quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O 'teorema de Preobrazhenski' - os dilemas entre inflação e industrialização em países agroexportadores

por Almir Cezar

Alguns dos principais líderes da Oposição de Esquerda
Abaixo, Trótski ao centro e Preobrazhenski último à direita.
O economista russo Evgeni Preobrazhenski (1886-1937), o mais destacado teórico da chamada "oposição de esquerda" do Partido Bolchevique (grupo intra-partidário liderado por Leon Trótski que combateu na década de 1920 a direção de Stálin e a burocratização da política soviética), foi o primeiro a se referir a uma chamada "etapa primária do socialismo" e a desenvolver a ideia da possibilidade de uma "acumulação socialista primitiva", que se implantaria pelo planejamento centralizado e industrialização acelerada apoiada na ação estatal. Duas de suas principais obras completam jubileu em 2011 - o livro A Nova Econômica, 85 anos, e o atualíssimo diante da crise mundial, O Declínio do Capitalismo, 80 anos. 

Sua contribuição não se limita a luta política soviética de seu tempo e o tema teórico da transição econômica ao socialismo,  tão importante quanto, é sua análise sobre os dilemas vividos pelos países subdesenvolvidos que trilham o caminho da industrialização, e como fica seu funcionamento nesse ínterim, mesmo sob o capitalismo, conhecida cientificamente como 'teorema de Preobrazhenski'.

Preobrazhenski, um ferrenho opositor da NEP (sigla em russo para Nova Política Econômica), tornou-se famoso pelas análises da relação entre inflação e industrialização em economias atrasadas (e em estado de isolamento internacional), como a Rússia revolucionária. Entrou em choque com as opiniões de Lênin e Bukharin, partindo da constatação de que a NEP seria responsável por um aumento da demanda sem que a velocidade da industrialização fosse capaz de abarcar o crescente consumo, como também, ajudaria na consolidação de uma estrutura de mercado oligopolista privada no mercado interno. Por outro lado, tal dinâmica contribuia para acelerar a deterioração nos preços e/ou termos de troca em detrimento dos produtos agrícolas, inclusive nos termos do comércio internacional (resultando na chamada economia ou curva da "tesoura de preços"). Em uma espécie de armadilha macroeconômica típica do processo de desenvolvimento industrializante.

Esta tese, generalizada à análise do conjunto de países subdesenvolvidos, agroexportadores, em processos de desenvolvimento industrial acelerado, ficou conhecida no Ocidente como "teorema de Preobrazhenski", expressão alcunhada por ilustres economistas que investigaram o tema,  inclusive não-marxistas, como o ganhador do Nobel Joseph Stiglitz e o grande Evsey Domar, co-criador do modelo Harrod-Domar de crescimento econômico, entre outros.

O economista soviético é uma referência no estudo marxista da Economia Política e na visão marxiana sobre o processo de desenvolvimento econômico. Mas também, Preobrazhenski é um dos maiores estudioso sobre a URSS em seu tempo, sendo um dos contemporâneos (e um dos principais personagens) dos processos sociais, econômicos e políticos que essa sociedade viveu na década de 1920. Para ele, a URSS era um laboratório para todo marxista, não apenas sobre a transição ao Socialismo, mas para investigar, sob a perspectiva da Crítica da Economia Política, o fenômeno do desenvolvimento capitalista, e as características que assume a dinâmica econômica em cada momento desse desenrolar - problemas que o 'teorema de Preobrazhenski' se abordados de maneira mais ampla também permite responder*.

Preobrazhenski analisa as consequências da alteração dos termos de troca entre agricultura e indústria na acumulação de capital e no bem-estar de trabalhadores em diferentes setores. A questão foi central para o debate de industrialização soviético da década de 1920 e continua a ser importante no mundo em desenvolvimento hoje. Através de uma série de exposições e aperfeiçoamentos no modelo lógico-matemático marxiano da reprodução geral, tanto a 'simples' como a 'ampliada', mostra que um aperto de preços no camponeses aumenta a acumulação, como argumentou, mas, ao contrário do que se poderia concluir, deixa tanto os trabalhadores urbanos como os rurais em uma melhor situação, a partir do incentivo à ampliação da produção industrial e da infra-estrutura produtiva e de bem-estar social, financiada pela transferência do excedente de riqueza do setor agrícola.

Contrariamente a uma diversificada gama de interpretações que enfatizam o fracasso da economia soviética, ou que assinalam que o desenvolvimento na URSS fez-se em detrimento dos padrões de consumo da população, a industrialização forçada presente no I e II Plano Quinquenal, apesar de toda confusão e terror que lhe foram desnecessariamente combinada (em termos 'preobrazhenskianos'), foi bem-sucedida garantindo uma elevada taxa de crescimento econômico e permitindo uma substancial elevação do padrão de vida da população, após 1930. Comparando o crescimento de todo o período soviético ao de diversos países, do centro e da periferia da economia mundial, conclui-se que poucos países fora do núcleo desenvolvido da Europa Ocidental conseguiram um ganho tão expressivo de renda per capita. Enfim, o modelo soviético de industrialização revelou-se uma bem-sucedida estratégia de superação do atraso econômico, enquanto a quase totalidade dos países atrasados não logrou no mesmo período escapar do círculo vicioso do subdesenvolvimento. A análise histórica demonstra assim que, sob certas condições, é possível promover o crescimento do setor de bens de produção e em simultâneo sustentar ou expandir o consumo per capita. Foi o que ocorreu a partir dos anos 1930, o que confere realismo às hipóteses de Preobrazhensky sobre a necessidade de promover o rápido crescimento da indústria pesada.

De uma maneira ou de outra, ao menos parcialmente,  toda a lista de países subdesenvolvidos que trilharam o caminho do desenvolvimento no decorrer do século XX seguiram caminhos  industrializante semelhantes a esse, ainda que nos marcos do Capitalismo. Contudo, ao manter velhas estruturas ou não transitando a fundo nesse processo de superação do subdesenvolvimento adquiriram problemas denunciados por Preobrazhenski ainda à época do "grande debate", e manifestados como na NEP - sem dúvida para esse pensador, não resolvidos sem a superação definitiva do Capitalismo.

Já  naquele tempo, Preobrazhenski defendia que para combater a endêmica inflação alta, como também a necessidade de  altas taxa de juros, e os problemas do câmbio e de déficit externo, a receita político-econômica não era uma alta taxa juros e/ou orçamentos públicos equilibrados. Seria sim, acelerar a industrialização, nacionalizar os setores controlados pelo grande capital industrial e rural para ampliar a capacidade produtiva e encerrar a dependência externa, combater os oligopólios privados nacionais e transnacionais e a drenagregem financeira dos recursos públicos (pagamento da dívida pública). Passados décadas, agora no início do século XXI os problemas, dilemas e receitas desenvolvidas por Preobrazhenski ainda na década de 1920 são válidos, mais do que nunca.

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Leia também o artigo Juros, inflação e dependência no Brasil atual
                                    Dinâmica e desenvolvimento no "teorema de Preobrazhenski"
Para conhecer mais sobre Evgeni Preobrazhenski
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(*)  Sua análise sobre a reprodução geral permite desenvolver uma teoria marxista sobre realização da mais-valia, precursora da teoria do princípio da demanda efetiva, uma década antes dos textos seminais da Macroeconomia de Michal Kalecki (1933) e de John Maynard Keynes (1936), tratando temas do funcionamento dinâmico do capitalismo, como crédito, juros, moeda, setor externo e setor público, e o problema do ciclo econômico e da taxa de investimento "garantida". 

Além disso, o "teorema de Preobrazhenski", visto de maneira mais lato sensu, ainda permitiria analisar a relação entre taxa de exploração, taxa de crescimento e nível de desenvolvimento e o papel dos determinantes extra-econômicos, da estrutura de acumulação na trajetória de desenvolvimento e da "lei do valor"(as questões da "direção" e "regulação econômica").

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