sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dica cultural: o MHAERJ-Museu do Ingá, um espaço de cultura, preservação e pesquisa

Visite-o, inclusive para forçar sua recuperação

por Emir Cláudio Zar

Vista da entrada do MHAERJ-Museu do Ingá. (Wikipedia)
Em Niterói há um dos mais importantes centros de história e arte do Rio de Janeiro, um ótimo passeio e pesquisa, a espera de público e de valorização pelos governos.

Os fluminenses, apesar de seu Estado abrigar as mais importantes instituições para preservação histórica e artística do Brasil, como o Museu Nacional, o Histórico Nacional, o Nacional de Belas Artes, etc, todos na cidade do Rio, porém não conhecem, do outro lado da Baía de Guanabara, talvez tão importante quanto estes em acervo e pesquisa, mas muito menos badalado, uma grande instituição, e com importante acervo, especializada a sua própria história e arte: o  Museu de História e Arte do Rio de Janeiro (MHAERJ), ou "Museu do Ingá", como é popularmente chamado. 

Localizado em Niterói, no bairro do Ingá, apesar de ser bem próximo ao Museu de Arte Contemporânea-MAC, internacionalmente conhecida joia do arquiteto Oscar Niemeyer, passa despercebido por turistas e público em geral. Esse desconhecimento é em grande parte pelo descaso das autoridades sobre o museu, subutilizando-o à cultura, lazer e turismo, e ainda coloca em risco a memória histórica, a pesquisa científica e a preservação do patrimônio do povo do Rio de Janeiro.  Mas, muito mais que os governos, o que o  realçará ao seu devido valor, é a presença dos visitantes e a atuação da comunidade local e acadêmica.
Vista do jardim lateral frontal (Foto: Wikipédia)
O Museu

Com um dos maiores acervos históricos e artísticos do Brasil, o MHAERJ é sediado no antigo Palácio Nilo Peçanha, também chamado Palácio do Ingá, na Rua Presidente Pedreira, 78, Ingá, Niterói, edifício outrora sede do governo do Estado do Rio de Janeiro, antes da fusão com o Estado da Guanabara. O Museu do Ingá é vinculado à Fundação Estadual Artes do Rio de Janeiro (FUNARJ). O atual Museu de História e Artes do Estado do Rio de Janeiro (MHAERJ) é formado pela união dos Museus Histórico do Estado do Rio de Janeiro (criado em 1977) e o de Artes e Tradições Populares (criado em 1964, ainda no Estado da Guanabara) que funcionavam no mesmo espaço: o Palácio Nilo Peçanha, mais conhecido como Palácio do Ingá.

O Palácio Nilo Peçanha serviu como residência e sede do Governo Fluminense a partir de 1904, perdendo essa finalidade política devido à fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro em 1975, quando a capital do antigo Estado do Rio de Janeiro foi transferida de Niterói para a cidade do Rio de Janeiro.


O acervo MHAERJ é composto por obras de artes e decorativas oriundas do próprio Palácio do Ingá, onde se destacam autores brasileiros como Antônio Parreiras (1960-1937), Navarro Costa (1883-1931), Edgar Parreiras (1885-1964) e, formada também por obras dos artistas franceses Henry Délacroix (1845-1929), Paul Thomaz (1859-1940), cujo gênero de pintura integravam perfeitamente a decoração de gosto notadamente francês, muito em voga anos de 1920, período em que o Palácio foi remodelado, pelo então governado Raul Veiga; há também as obras adquiridas à época da criação do museu, em 1976, essa formada essencialmente por de artistas brasileiros, especialmente fluminenses, dos séculos XIX e XX. Na galeria de retratos dos governadores do estado, destacam-se as obras de Ernst Papf, August Petit, Batista da Costa, Jordão de Oliveira, Décio Vilares Georgina de Albuquerque.

Pintura de Henry-Eugéne Delacroix


E ainda a extraordinária coleção do antigo BANERJ, oriunda do patrimônio do acervo de obras de artes não repassadas com sua privatização aos novos proprietários desse banco estadual. Encontra-se sob a guarda deste museu, e que apresenta os expoentes da arte moderna brasileira, como Cândido Portinari, Emiliano di Cavalvanti, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, e muitos outros importantes nomes de destaques dos diversos movimentos artísticos que a partir dos anos 30, consolidaram a arte brasileira, como Alfredo Volpi, Maria Leontina, Milton Dacosta, José Pancetti. 

O museu abriga também um significativo conjunto de pinturas de Lucilo de Albuquerque (1877-1939), reunida originalmente por sua mulher, a artista Georgina de Albuquerque, que, com a morte do artista tinha a intenção de criar um museu a ele dedicado. O projeto não se concretizou, mas obras foram adquiridas pelo governo do estado e passadas por comodato ao MHAERJ.

A coleção de gravuras do museu merece especial atenção. Composta basicamente pela obras do antigo acervo Banerj, está formada por trabalhos de alguns dos mais importantes gravadores brasileiros como Anna Letycia, Rubem Grilo, Fayga Ostrower, Edith Bering, Eduardo Sued. Vale destacar a presença de um conjunto expressivo de xilogravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), composta de mais de 300 xilogravuras e 104 matrizes.
Pintura de Iberê Camargo

No acervo de artes e tradições populares, o MHAERJ conta com cerca de 2500 peças que permitem difundir a cultura material e espiritual representativa dos diversos Estados do país, sobretudo do Estado do Rio de Janeiro. Dentre as mais variadas expressões de nossa cultura popular, destacam-se peças de indumentária representativas de festas e danças populares, artesanato, instrumentos de trabalho doméstico e rural, objetos rituais de cultos afro-brasileiros, adornos e utensílios domésticos, brinquedos, ex-votos, literatura de cordel, arte indígena e outras. Nesse variado acervo destacam-se as cerâmicas de Mestre Vitalino e Zé Caboclo, a arte em madeira de Mundinho, as Carrancas do Mestre Guarani.

Pintura de Di Cavalcanti
No MHAERJ se desenvolveu também um centro de pesquisa, o Centro de Estudos Fluminenses, tanto a partir do seu acervo arquivístico do palácio e pelo recebimento de acervo doado pelas famílias de importantes políticos fluminenses, como pela presença de profissionais especializados entre os membros da equipe técnica do museu.

Há ainda, aos fundos do edifício principal, que abriga o espaço de exposições e administração, prédios anexos, que anteriormente ao museu abrigavam instalações para empregados do palácio, e atualmente são utilizados para as oficinas e cursos de artes plásticas aberto ao público em geral. Também, há um amplo jardim parcialmente preservado do seu traçado do tempo de palácio e residência oficial dos governadores, aberto ao público, constituindo um aprazível e bucólico espaço entre o concreto do bairro populoso, um espaço onde é possível a integração, o descanso dos moradores do bairro.

E há também a biblioteca do museu centrado em obras de História da Arte, Folclore, História do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro, com um acervo que reúne aproximadamente doze mil volumes e quatrocentos e dois títulos de periódicos. Somam-se ao acervo coleções particulares de Clarival do Prado Valladares, historiador e crítico de arte; de Haroldo Barroso, escultor; de Júlio Xavier Figueiredo, pesquisador e escritor; a do acadêmico Odilo Costa Filho; a do bibliófilo Alberto Lima e a coleção das oficinas de gravura e escultura realizadas no Museu.

A negligência

Salão Dourado (Fonte: museusdoestado.rj)
Contudo, atualmente, apesar da aparente e imponente beleza, no museu também são visíveis sinais de deterioração do prédio, pela baixa conservação e sucessivas modificações arquitetônicas incoerentes, e o seu baixo aproveitamento enquanto espaço cultural e centro científico. Apesar de abrigar um vasto e importante acervo histórico, de pesquisa e artístico, dotado de um centro de pesquisas de alto nível e um importante espaço para cursos e eventos para a comunidade, o MHAERJ conta com baixo aproveitamento, tanto turístico, contando com pouco número de visitantes, embora esteja próximo de umas mais importantes atrações turísticas do Brasil, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (o MAC), como pela comunidade acadêmica, embora também seja vizinho da Universidade Federal Fluminense, uma das maiores instituições universitárias do país.

jardins do museu
Apesar dos esforços da equipe gestora e técnica, esse subaproveitamento do MHAERJ deve-se ao descaso das autoridades estaduais de cultura, ciência e preservação para dotar o museu e sua equipe de condições para oferecer uma programação interessante ao público, melhorar a divulgação do espaço e de seu acervo e ainda ampliar os recursos para conservação e proteção do palácio e do próprio acervo, sob risco de furtos e sinistros -sempre presentes nos museus brasileiros, ainda mais naqueles sob descaso dos governos e sob o pouco holofote de frequentadores e mídia.
O museu está em situação não muito diferente dos outros centros de cultura do governo do estado, especialmente fora da capital, a exceção daqueles badalados por turistas e elites, como o Teatro Municipal do Rio e o Casa França-Brasil - espaços com acervos importantíssimos como o Museu Carmem Miranda ou do Primeiro Reinado vivem condicionalidades similares ao MHAERJ. Curiosamente, os casos mais graves estão fora da capital - em Niterói mesmo houve outro caso, o Museu Antônio Parreiras, dedicado a este famoso pintor, o primeiro museu brasileiro dedicado a único artista, precisou chegar a grave estado de degradação de seu edifício e risco de danos irreversíveis ao seu acervo para uma reforma que prossegue a anos. Há em torno ao Museu do Ingá promessas vagas por parte da secretaria estadual de Cultura e da EMOP (empresa estadual de obras públicas) de realização de uma grande intervenção para restauração do edifício, recuperar e o acervo e modernizar o museu, enquanto isso este segue à deriva.

Também, não se pode também negar a omissão e negligência da autoridades municipal de Niterói ao museu. O MHAERJ não está entre as principais atrações aos visitantes à cidade, mesmo entre aquelas culturais, divulgadas nos materiais dos órgãos de cultura e turismo, que enfatizam exageradamente o Museu de Arte Contemporânea (MAC), um museu da administração municipal, usado como chamariz aos turistas.

Por sua vez, não há nenhum fôlder ou material disponível no próprio MAC promovendo o Museu do Ingá, o mesmo acontece nos sítios eletrônicos da Prefeitura ignorando sua programação. Nos guias oficiais da empresa de turismo o museu aparece muito secundariamente. A Prefeitura, que inclusive lhe tem nas proximidades, um museu, inclusive sem acervo próprio, o casarão "Solar do Jambeiro", e seu vizinho, o centro cultural Sala José Cândido de Carvalho, porém não há interação alguma, e em nada procura participar na gestão e apoio a divulgação do museu, como na promoção do seu acervo e/ou na construção da programação. Em suma, faz-se de cega e surda ao vazio e mesmo à degradação sobre o museu.

Talvez a principal forma de chamar atenção das autoridades, tanto para os atuais riscos, como os  potenciais pouco aproveitados do MHAERJ, seja o próprio aumento da visitação e frequência por turistas, pesquisadores e população em geral, e a mobilização da comunidade acadêmica e local para necessidade de recuperação do museu e efetivação de todo o seu potencial. Mais frequentadores deve chamar a atenção dos governos para o potencial turístico e de lazer cultural do museu e reverter o estado de abandono que se encontra hoje.

Galeria de ex-governadores do antigo RJ
Um bom exemplo a mirar, com todos os problemas, pode ser a trajetória recente do Museu da República, na cidade do Rio, abrigado no antigo Palácio do Catete, tanto pela similaridade de criação (encerramento da sua finalidade governamental do palácio e repositório de seu patrimônio artístico, como de acervo doado de políticos e documentos históricos), mas porque também passou por um processo parecido: na década de 1990, após uma longa decadência, fruto de mobilização popular, passou por restauração e modernizou-se. Transformando-se além de um espaço de preservação (do prédio e do acervo) e memória histórica, em um centro cultural frequentadíssimo pela população do bairro do Catete e da Zona Sul e um importante centro de pesquisa nacionais em História e Ciências Sociais. E assim, pensando o museu em termos do frequentador habitual, pesquisadores e moradores vizinhos, trouxe-lhe também ao interesse inclusive dos turistas.

Então, fica a sugestão: quando for à Niterói visite o MHAERJ (e se você for da cidade, vá lá) - inclusive para forçar os governos a valorizar esse importante centro cultural e de pesquisa. E também engaje-se em um movimento em defesa do museu. 

Endereço: 
MHAERJ - Museu de História e Arte do Rio de Janeiro/Museu do Ingá - Palácio Nilo Peçanha (também chamado Palácio do Ingá), na Rua Presidente Pedreira, Número 78, bairro do Ingá, cidade de Niterói, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Para saber mais:

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