por Almir Cezar
Beneficiários do bolsa família correram às agências da Caixa (Foto: Agência Brasil) |
As bolsas sociais são constantemente alvo de acusações e severas críticas. Inauguradas na década de 1990 em governos municipais e estaduais chegaram no início do década de 2000 ao nível federal e consolidada ao longo da década, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Cadastro Único (CADÚnico) e o Programa Bolsa Família e agora o Programa Brasil Sem Miséria (BSM). O episódio voltou a chamar a atenção sobre elas, e novamente, ressurgem as acusações e críticas.
Ministra Tereza Campello fala em entrevista coletiva (Foto: Agência Brasil) |
Em meu tempo de graduação, eu era um pesquisador sobre o tema de políticas públicas de combate a desigualdade e pobreza. Cheguei a ser aluno de alguns dos "bambas" tão amados pelo atual Governo, como Marcelo Néri, Ricardo Henriques, etc, utilizados para legitimar a política social que prioriza o emprego das bolsas-sociais. Contudo abandonei durante meu desenvolvimento acadêmico esse tema posteriormente por desacordos metodológicos e estratégicos entre os pesquisadores majoritários dessa temática. Tornei-me crítico, entendendo ser outra a estratégia para a justiça social e desenvolvimento nacional. Porém, não concordo com um conjunto de críticas que lhe são dirigidas aos programas de renda-mínima. Assim, apresento algumas considerações em forma de tópicos como contribuição ao debate sobre o tema "bolsa família":
- As políticas sociais de transferência de renda direta se inserem no conjunto chamado de "políticas assistenciais focalizadas". Essas ações de política pública são complementares as políticas assistenciais gerais e universais. Visam atender pessoas em que as políticas tradicionais não conseguiriam alcançar. São complementares e teriam caráter provisório e mesmo transicional. Em tese, não deveriam rivalizar uma com as outras.
Gráfico: Ministério do Desenvolvimento Social - Atualmente as políticas focalizadas no Brasil não representam nem 1% do orçamento geral da União, enquanto que as despesas com pagamento com juros da dívida pública giram em torno de 45% desse orçamento ("bolsa juros" aos banqueiros e rentistas). Por outro lado, pesquisas já comprovaram efeitos-renda, isto é, efeitos econômicos de multiplicadores da renda dos beneficiários das bolsas para demais cidadãos, pela expansão no consumo. Com efeito na dinamização especialmente das economias locais endemicamente deprimidas, cujas famílias predominante nessas regiões são beneficiárias de renda desses programas.
- Há especialistas que afirmar que as políticas sociais focalizadas seriam preferíveis às universais e tradicionais, pois o custo orçamentário seriam menor e mais efetivas no atendimento das necessidades. Muitas falas nesse sentido, empregam até mesmo argumentos neoliberais.
- Há sim um uso eleitoreiro da concessão das bolsas, mas não feita de maneira direta, como havia no passado com programas de distribuição de cestas básicas, leite em saquinho, etc. Os programas, até para responder as acusações possui padrões aceitáveis do ponto de vista da assistência social e controle público. O uso eleitoral é muito mais associado a pseudo-ameaça de sua extinção ou promessa de ampliação, tanto sobre os beneficiários, como sobre o eleitoral não beneficiário, inclusive aqueles críticos a essa política social.
- 70% dos beneficiários desses programas com algum tipo de outra renda estável (salários, bicos, produção agrícolas ou artesanal, etc) não conseguiriam sobreviver no padrão internacionalmente aceito de vida.
- E por fim,"quem tem fome tem pressa" e "no futuro todos estaremos mortos". Não há que se esperar a constituição de políticas universais ou a geração de empregos com bons salários, enquanto a as pessoas estão com fome hoje e vivendo na miséria.
- Há sim desvios e corrupção. Mas relativamente são pequenos - os índices auditados giram no mesmos montantes e percentuais das fraudes em aposentadorias e pensões do INSS e outros programas de assistência social universal e mais tradicionais
- Uma das críticas seria que as bolsas sociais não estimulariam a "saída" de seu beneficiários. Isto é, geria uma dependência estrutural e perpetualidade da dependência de seus beneficiários. Contudo, as pesquisas já demonstraram que o percentual de "saída" é similar a usuários da seguridade social, e em muitos aspectos, até mesmo mais rápida. Não o são, porque os salários e rendimentos seguem sendo muito baixos.
- Há historicamente no Brasil um patamar muito rebaixado nos salários médios e na produtividade agrícola, que não garantem renda mínima às pessoas em condições de vulnerabilidade, portanto, programas de renda mínima mitigam o problema, e são para isso. Não para resolvê-los estruturalmente. E, por sua vez, uma renda complementar e emergencial, tal qual o seguro-desemprego, evita rebaixamentos sistemáticos ainda maiores dos salários médios.
- Há sim no Brasil, um preconceito, herdado do passado escravagista e colonial, que associa qualquer beneficiário de algum programa social com a condição de "vagabundo" e "preguiçoso", que se sempre está em torno do debate sobre as políticas sociais. No passado se referiam preconceituosamente aos negros e índios a esta condição, mais recentemente aos subempregados crônicos, e agora aos beneficiários desse tipo de bolsas. A lógica se estende ao processo de universalização dos direitos trabalhistas: ontem (décadas de 1970/80) foi quando se estendido ao trabalhador rural, agora é o trabalhador doméstico (2013).
- Mais emprego e salário em expansão são fatores essenciais para a diminuição da desigualdade no país. Contudo, a solução aos problemas dos baixos salários médios é a geração e ampliação do número de empregos em um patamar de 7% ao ano, que em 10 anos, conseguiriam absorver o crescimento vegetativo da população economicamente ativa. Para a geração de empregos (qualificados) em volume necessário o país precisa crescer (PIB) em média de 6 a 7% ao ano.
- Os empregadores somente conseguiriam absorver a expansão do valor médio dos salários se também houvesse um crescimento da produtividade média do trabalhador de 9,4 a 9,5% ao ano. Isso só seria possível se a taxa de investimento alcançasse 25% do PIB, que também permitiria uma expansão do PIB entre 5,4 a 7,5% ao ano.
- No caso rural, deveria haver a superação do minifúndio, que atualmente representa dependendo da estatística de 10 a 30% do total de estabelecimentos agropecuários. O minifúndio possui baixa produtividade de maneira inata e consequentemente baixa geração de rendimentos.
- Também, para combater a baixa produtividade rural, deveria haver a mecanização e melhoramento do restante da produção agropecuária e rural geral. Contudo, o latifúndio, mesmo o mais modernizado ("agronegócio"), pela sua condição específica (monocultura, baixo mark-up, terra extensiva), é propensa ao uso extensivo da da mão de obra e não qualificada, e portanto, paga em base a baixos salários. Portanto, para os dois casos mencionados acima, somente uma reforma agrária abrangente que elimine o minifúndio e o latifúndio (agronegócio) é a chave da resolução do problema.
- Nossa indústria desnacionalizada e oligopolizada é, e se tornou, meramente em uma quase "maquiladora" da grande indústria transnacional, portanto, se presta apenas a montagem das mercadorias, assim utiliza a mão de obra tendo em vista seu uso extensivo e em salários baixos, em detrimento da produtividade e qualificação. Por sua vez, a indústria nacional em razão da dependência econômica envia parte do seu excedente para o capital transnacional através de juros, dividendos e royalties, o que a descapitaliza para investimentos e pagamento de salários maiores. Portanto, até mesmo a reestruturação radical do padrão industrial será preciso fazer no Brasil.
- Porém, apesar disso tudo, no Brasil, por ser mais barato e atender um interesse imediatista e eleitoral, as políticas focalizadas e compensatórias estão substituindo a construção das políticas permanente de assistência social universal e uma transformação radical do padrão produtivo nacional. Apesar da necessidade de defender as políticas focalizadas de ataques, isso é duplamente condenável.
Dados sobre a Bolsa Família
(Extraído da Carta Maior - "Os dez anos que mudaram o Brasil" - por Eric Nepomuceno)
Instalado formalmente em outubro de 2003, a dez meses da chegada de Lula da Silva à presidência, o programa Bolsa Família, vítima de boatos nos últimos dias, beneficiou até agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a mudar a cara do país.
O Bolsa Família, de longe o mais amplo programa de transferência de renda da história brasileira, completa dez anos. Instalado formalmente em outubro de 2003, a dez meses da chegada de Lula da Silva à presidência, beneficiou até agora um pouco mais de 50 milhões de pessoas e ajudou a mudar a cara do país. São dois os requisitos básicos para aceder ao benefício: ter uma renda familiar inferior a 35 dólares por integrante da família e que as crianças frequentem uma escola pelo menos até completar o ensino fundamental.
Se no primeiro ano o programa chegou a três milhões e 600 mil domicílios brasileiros, faltando pouco para completar uma década alcança 13 milhões e novecentos mil em todo o território do país. Considerando-se a média de quatro integrantes por família, se chega a 52 milhões de pessoas, uma população superior a da Argentina. Quase meio México.
O orçamento destinado ao Bolsa Família em 2013 é de doze mil e 500 milhões de dólares, com um valor médio de 35 dólares por membro da família beneficiada. É pouco, certamente. Mas, para os que se beneficiam, é muitíssimo. É a salvação.
Atualmente 45% dos inscritos originalmente em 2003 continuam se beneficiando do Bolsa Família. São 522 mil famílias que jamais deixaram de receber a ajuda do governo. Não existem dados oficiais sobre os demais 55% que inauguraram o programa, mas considera-se que a maior parte deles alcançou outras fontes de renda que, somadas, superam o mínimo determinado para que recebessem o subsídio.
Há registros que mostram que, em dez anos, um milhão e 700 mil famílias – 12% do total que receberam benefícios nesse tempo – desistiram voluntariamente do benefício, por haver obtido ingressos superiores aos 35 dólares por cada um de seus integrantes, o piso mínimo permitido para que se solicite o Bolsa Família.
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