por Almir Cezar
Um relatório das Nações Unidas divulgado nesta segunda-feira destacou a importância do papel dos insetos comestíveis na luta contra a fome no mundo. O estudo, conduzido pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês), estimou que 2 bilhões de pessoas no planeta já complementam suas dietas com insetos, tais como besouros, gafanhotos e formigas. Embora interessante, o consumo em massa de insetos não é a solução da fome do mundo, que reside na desigualdade na produção e distribuição de alimentos.
A FAO acrescenta que a criação de insetos em escala industrial poderia contribuir para a segurança alimentar mundial. Esses animais são altamente nutritivos e fáceis de reproduzir, além de poderem ser usados como alimentos para peixes e gado. O relatório, no entanto, ressalva que a repugnância de muitos consumidores, especialmente de países ocidentais, constitui uma barreira para a inclusão deste tipo de alimento na dieta global.
Contudo, fica-se com a impressão que a questão esta subvertida. De fato, por um lado, o cultivo de insetos (até porque ninguém deveria pensar em consumir insetos que não sejam de criatórios próprios e certificados) poderia ser uma grande fonte de nutrientes, especialmente em países que passam por forte crise agrícola, principalmente causados por desastres ambientais (secas ou tempestades) ou terras pouco férteis, constituindo uma reserva estratégica complementar. E por outro lado, o consumo de insetos oferece uma alternativa gastronômica e culinária nova, de forma similar ao ocorrido, por exemplo, com o caramujo francês (escargot). Embora interessante, o consumo em massa de insetos não é a solução da fome do mundo, por cinco grandes motivos:
1- A questão central não é a existência de um déficit alimentar no mundo provocado por uma produção agrícola aquém do volume produzido necessário ao tamanho das populações. Pelo contrário, as estatísticas mundiais da própria FAO confirmam que o volume total de calorias produzidas em todo o planeta atenderia a necessidade nutricional das populações. O que há de fato, é um sério problema na distribuição e no acesso aos alimentos, tanto no espaço, quanto de classes e grupos sociais. Essa questão foi muito bem elucidada por Josué de Castro, pioneiro em seu livro clássico "Geografia da Fome";
2- A população dos EUA consume em média 4x mais calorias que a população de todo o continente africano. Por sua vez, o volume de calorias produzidos na África atenderia as suas próprias necessidades nutricionais se lhes fossem disponibilizadas corretamente. Os EUA concentram as estatísticas mundiais de obesidade e o da África de desnutrição. Portanto, no mundo, uns consomem muito, enquanto outros, mesmo que produzam muito, consomem pouco, pelo pouco acesso que detém;
3- Há ainda o problema que o atual padrão da produção agrícola mundial é provocadora de fome à medida que os gêneros produzidos não correspondem à dieta e à culinária tradicional de suas populações, e visam, na verdade, a exportação para outros mercados, a produção de ração e ser matéria-prima para a indústria. É o caso emblemático da commodities. O exemplo clássico, são a soja e a cana de açúcar no Brasil e o gado bovino na Índia;
4- Há também o problema da baixa produtividade da produção agrícola familiar (pelo minifúndio ou mesmo a própria ausência de acesso à terra, especialmente as férteis). A agricultura familiar é considerada o principal provedor de alimentos básicos, e constituinte fundamental qualquer estratégia de segurança alimentar, tanto nas famílias rurais pobres devido ao autoconsumo, como por ser menos propenso a produção de commodities, em geral intensivas de capital e extensivas em terras. Isso é resolvido sinteticamente pelo quarteto "crédito - reforma agrária - assistência técnica - distribuição";
5- Os governos nacionais deveriam desenvolver políticas permanentes de estoques estratégicos de produtos agrícolas, tanto para garantir preços mínimos (como também, máximos) dos alimentos, como para prevenção dos problemas eventuais na distribuição de alimentos e sementes, especialmente durante desastres ambientais ou explosões inflacionárias. Por sua vez, preços mínimo garantem que agricultores familiares consigam sobreviver com a venda de sua produção, garantindo o cultivo para o ano seguinte.
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