social e mais de R$ 900 bilhões com Encargos Especiais. Ou seja, o montante exigível ao Desenvolvimento Agrário se fosse de fato atendido seria de pequenos 3,9% do total de despesas do orçamento geral da União. 

O gasto social (Previdência Social geral e pública, educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, desenvolvimento agrário, saneamento básico, habitação e urbanismo – nos âmbitos federal, estadual e municipal) também tem benefícios econômicos . Nesse sentido, não há dúvidas de que o crescimento do gasto social nos últimos anos foi parte integrante e imprescindível da melhoria das condições de vida da população brasileira. Além de poder ser estrategicamente acionado em momentos de crise econômica, o gasto público social tem um papel fundamental na conciliação dos objetivos de crescimento econômico e distribuição de renda e corresponde a cerca de 21,1% do PIB brasileiro. Converte-se velozmente em consumo de alimentos, serviços e produtos industriais básicos que dinamizaram a produção, estimularam o emprego, multiplicaram a renda e reduziram a pobreza e a miséria extrema. 

Em termos gerais, ampliar em 1% do PIB os gastos sociais, na estrutura atual, redunda em 1,37% de crescimento do PIB. O gasto social tem um duplo benefício, ele promove o crescimento junto com uma melhor distribuição de renda e de capacidades. Ou seja, é o tipo de gasto que tem mais benefícios do que custos. Os gastos principalmente em saúde e educação públicas geram desdobramentos muito positivos tanto em termos de crescimento quanto de distribuição de renda. Ao distribuir melhor a renda, os salários e os serviços, uma parte importante do gasto social permanece no país e fortalece o circuito de multiplicação de renda, pois os estratos atendidos diretamente pela inversão dos recursos tendem a consumir menos importados e poupar menos, o que implica em maior propensão a consumir produtos nacionais, mais vendas, mais produção nacional e mais empregos gerados no país.

Aliás, como veremos, seu efeito sobre o PIB e a renda das famílias é maior do que o efeito do investimento, da exportação de commodities agrícolas ou do pagamento de juros – justamente porque o gasto social é feito, em sua grande maioria, em benefício dos estratos mais pobres e médios da distribuição de renda. O multiplicador do gasto social, em termos de PIB, é consideravelmente maior que o multiplicador dos gastos com os juros da dívida pública, 0,71% (quase o dobro), quase idêntico ao das exportações de commodities, de 1,40%, mas é inferior àquele do investimento em construção civil, 1,54%. Já o investimento no setor de construção civil e as exportações de commodities agrícolas e extrativas, promovem um grande crescimento do PIB, mas reproduzem o nosso, ainda alto, nível de desigualdade. 

Os gastos com exportações de commodities agrícolas e extrativas apesar de agregarmos ao PIB 40% de cada real investido nessa área, os efeitos para a renda familiar são pequenos e limitados a R$ 1,04 para cada R$ 1 gasto. A explicação está no fato de que a atividade agroexportadora aloca grande parte de seu valor agregado na remuneração do capital (45%). Esta, por sua vez, flui majoritariamente para as famílias mais ricas, com maior propensão a poupar e importar; logo, uma fatia maior “vaza” para a poupança e para o resto do mundo, saindo do fluxo de geração de renda inicial. Por seu turno, educação e saúde públicas alocam apenas 6,7% e 7,6% de suas receitas em rendas da terra e do capital, respectivamente.

Portanto, para além do incremento do próprio crescimento da produção agrícola, o gasto com Desenvolvimento Agrário - entendendo-o como política pública para além apenas da distribuição de terras e de políticas agrícolas para o segmento de estabelecimentos agropecuários familiares, mas de políticas de desenvolvimento territorial rural, que incluí cadeia produtiva, infraestrutura, como também serviços públicos locais básicos, como educação, saúde, assistência social, etc. - geraria um grande incremento muito superior não apenas no crescimento econômico, mas na distribuição de renda.

Por fim, a multiplicação do PIB permite um aumento da arrecadação do governo na forma de impostos, taxas e contribuições sociais. O exercício realizado pelo IPEA com a matriz de contabilidade social revelou que 56% do valor dos gastos sociais voltam para o caixa do tesouro, depois de percorrido todo o processo de multiplicação de renda que este mesmo gasto social. Esse retorno de 56% do incremento do gasto público social por meio da arrecadação é equivalente a uma carga tributária de 41% do PIB já aumentado em 1,37%. Tal carga tributária é superior à média (de 34% em 2006), justamente porque o gasto social beneficia mais a renda dos pobres e setores médios, os quais pagam mais impostos em proporção à sua renda. 

Ou seja, o efeito de multiplicação do PIB permite um aumento das receitas do governo, fazendo com que parte do gasto social se pague no futuro.

Financiamento orçamentário

Porém, há a incerteza da fonte de receitas suficientes à governança e regulação agrária. Todavia, a Lei 4.504/1964 prevê a constituição de um Fundo Nacional da Reforma Agrária . Apesar de seu não funcionamento, contraditoriamente o estatuto legal que o prevê segue em pleno vigor. Ao Fundo, segundo essa lei, seria destinada especificamente 3% de toda receita tributária da União e a arrecadação de “contribuição de melhoria” cobrada pela União de acordo com a legislação vigente.
Na PLOA 2017 está estimado um total de R$1,18 trilhão de Receita Primária Líquida , portanto, apenas se destinando 3% das receitas tributárias, como diz a lei, haveria R$35,6 bilhões disponíveis ao Fundo, se não vinculados à Política Nacional de Desenvolvimento Agrário.

Além do ITR , dois outros tributos, apesar de formalmente prevista destinar-se ao INCRA, atualmente a sua arrecadação não compõe seu orçamento . São elas, a contribuição de 0,2% calculada sobre a folha salarial de determinadas indústrias rurais e agroindústrias, incluindo cooperativas, e criado para ser destinado a custear ao Serviço Social Rural (SSR) , entidade antecessora do Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário (INDA) e, por sua vez, do INCRA, e que lhe foi transferido. E a contribuição para o INCRA de 2,5% sobre a soma da folha mensal dos empregados de várias modalidades industriais rudimentares . 

Considerados constitucionais sua cobrança , a sentença judicial nada trate sobre a destinação dos recursos, o que poderia ser revertidos a compor o Fundo Nacional da Reforma Agrária. Por sua vez, a melhoria na governança agrária poderia melhorar na arrecadação de demais impostos, especialmente no ITR e no Imposto de Renda Pessoa Física (IR/PF) e Pessoa Jurídica (IR/PJ), no combate a fraude e subavaliação de patrimônios.

Por fim, o estabelecimento de uma Política de Desenvolvimento Agrário, plenamente efetiva e eficaz, deve ser mais bem implementada com o retorno da condição e status de ministério às antigas estruturas do MDA (atual SEAD), para garantir autonomia política e administrativa, o devido apoio organizacional e a segurança jurídica e administrativa aos servidores e aos programas, políticas públicas e serviços voltados à Reforma Agrária e desenvolvimento rural sustentável e solidário.

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[*] Almir Cezar de Carvalho Baptista Filho - economista graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Servidor público de carreira da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD, ex-Ministério do Desenvolvimento Agrário) e diretor da associação nacional dos servidores do órgão (ASSEMDA) e da associação conjunta com os servidores do INCRA (CNASI-AN).

[**] O presente artigo é uma adaptação (prévia) da comunicação a ser apresentada no seminário de 40 anos do CPDA-UFRuralRJ.  As opiniões contidas no artigo não expressam as opiniões do órgão que trabalha o autor e dos seus gestores.

Postagem revisado em 23/11/2016

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