terça-feira, 19 de maio de 2020

Revolução socialista ou bonapartização da economia: A teoria da crise para o Marxismo dogmático e o revisionista

por Almir Cezar Filho

Alguns dos principais autores marxistas:
Marx, Engels, Lênin e Trótski
No centro da controvérsia intramarxista, entre revisionismo e dogmatismo, entre revolucionários e reformistas, não está questão da Revolução ou da natureza do Estado, mas sim a questão da crise. Se a crise capitalista por si só traz a revolução; se a crise por si só traz o encerramento do Capitalismo. Na procura por encontrar as raízes reais da crise econômica mundial e as suas consequências favoráveis a sua solução, sem o devido rigor, surgiu duas grandes ilusões: os mitos economicistas e voluntaristas – sejam aqueles que, baseando-se na teoria do colapso do capitalismo, subestimam os papéis decisivos do homem e da revolução, sejam aqueles que, superestimando a ação do homem, desligam-na dos limites objetivos impostos pela história.

Mas, na medida que, o término, o encerramento do Capitalismo não veio, não vencido por revoluções proletárias que trouxessem o Socialismo, traz assim mesmo transformações inexoráveis ao sistema, que tardiamente sobrevive. No lugar do Socialismo, sobrevém em consequência das crises, uma economia comandada  (parcialmente ou amplamente) pelo Estado. Ao invés do Socialismo advém uma bonapartização econômica da vida social ainda no marco do Capitalismo.

O presente artigo pretende desenvolver uma análise crítica aos marxistas revisionistas, investigando, sob uma perspectiva ontológica, a sua concepção de revolução (e reforma) no centro da explicação para a dinâmica do capitalismo e os arranjos institucionais e organizacionais, assim como a recorrência das crises estruturais. Para tanto, delimita-se e explicita os fundamentos metodológicos e teóricos da abordagem em foco, tornando preciso seu conceito de regulação e, por meio de visitar os debates históricos no movimento internacional operário e na academia entre as vertentes do pensamento marxista sobre as causas das crises no sistema capitalistas, constrói-se a estrutura e a gênese da abordagem reformista.

Demonstra-se ao longo do texto, que as vertentes marxistas reformistas (tanto revisionistas, como o dogmatismo) confundem a causa das crises com as formas específicas de sua manifestação, e com isso capacidade de sua superação dentro do capitalismo. E procura-se resgatar a “lei do valor" como estatuto ontológico da regulação na sociedade produtora de mercadorias por meio do capital e a causa das crises na contradição fundamental entre o caráter social da produção e o caráter privado da apropriação - elementos centrais de compreensão marxista do processo de desenvolvimento do sistema econômico.



A controvérsia no Marxismo: dogmatismo vs. revisionismo

O Marxismo sistematizou-se e consolidou-se através da análise da realidade e da crítica aos produtos teóricos de outras correntes epistemológicas e políticas. De tal modo que, o acervo das obras marxistas principais constituiu-se ao sabor e como resultado de uma incessante polêmica no terreno da luta teórica. Mas, convém lembrar, o debate não se limitou apenas ao choque entre correntes de pensamento antagônicas. Ele se verificou no interior do próprio marxismo, como luta de opiniões no esforço coletivo de interpretação e transformação da realidade. Esse esforço, só é possível enquanto perdurar nas fileiras marxistas uma rigorosa coerência com as categorias básicas do materialismo dialético.

No entanto, o crescente, e já longo, processo de dogmatização do marxismo vem obstruindo seriamente a sua evolução enquanto ciência. A cedência ao dogmatismo sedimentou a crença de que o conjunto das obras de Marx, Engels, Lênin, ou mesmo depois, Gramsci, Stálin,  Mao, ou Trótski (a depender do intérprete), entre outros, tinham acumulado um máximo de conhecimento possível, a propósito tanto do método científico quanto da realidade capitalista e da revolução socialista. De maneira que a epistemologia marxista foi sendo encarcerada nos marcos de um sistema fechado, ao estilo metafísico, povoado de verdades eternas e absolutas.

O primeiro resultado foi o desabrochar de um desprezo pelo emprego dinâmico do método materialista dialético como ferramenta apropriada à análise da realidade e a sua substituição por uma prática "teórica" limitada às repetições mecânicas e estéreis das verdades descobertas a seu tempo pelos clássicos. Levados às últimas consequências, o dogmatismo provocou toda a gama de distorções que atrofiaram o conteúdo científico e revolucionário do marxismo. A concepção do marxismo como sistema fechado, esgotado pelos clássicos, reservava a cada nova geração de teóricos a função menor de meros propagandistas, quando não de vulgarizadores.

A grande maioria das tentativas de novas contribuições à luz do marxismo passaram a ser encaradas aprioristicamente como manifestações revisionistas ou se fizeram nesses marcos. 

Por outro lado, a absolutização da contribuição dos clássicos produziu um desinteresse pela continuidade da polémica com as novas correntes do pensamento burguês e pequeno-burguês surgidas no período pós Lênin, como o keynesianismo, o schumpeterianismo, o neoricadianismo e o novo classicismo liberal. O dogmatismo, a propósito de defender a pureza do marxismo, afastou-o da luta ideológica e do extraordinário desenvolvimento científico dos últimos sessenta anos. A polémica, quando existia, era remetida basicamente aos clássicos, ainda que se tratasse de questões inteiramente novas.

A subordinação subserviente do marxismo internacional a um centro dirigente da revolução mundial indevidamente transformado numa entidade infalível e incontestável, influi profundamente no processo de dogmatização do marxismo. Primeiro porque a submissão a um centro dirigente deificado vibrava um golpe mortal sobre o espírito crítico na órbita do próprio marxismo e ainda facilitava a influência pequeno-burguesa.

Assim sendo, as sucessivas gerações tanto pós-Engels como posteriormente as pós-Lênin, alienado sua própria consciência crítica à fé na infalibilidade do centro dirigente, foram formadas (ou deformadas) na exaltação de um praticismo combativo mas desorientado, entorpecido pelas certezas grandiloquentes e triunfalistas.

Por seu turno, o praticismo provocou uma verdadeira subversão entre as categorias do materialismo dialético. Foi assim que a ciência acabou subordinada aos interesses políticos imediatos, de tal modo que se comprometeu seriamente a ação recíproca dinâmica que a prática política e a atividade científica exercem uma sobre a outra: a primeira fornecendo subsídios em forma de questões, objetos de pesquisa, estímulos concretos; a segunda respondendo com a descoberta das leis do desenvolvimento histórico, com a interpretação da realidade em todos os seus níveis, com a constatação das novas tendências na evolução do mundo real, com a sistematização da prática em geral.

A resposta de Lênin aos revisionista de sua época aponta num sentido oposto. Além de que o revisionismo em voga atualmente apenas há muito pouco tempo fala em "inovação". Durante várias décadas ele se apresentou como o fiel depositário da herança leninista. Na verdade, o combate ao revisionismo e a luta de classes em geral exigem imperiosamente uma renovação, ou seja, uma constante atualização do marxismo diante das peculiaridades de cada período histórico. E as razões são simples. Historicamente, os surtos revisionistas não são produtos de uma subjetividade arbitrária. Ao contrário. Esses surtos verificam-se no âmago do movimento operário, e representam reflexos distorcidos, ao nível teórico e ideológico, de novas questões postas por modificações que se operam na realidade.

Em nossa época, novas questões da realidade mundial, como a expansão do imperialismo e o seu ingresso em novo ciclo de depressão, a decomposição do projeto socialista na URSS e dos antigos partidos da III Internacional a inegável e persistente influência da socialdemocracia no seio das massas operárias (sobretudo nos principais centros imperialistas) embora com grande desgaste e o fim do "pacto socialdemocrata", todas essas questões permanecem ainda precariamente sistematizadas sob uma ótica marxista.

Por outro lado, essa sistematização exige uma tal dimensão teórica, que ela só poderá realizar-se no contexto de um marxismo comprometido com a sua autorrenovação. Isto é, de um marxismo que, seguindo sua tradição mais autêntica, decida-se a enfrentar concretamente, sem dogmas e tabus, as questões candentes de nossa época. Por isso mesmo, uma tal resposta dinamizadora terá de passar, necessariamente, contundentemente, pela superação do dogmatismo, uma outra forma de revisionismo, transfigurada.

Não é difícil perceber a estreita conexão que existe entre essa prática e a chamada "teoria da regulação". Entretanto, indo além dessa percepção, o presente trabalho tem intenção de penetrar na real natureza dessa teoria e desvendou o seu caráter revisionista. Facilitando, assim, a compreensão de que a conduta política-econômica dos Partidos Comunistas (PCs) convertidos e da socialdemocracia europeia ocidental é a expressão de uma linha estratégica contrária aos interesses históricos da classe trabalhadora e de seus aliados oprimidos e explorados, como de uma violação a teoria marxista, isto é, às base ontológicas dessa teoria.

O revisionismo encarna as pressões dos sentimentos burgueses no interior do marxismo diante da crise do capitalismo que assim assume a forma de social-reformismo, isto é, mantendo a fachada socialista, serve de esteio às pretensões da burguesia. Assim, é que, em suas primeiras manifestações, o revisionismo germinou durante uma fase crítica do capitalismo internacional e a partir de uma capitulação da "aristocracia operária" e de setores da pequena-burguesia à ideologia burguesa. Esse fenómeno, que parecia enterrado com a II Internacional, reproduz-se nos anos de 1970 na transfiguração dos principais partidos comunistas que rompem abertamente com a sua vinculação ao movimento comunista internacional, ao Leninismo e à defesa da implantação da ditadura do proletariado, dando origem à corrente Eurocomunista, dentro de um contexto de um movimento de meta-marxismo, que dentro dele dará origem em seu interior, posteriormente, a Escola da Regulação.

Sendo a teoria da regulação, como foi demonstrado numa variante do social-reformismo, a crítica a essa teoria assume necessariamente a condição de uma crítica ao social-reformista como um todo, e ao revisionismo contemporâneo, em particular.

Com efeito, um dos derivados do agravamento da crise do capitalismo e 4as alterações políticas que vêm ocorrendo no país e no mundo desde 1974 foi o crescimento da influência de uma perspectiva social-reformista, nas diversos matizes marxistas, mesmo em os mais revolucionários. Um crescimento tal que permite afirmar que a garantia de uma evolução da situação política atual num sentido favorável aos trabalhadores e da solução a grave e crónica crise por que perpassa o capitalismo passa necessariamente pelo aprofundamento da crítica ao social-reformismo.

Além disso, atualmente, certos segmentos do reformismo e socialrreformismo, de expressão antiga [2], procuram ajustar-se às peculiaridades do momento e apresentam uma formulação cujo parentesco e semelhança com a análise e a proposta regulacionista salta aos olhos. Desde que a crise econômica se precipitou, a partir da metade da década de 1970, observa-se que a plataforma reformista deixou de representar apenas uma receita específica de correntes representativas da pequena e média burguesia e da burocracia estatal e operária sindical-parlamentar, para se incorporar também ao pensamento político de alguns setores do grande capital. 

Numa época marcada, de um lado, pelo ascenso do movimento operário [3] e, de outro, pela dificuldade de emprego, pela reação, da diminuição politico-institucional da sua capacidade de organização (mudança na legislação sindical ou desregulamentação do mercado de trabalho) ou até de métodos puramente repressivos para conter esse movimento (criminalização dos movimentos sociais), além da velha tática de cooptação da lideranças e organizações agora de maneira repaginada, é compreensível essa propensão de parte da grande burguesia a ver no reformismo o ingrediente ideológico mais adequado à defesa do capitalismo e à preservação da hegemonia do capital monopolista sobre o conjunto da sociedade brasileira, tal como acontece na Europa Ocidental.

Esse fenómeno favorece a caracterização que a teoria da regulação enquanto "expressão ideológica de certas frações da burguesia", fato que fica mais evidente quanto se observa que vários ideólogos reformistas da grande burguesia brasileira apresentam um esquema particularmente semelhante às teses da Escola da Regulação.

Suas teses são como que a readaptação do velho liberalismo às condições de hoje, mas, no contexto da discussão da teoria da regulação, apresenta aspectos interessantes. A defesa de uma política social focalizada e compensatória, a exemplo da implantação de programas de renda-mínima, e um discurso de cooperação entre as classes, o "aperfeiçoamento" das instituições da democracia burguesa e promoção de uma política exterior de cooperação e interdependência maior entre as nações.

Caracteriza-se assim a teoria da regulação como:
1) uma estratégia de conciliação de classe; 
2) uma estratégia de luta das potências imperialista da Europa contra excessos da superpotência Estados Unidos; 
3) uma estratégia de luta contra convulsões sociais resultantes de crise económicas ou dos ataques a rede de proteção social que visa impedir tal situação; 
4) uma resposta da necessidade de gerir o sistema económico a fim de evitar o agravamento da crise económica crónica por que passa às potências imperialista, iniciada nos anos de 1970, ou corrigir os seus fatores geradores, na hipótese de reconstituir as bases sócio-políticas e socioeconômicas semelhantes da época anterior (as três gloriosas décadas após a Segunda Guerra); e
5) expressão ideológica da burocracia estatal e sindical e de certas frações das burguesias, dos países europeus ocidentais e dos dependentes que, experimentam um determinado nível de contradições (contudo não-antagônicas) com o capital de operação mundial e o capital financeiro, principais defensores das políticas neoliberais.

O socialrreformismo histórico

A Escola da Regulação não seria adotada oficialmente pela socialdemocracia mas convive hegemonicamente na formação teórica dos técnicos dos partidos social-reformistas europeus ocidentais4 e de seus eventuais governos, consequentemente permeia a lógica dos programas e a forma que se encara o sistema económico, e logo, "como administrá-lo".

A grave crise manifestada principalmente a partir da primeira metade da década de 1970, como resultado à mudança do comportamento dos grupos capitalistas, tanto espontâneo quanto estrategicamente. Como consequência do maior poderio que estes grupos alcançaram e também sua natureza monopolista e transnacional, a reação deles à crescente pressão sindical e política não se traduz mais em novos saltos tecnológicos, que eram características do capitalismo nos cinquenta anos antecedentes, mas numa tentativa de transferência dos novos custos de produção ao Estado e aos trabalhadores - evasão de impostos, com a transferência de fábricas para o exterior, e as demissões, que pelo desemprego comprimem os salários e, também por um lado incham o sistema previdenciário, por outro, derrubam o número e o valor das contribuições.

Os custos sociais se tornam assim um problema coletivo, que repousa nas costas do contribuinte, os trabalhadores assalariados. O índice qualitativo e de grandeza destes custos de produção transferidos ao Estado se expressa no crescimento da despesa pública que vem se acelerando particularmente nestes anos e na inflação.

Diante do novo panorama, a socialdemocracia patina a procura de um enfoque teórico alternativo que legitimasse seu social-reformismo, principalmente a partir da grave ameaça proporcionada pela ascensão da "alternativa neoliberal" na hegemonia do pensamento teórico burguês e uma forte crítica ao Estado planejador e assistencial - e seu forte peso intervencionista e fiscal, já no fim dos anos de 1970-, e o clima de acirramento social e política que tem seu clímax com ascenso do movimento operário, particularmente na Europa mediterrânea (Revolução Portuguesa, redemocratização na Espanha e Grécia e onda de greves e "terrorismo vermelho" na Itália).

A ênfase teórica no marxismo social-reformista europeu ocidental passa a ser a "regulação social", a constituição de compromissos e instituições necessárias para o funcionamento social da economia capitalista, e por sua vez, a "concertação social" em conformidade com as novas formas requeridas pela nova base material da sociedade. Para estabilizar a sociedade com vista a permitir a continuação do desenvolvimento capitalista, tal qual, no período dos 30 anos imediatos após a Segunda Guerra Mundial, que trouxe prosperidade a classe trabalhadora por meio do welfare state. A ideia de retorno à cidadania concedida no período dos "Anos Gloriosos" do pós Segunda Guerra. Concebendo assim, o Estado para (contribuir para, ou) construir um pacto social, sob novas garantias que permitam e contribuam para o "progresso económico e social" - isto é, não comprometam a acumulação do capital.

Entretanto, a crise dos anos 1970 engendrou-se na impossibilidade do sistema de continuar concedendo reformas aos trabalhadores, além do que, a acumulação capitalista entra cada vez mais em contradição com essa possibilidade. Permitindo dizer que, na verdade, o regulacionismo é um social-reformismo sem reformas, o que o próprio programa político derivado dos trabalhos teóricos regulacionistas demonstra.

A socialdemocracia atual é social-liberal, dizem querer um meio-termo entre a socialdemocracia anterior e o neoliberalismo, mas que em verdade são neoliberais "com rosto humano". Aplicam a política do neoliberalismo, dizendo que é preciso reconhecer "a bancarrota do Estado de Bem-Estar Social" tradicional e aceitar as contrarreformas neoliberais, às quais agregam as medidas compensatórias "focalizadas nos pobres". Esse setor retoma velhas bandeiras da socialdemocracia, como a reforma gradual do Estado, o respeito à ordem vigente e a "democracia como valor universal", mas adaptadas ao grau atual de ataque do neoliberalismo. São defensores da ordem mundial imperialista.

Exemplos da política desses setores são os governos da década de 1990, de Tony Blair do LP  (Labour Party) britânico, de Schrõeder do SPD alemão e de Jospin do PSF francês. Ultimamente, incorporaram novas forças como o PT brasileiro, o PSOL e os velhos PCs reciclados tanto no ocidente europeu como no leste, como é o caso da PD na Itália [oriundo da DS (Democratici di Sinistra) antigo PCI italiano] e o Die Linkie (A Esquerda) [o do PDS alemão (Partido do Socialismo Democrático)antigo SED ex-partido único da Alemanha Oriental].

Indubitavelmente, entre todas as teorias revisionistas há um fio condutor, dotar de possibilidade técnica e de justificação teórica para gerenciar a crise do sistema económico e reformar as inconveniências naturais e típicas do capitalismo. 

Apesar de que será a realidade dura dos vários momentos de crise - a dura experiência com a realidade - empurra à ruína da direção política da socialdemocracia e de suas formulações teóricas, embora abra espaço para ser ocupada por uma nova direção. A Escola da Regulação se apresenta como inspiração para a atual visão socialrreformista da realidade predominante na socialdemocracia e nos ex-stalinistas.

Para a Escola da Regulação as relações de produção entre os homens entram na organização das forças produtivas como um meio, como um elemento dessa organização. Quando ao sistema capitalista, momentos que não ocorrem (ou não existem) contradições antagónicas de classe e onde as relações de produção já não contradizem com o desenvolvimento das forças produtivas, consideram que aqui as relações de produção perdem todo o papel independente; as relações de produção não são um fator importante do desenvolvimento (da análise) e, são absorvidas pelas forças produtivas, como a parte é absorvida pelo todo.

A ER, partindo da impressão acertada de que as forças produtivas são mais dinâmicas e revolucionárias no capitalismo, concluem pela negação ou, pelo menos, negligenciam o papel das relações de produção, das relações económicas, sobre as formações sociais económicas. Concluir que um desses aspectos pode ser absorvido pelo outro e transformado em sua parte integrante, significa pecar gravemente contra o marxismo, tal qual, reduzir o problema da Economia Política à tarefa da análise da organização das forças produtivas, deixando de lado as relações de produção, as relações económicas, e separando delas as forças produtivas. Isso significa, contrariando o marxismo, que afirma que toda formação social, incluindo a futura sociedade socialista, tem sua base económica formada pelo conjunto das relações de produção entre os homens.

A ER liquidou as relações de produção como uma esfera mais ou menos à parte, incluindo, em suas análise, o pouco que restou delas na organização das forças produtivas. O marxismo considera que regimes sociais sem sua base económica não existem na face da Terra. Lênin para definir a constituição do socialismo para a Rússia pós-revolução dizia "O comunismo é o Poder soviético mais a eletrificação de todo o país".

Entretanto, a principal tarefa da Economia Política não consiste, para a ER, em estudar as relações de produção entre os homens da sociedade capitalista, mas consiste em estudar (e elaborar) uma teoria científica da organização das forças produtivas na produção social (fordismo, pós-fordismo, etc.), uma a teoria da coordenação política do desenvolvimento da economia nacional (por um "novo keynesianismo", políticas públicas focalizadas, refundação do Estado de Bem-estar social, etc.). 

Esta é a causa precisa de que os componentes da ER frequentemente não se interessam em sua maioria por questões económicas do regime capitalista levantadas pelo marxismo, com exceções principalmente de seus autores fundadores, como a existência de diversas formas de propriedade nessas economias, a circulação mercantil, a lei do valor e outras, considerando-as questões que não fazem mais do que provocar "discussões escolásticas".

Eles declaram sem circunlóquios que em sua Economia Política as discussões quanto ao papel de uma ou outra categoria da economia política capitalista - valor, mercadoria, dinheiro, crédito, etc-, que com frequência assumem entre os marxistas ortodoxos um caráter escolástico, são substituídas por "sensatos" raciocínios sobre as formas da organização das forças produtivas na produção social e sobre a fundamentação técnica dessa organização (produtividade do trabalho, eficiência do toyotismo, padrão de consumo da população, choques tecnológicos, eficiência da política macroeconômica etc), entretanto, precisam de categorias de economia política, que o fazem reelaborando teoricamente as categorias marxistas, quando não inventando outras novas

As causas e os efeitos da crise: a confusão que divide o Marxismo

A teoria marxiana do valor-trabalho penetra profundamente na essência do problema da oferta e da procura, explicando o motivo da superprodução e crise do capitalismo. Estuda até que ponto a oferta depende do trabalho social abstrato utilizado para produzir a mercadoria, como a procura depende da distribuição da propriedade dos meios de produção na sociedade, como esta relação conduz à divisão do trabalho social nos vários setores da produção, etc. As relações de mercado dependem das relações de produção.

A lei do valor tem um significado central para a economia marxista. A lei do valor é a lei econômica fundamental do capitalismo. Sendo que não determina um aspecto isolado ou alguns processos isolados do desenvolvimento da produção capitalista, mas todos os aspectos e todos os processos mais importantes desse desenvolvimento; portanto, determina a fundo a produção capitalista, sua essência. A lei do valor é a lei económica da produção de mercadoria, segundo a qual a troca de mercadorias se efetua de acordo com a quantidade de trabalho socialmente necessário empregado em sua produção. O valor de uma mercadoria é uma categoria social; não é visto, mas é sentido sempre que se troca uma mercadoria.

Valor é uma relação entre duas pessoas, uma relação disfarçada como relação entre coisas. O valor nesse sentido é a síntese transformada das relações de produção na sociedade baseada na produção mercantil. O valor é o trabalho social dos produtores de mercadorias, corporificado na mercadoria. O termo "corporificado" sublinha o fato que o trabalho está incluído na mercadoria, tomou a forma de mercadoria. As proporções em que se permutam as mercadorias servem como a forma de expressão do valor; mostram que a mesma soma de trabalho foi gasta nas mercadorias trocadas, que elas são idênticas em valor, ou melhor, que tendem ou que procuram a tender.

A crise no capitalismo se manifesta de múltiplas maneiras, e consequentemente, múltiplos sintomas, mas com apenas uma única causa, uma contradição causal. Os economistas, e os cientistas sociais em geral, inclusive os marxistas, debruçaram-se sobre as várias "maneiras" que a crise se apresenta, reconhecendo em cada uma delas a verdadeira "causa" da crise. Nisso que se encontra as várias versões de crise analisadas pelos marxistas, porém ontologicamente em Marx e Engels há apenas uma.

A contradição causal esta na disparidade entre os graus de desenvolvimento das forças produtivas com a das relações de produção. A produção social se processa em geral de maneira cada vez mais coletiva com o desenvolvimento do capitalismo, entretanto continua a se processar sem necessidade e sem apropriação coletiva. As perguntas comuns da produção social a todas as formações sociais económicas - "o quê; quem; para que (ou para quem); quando; quanto; onde" - ganham caráter cada vez mais coletivas e tecnificadas (organizada e planejada cientificamente à nível da empresa), porém ficam ainda subjugadas às relações burguesas: a propriedade privada (a distribuição capitalista da produção e o mercado anárquico) e as fronteiras nacionais (o limite do mercado interno e das instituições político-estatais nacionais), quer dizer, continuam individuais, com caráter individual.

Para Marx, a produção capitalista, em função das contradições que gravam o seu desenvolvimento, estaria fadada a conviver com frequentes crises, que se manifestariam nas formas de superprodução, tendência à queda da taxa de lucro e superacumulação de capital.

As divergências entre as explicações marxistas com da economia tradicional, sobre as crises económicas do capitalismo, requer também análises sobre a construção de seus sistemas teóricos. Apreender o primeiro atribui como causas das crises aquelas contradições que serão posteriormente analisadas, sob as quais se desenvolveria esse modo de produção, e, o segundo, aludida a desarmonia nos mecanismos de equilíbrio geral ou a insuficiência de investimentos por parte dos empreendedores capitalistas.

A crise económica origina-se no "salto mortal" (não que seja causada), na transição da mercadoria entre a esfera da produção para a esfera da circulação, a realização da produção. É onde no circuito de valorização do capital ocorrem as crises, a ruptura entre as esferas e a consequente não realização do capital, caso não ocorra segundo sua taxa média de lucros esperada.

A existência do "salto mortal" deve-se, no conjunto de formações mercantis, e em particular no capitalismo (a sociedade mercantil mais avançada), a "alienação do trabalho", no sentido marxista de que, o produto não é apropriado pelos produtores e só se sociabiliza por meio das trocas, mediadas pela moeda, o que chamamos de dicotomia mercantil-monetária.

A taxa média de lucro esperada refere-se ao montante de lucro em taxa, dentro de um tempo determinado para obtenção dessa taxa. A não realização da mercadoria traduz-se na queda na taxa média de lucro. Um problema entre a produção e uma dicotomia temporal com a realização do capital produzido a seu valor esperado, o que chamamos de tempo de rotação de capital, que é verificado em taxa.

O tempo de rotação é o período total em que o capital leva para se valorizar, de constituir-se desde capital fixo até chegar a ser oferecido no mercado, é o tempo para circulação do capital a fim de valorizar-se e acumular. O capitalista resolve o problema da taxa de rotação aumentando a composição orgânica do capital, mas quanto maior a composição de capital maior a taxa de rotação, obrigando a fazer mais uma rodada de aumento da composição ou expandindo o mercado para o capital. Por outro, o aumento da composição orgânica implica em queda da taxa de lucro e/ou que o montante de mercadorias produzidas, por este aumento da composição orgânica, seja acima da capacidade de absorção pelo mercado, que para realizar-se implica obter lucros menores, isto é, a uma taxa de lucro menor que a esperada.

A Crise é o resultado do ajuste espontâneo (não intencional pelos sujeitos sociais) de uma contradição no processo de acumulação e desenvolvimento do modo de produção capitalista, isto é, no processo de valorização do capital. O problema da crise é suas marcas (efeitos sociais destrutivos).

As Crises são percebidas pelas diferentes "maneiras" que se apresentam, que por sua vez, dependem da ação de determinada das varias contratendências existentes. Pode manifestar-se por uma dificuldade de realização tanto por desproporção departamental ou subconsumo ou por liquidação tendencial da taxa de lucro pelo aumento da composição orgânica do capital. 

Uma contratendência age sobre os efeitos da tendência a crise, a tendência ao rebaixamento da taxa de lucros, isto é, a tendência que a taxa de lucro corresponda menor que a taxa de lucro esperada. Agindo contrário a queda e/ou facilitando a correspondência da taxa de lucro com a taxa esperada. Operando no sentido contrário à tendência à crise, diminuindo o conteúdo contraditório do processo de acumulação, mesmo que momentaneamente. Então, qual manifestação da crise se apresentará deve-se a qual das contratendências chegou ao limite físico ou não pôde ser utilizado.

Embora não se estendendo muito sobre o assunto, Marx percebe que, na crise e depressão do capitalismo, a destruição de capital é inevitável, e age como principal contratendência a tendência à queda dos lucros.

Em condições de concorrência dos capitais livre (laissez-faire), de não interferência do Estado, isso acontece de forma dolorosa, acirrando a luta intercapitalista pela definição dos perdedores e disseminação da miséria, e consequente revolta da classe trabalhadora, os mais penalizados. A eliminação do capital excedente impõe a volta à escassez do capital global; que, levaria a realização enfim da produção a taxa média de lucro efetivo, e novo período de crescimento. No desemprego o capital fixo seria exaurido pelo seu uso, depreciação e obsolescência, os estoques involuntários de mercadorias, pela velocidade de sua exaustão e desemprego involuntário pela redução dos salários reais.

A lei do valor constitui o mecanismo que regula a divisão e o desenvolvimento do trabalho social nos vários setores da economia nacional, e é decisiva para que os preços sejam proporcionais, em primeira aproximação ao valor das mercadorias, isto é, a quantidade de trabalho social necessário para produzi-las.

Alguns capitalistas vendem suas mercadorias a preços mais altos do que o valor delas, outros a preços abaixo do valor, mas todos os capitalistas em conjunto recebem o valor integral de suas mercadorias, e os lucros de toda a classe capitalista coincidem com a massa total de mais-valia produzida na sociedade. Na escala de toda a sociedade, a soma dos preços de produção é igual a soma dos valores das mercadorias, e a massa de lucro é igual à massa de mais-valia. Desse modo, a lei do valor opera por meio dos preços de produção.

Sem dúvida, a restrição quantitativa da propriedade privada (centralização e concentração nas corporações transnacionais e a intervenção estatal) sobre os meios de produção e a socialização do trabalho (mecanização, integração e tecnificação) tanto na cidade como no campo, altera a ação regulatória da lei do valor na determinação da produção.

Contraditoriamente, sem a transformação qualitativa da propriedade privada, - com a socialização (jurídico-econômica e político-econômica) da propriedade dos meios de produção, tal qual a socialização do trabalho (forças produtivas com caráter social), que será intensificada - a lei do valor continua a operar, à medida que as relações de troca (o mercado capitalista) permanecem, este divórcio provoca uma regulação onde correspondência entre o valor (preços de produção) e os preços de mercado são cada vez mais instáveis e com taxa de lucro tendendo cada vez menor que a taxa esperada.

Isto, precisamente, explica o "assombroso" fato de que, apesar do desenvolvimento ininterrupto e impetuoso da produção no capitalismo contemporâneo, cada vez mais, os baixos ritmos de aumento da produção nesses países (aumentos medíocres ou em breves períodos), as crises periódicas de superprodução. Pois os aspectos estabilizadores da lei do valor na produção capitalista ("lei da concorrência" que conduz a convergência de valores pela competição, isto é, da taxa de lucro, entre capitais) que se baseia o desenvolvimento harmonioso da economia nacional e entre os países tornaram-se restringidos pela ação da monopolização e da interferência estatal, e os aspectos relacionados à desestabilização, ligados à decomposição do próprio mercado, reforçam-se.

Os capitalistas seriam tão mais coerentes com os seus objetivos, quanto mais ávidos fossem pela extração de mais-valia no processo imediato da produção. Não levariam em conta, porém, que a concretização da valorização do capital, através do lucro, sofreria limitações impostas pelas próprias relações sociais de produção, que teriam justificado a existência da parcela de trabalho não pago da jornada de trabalho de seus assalariados. Como agravante, ter-se-ia que esse comportamento estaria incluído num processo de produção que se orientaria como quem busca desenvolver de modo absoluto as forças produtivas. Daí a tendência a se deflagrar a superprodução de mercadorias (meios de produção e de subsistência); não relativamente às necessidades da população, mas sim às possibilidades de utilização e/ou capacidade de produzir excedente, para fins de expansão do capital.

Funcionando desse modo, na medida em que fosse se desenvolvendo, o processo de valorização e acumulação de capital tenderia a ir aguçando a sua contradição básica, fazendo o sistema produtivo convergir para uma situação de crise. A não-realização da mais-valia chegaria a assumir tal proporção, a ponto de se tornar altamente incompatível com os objetivos de valorização do capital. "As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito" (O Capital, L. 3, v.4, p. 281).

Além do mais, Marx, como se sabe, não se dedicou apenas à explicação teórica das leis causais5 que regem (regulam) a produção capitalista em determinado tempo e espaço, mas também, das leis (tendências, mecanismos e explicações) que seriam responsáveis pela transformação, através da história, desse modo de produção.

No desenvolvimento histórico do processo de produção capitalista, iriam se evidenciando as contradições que marcariam a busca de que se atinja o seu objetivo de valorização e acumulação. Com os meios utilizados para atingi-lo (a exploração e o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho), desenvolver-se-iam, também, progressivamente, por um lado, a concentração e a centralização do capital (a restrição numérica da burguesia e do espaço de ação do mercado), a financeirização da economia, por outro lado, a socialização do trabalho e a coletivização dos meios de produção6, e ainda, a ampliação continuada do proletariado e sua miserabilização e a ampliação das relações sociais capitalistas, com a mundialização da produção e restrição de áreas e setores com possibilidade de lucros extraordinários.

Esse processo, na sua convergência, após um caminhar traumático pelo tempo, findaria por consolidar a total incompatibilidade do regime capitalista com a realidade, ocasionando a sua superação, assim ocorrida através da sua autonegação. As crises constituir-se-iam nas manifestações mais eloquentes da atuação das leis explicativas dessa transformação. Os fenômenos da Crise e sua recorrência de tempo em tempos (seu caráter cíclico) parte desse processo dinâmico.

4- LIMITE DO CAPITAL, CONTRADIÇÃO E SUPERAÇÃO HISTÓRICA DA CRISE

A fundamentação marxista aponta para a superação do capitalismo e o advento de uma sociedade onde, à base da posse comum dos meios de produção, os homens livremente associados produziriam, de modo planejado, as condições de suas vidas. Tais conclusões têm por base o argumento de que produção capitalista se desenvolveria aguçando as suas contradições, sem contar com nenhum organismo institucional especializado na regulação da sua vida económica, buscando amenizar os seus efeitos danosos. Por isso, a evolução do capitalismo de livre-concorrência ao monopolista faria parte do andamento lógico desse processo de superação.

À medida que diminui o número dos magnatas capitalistas que usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumentam a miséria, a opressão, a escravização, a degradação, a exploração; mas cresce também a revolta da classe trabalhadora, cada vez mais numerosa, disciplinada, unida e organizada pelo mecanismo do próprio processo capitalista de produção. O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. (MARX. O Capital, L. 1, V.2, p. 881)

A recorrência da crise económica que impregna a "Globalização" e o "pós-fordismo", isto é, a etapa atual de transnacionalização do capitalismo monopolista, demonstra que o atual desenvolvimento das forças produtivas não permite que o valor, cada vez mais, seja produzido e acumulado estavelmente, que, com a aplicação por um lado da robótica e da micro- eletrônica, e por outro, da mundialização e financeirização da produção, tendem a "tumultuar" o processo produtivo. Portanto, a moeda e a mercadoria começam a perder seu fundamento, fica "sem pé nem cabeça" e a crise se agrava ininterruptamente. Doravante, acelera-se ainda  mais um caráter do capitalismo, que a sobrevivência do capital é sua autofagia, sua autodestruição - ele já não pode dar um passo sem tropeçar nas próprias pernas. 

Desse modo, a luta pela abolição revolucionária da exploração do trabalho, da apropriação do trabalho pelo capital, hoje uma necessidade óbvia, não pode mais ser acusada de utópica, uma vez que o capitalismo mal sobrevive à lembrança espectral dos "tempos prósperos". No atual estado de coisas, toda reforma é simples maquiagem da crise do capital.

É o próprio capitalismo que torna sua condição de possibilidade, o trabalho assalariado e as demais modalidades de capital, impossível. Portanto, a revolução social socialista é a única perspectiva, além de humanista, realista e necessária. Trata-se, nada mais nada menos, de o ser humano se autoinstituir como única medida de todas as coisas, abolindo a moeda, a mercadoria, a propriedade e o Estado. 

Trata-se, pois, de efetivar a comunidade humana mundial, na qual as forças produtivas disponíveis serão direcionadas para realizar concretamente os seres humanos em suas atividades, como tais: poesia, gozo, arte, inseparáveis entre si e da vida como um todo. A economia e a política serão extintas, juntamente com as demais esferas separadas, alienadas e especializadas, com a destruição do Estado e a supressão do capital. A essência humana será a comunidade dos indivíduos livremente associados, na cotidiana atividade de transformação das circunstâncias e de si mesmos, atividade que enfim lhes permitirá tornarem-se seres humanos, com e para os outros.

Há em todo o social-reformismo uma coerência na demonstração que o capitalismo se mantém e manterá estável ou que há possibilidade de sua perpetualidade, e tentar tecnicamente, isto é, no plano da economia política, justificar tal concepção, possível por sua interpretação economicista da teoria marxiana. 

O revisionismo tenta demonstrar que a dinâmica do capitalismo dá-se estável ou cadenciada, sem margem para crises endógenas, apoiando acertadamente na conclusão de Marx que "o limite do capital é o próprio capital", e quanto a possibilidade de manifestação das crises há no próprio capitalismo mecanismos que o contrabalançariam [7] ou que permitiriam conciliar os interesses dos trabalhadores e capitalistas, e que caberiam aos primeiros, de ante da não inevitabilidade da ruína do capitalismo ou da dificuldade de fazer cumprir o "prognóstico" de Marx, aplicá-los a fim de minimizar os prejuízos e de maneira a que possam atender aos trabalhadores.

Entretanto, com o regulacionismo há uma mudança, o centro do social-reformismo, a crítica a problemática marxiana da crise - sua origem (causa), o papel para o capitalismo e para o movimento revolucionário socialista -, passa da possibilidade de perpetuação e estabilidade do capitalismo, apesar de períodos em contrários, para as possibilidades de mutabilidade e dos mecanismos internos de manutenção do sistema, que garantem a sobrevivência tardia do capital.

O princípio fundamental do economicismo, e seu maior erro, é a ideia do crescimento e da socialização neutros das forças produtivas no interior do invólucro das relações capitalistas de produção. Segundo tal concepção, estas forças produtivas intimamente "socialistas" são a base objetiva da sociedade futura e tornam possível e legítima (conforme as variantes) a transformação gradual ou a eliminação revolucionária do invólucro jurídico-formal das relações de produção. As forças produtivas são, portanto, o sujeito profundo do movimento histórico, a classe e o partido são a sua expressão consciente.

A necessária crítica dessa ideologia burguesa, enraizada no marxismo vulgar, não pode limitar-se a restituir o desenvolvimento das forças produtivas pelo desenvolvimento do movimento das classes como sujeito da história. Ao se sustentar - e justamente - que as relações de produção não têm uma existência meramente jurídico-formal, que elas transformam internamente as forças produtivas, aceita pelos regulacionistas em sua exaltação do movimento operário, exaltação que, entre outras coisas, não só esquece o "componente" intimamente capitalista do movimento, mas também a existência da burguesia como classe, a sua capacidade hegemónica e coercitiva. Isso que os regulacionistas evitam é exatamente o problema do nexo entre reprodução e revolução.

A iniciativa proletária a é necessariamente - por um lado - interna ao mecanismo da acumulação. A luta na reprodução deve, portanto, ser transformada em luta pela revolução, devendo o proletariado constituir-se em sujeito revolucionário, e isto só pode ocorrer na forma de um rompimento com a sua existência imediata como classe operária. Imediatamente, a classe operária produz ideologias burguesas (de forma específica) e ideologias tendencialmente comunistas: o discurso revolucionário não pode, assim, limitar-se - como quer o revisionismo - a sistematizar a ideologia da classe, mas só pode fazê-lo depois de ter distinguido os seus diversos aspectos: disso também decorre a necessidade da separação de princípio entre classe e partido.

Uma das principais acusações dirigidas pelo marxismo vulgar ao marxismo ortodoxo é a de haver cultivado a ilusão de poder transformar as relações de produção através de uma nova forma de poder político. Tal ilusão já estaria presente no ato da tomada do poder, representando, assim, um ulterior elemento de continuidade entre a primeira experiência revolucionária e aquela stalinista.

Vêm-se expressa, como efetivamente ocorre, sem os devidos esclarecimentos, esta tese reproduz uma ideia largamente difundida na "nova esquerda" europeia, ou seja, a afirmação tautológica segundo a qual a revolução - que é, substancialmente, transformação das relações sociais - deve realizar-se como processo social antes, e depois como processo político. Eis de novo em funcionamento o dispositivo de inversão: o politicismo, consequência natural do economicismo, está sem dúvida presente na ideologia do marxismo ortodoxo, mas a necessidade da conquista do poder político de Estado como ato de abertura da transição é alguma coisa que decorre, de novo, de uma consideração nem economicista, nem subjetivista, do funcionamento do capitalismo.

De fato, a crise do capital - como forma de reprodução conflituosa da relação capitalista - gera ao mesmo tempo a tendência para uma nova organização da exploração e a possibilidade, sob determinadas condições, de uma ruptura revolucionária. Mas, nessa crise, não amadurecem os elementos já ativos de um novo modo de produção, nem como resultados do desenvolvimento das forças produtivas, nem como efeitos da luta de classes, do crescimento do "contrapoder" ou da "vontade socialista" do proletariado. O que se modifica é, antes, uma determinada correlação de forças entre as classes nas "instâncias" ideológica e política, que pode permitir a conquista do poder de Estado e o início da transição. 

A revolução "política" é, portanto, efeito da mudança "social", mas essa mudança não diz respeito, imediatamente, às relações de produção, que estão materialmente inscritas nos "papéis" técnicos da divisão capitalista do trabalho. Somente quem reduz as relações de produção a relações ideológicas - e o marxismo vulgar tende constantemente a fazê-lo e, em verdade, frequentemente tendem a se desenvolver desigualmente - pode crer que a transição para um novo modo de produção tem início muito antes da conquista do poder.

Chega-se assim à segunda conclusão: É bem evidente que a vitalidade do capitalismo depende também da sua capacidade, não apenas de reprimir a luta operária, mas também, de absorvê-la, fazendo-a se tornar um elemento da sua reprodução. Esse processo se dá por concessões econômicas e políticas as massas populares (particularmente a alguns setores do operariado e das classes médias assalariadas) em momentos muito específicos da história, a compra das lideranças políticas proletárias e o iludimento aos intelectuais da classe em base a expectativas otimistas sobre o sistema. 

Esses dois últimos permitem concluirmos que o pensamento socialrreformista tem origem nessa absorção social pelo capital das lideranças políticas e intelectuais do proletariado: esse mesmo fenómeno sobre o marxismo dá origem ao revisionismo, que por sua vez, deu garantia de continuidade ao próprio capital.

Menos evidente é o fato de que a mesma coisa possa ocorrer também quando a luta operária alcança o seu cume, e se transforma em revolução proletária. Quando consegue vencer uma tentativa revolucionária inicialmente eficaz, o capitalismo não pode reapresentar-se com as vestes clássicas da "livre concorrência" ou da "economia mista". Apoiando-se em tentativas parciais de planificação e nas estruturas estatais que dela derivam, o capitalismo só pode apresentar como capitalismo de Estado, como domínio aparentemente "político" e "arbitrário" do capital total sobre as suas frações individuais. 

Tal qual, não há capitalismo sem Estado, e a concorrência entre os capitalistas para o mercado está sempre intimamente ligada à luta para o controle da administração estatal, a exemplo da penalização de um setor do capital sobre outro (ou sobre os trabalhadores) - quem será protegido ou assistido, sofrerá intervenção ou coordenação.

Exatamente por isso, as revoluções proletárias do século XX, consideradas do ponto de vista de seu resultado, foram apenas um momento da transformação do capitalismo em 'capitalismo de Estado', sob a batuta do stalinismo ou da socialdemocracia, consistindo não mais que uma convergência artificial e parcial, isto é, não definitiva, do caráter das relações de produção com o caráter das forças produtivas.

O stalinismo e a socialdemocracia implantaram apenas um "capitalismo de Estado", respectivamente, com uma estatização maior (quase, mais não total, e que não quer dizer socialização) ou menor da economia, permitindo a manutenção das relações económicas capitalistas em seu interior e um controle burocrático estatal da administração da produção, consistindo assim, num freio a necessária revolução econômico-social (a expropriação total da burguesia) e, seus desdobramentos óbvios, a gestão democrática operário da produção, a socialização geral do trabalho abstraio e a planificação e integração mundial da economia.

Pelo lado stalinista foi consequência da degeneração do regime político (de uma ditadura revolucionária do proletariado para uma ditadura burocrática do proletariado) resultado do poder que adquiriu a burocracia sobre a economia, consequência explicada pelo atraso económico dos primeiros países que implantaram o Estado Proletário, o isolamento pela derrota ou aposta na desnecessidade da revolução mundial e o uso do capitalismo de Estado, como uma tática equivocada de transição económica, com o objetivo de assegurar a manutenção da situação imediata após a revolução por parte da burocracia partidária, estatal e das empresas e do apoio social dado pela pequena e média burguesia sobrevivente.

E, pelo lado socialdemocrata, foi consequência do consciente ato de impedir ou revogar a deflagração da revolução político-social, impedindo assim a transformação da forma do Estado burguês para o proletário (único que permite um regime político - a democracia operária revolucionária (ditadura revolucionária do proletariado) - que requeira a revolução econômica-social) e a socialização dos meios de produção, um claro reflexo da sua base social, a pequena burguesia e as burocracias empresarial, estatal e sindical, francamente dependentes do capitalismo moderno, e, não menos importante, da influência da grande burguesia. Em outras palavras, todas foram revoluções interrompidas.

A não superação do capitalismo nessas sociedades as manteve abertas às crises, num sentido de não apenas ser superada mas estendida.

É precisamente esta importante mudança na relação entre produção e consumo que habilita o capital a se livrar, por enquanto, dos colapsos espetaculares do passado, como a dramática queda de Wall Street em 1929. Por esta via, no entanto, as crises do capitai não são radicalmente superadas em nenhum sentido, mas meramente "estendidas", tanto no sentido temporal como em sua localização estrutural na ordenação geral. É preciso admitir que enquanto a relação atual entre os interesses dominantes e o Estado capitalista prevalecer e impuser com sucesso suas demandas à sociedade não haverá grandes tempestades a intervalos razoavelmente distantes, mas precipitações de frequência e intensidade crescentes por todos os lugares.

Por outro lado, permitiu o reaparecimento de antagonismos do capital com o limite do Estado Nacional, tal como o transbordamento e expansão do mercado para o exterior, e principalmente com o gerenciamento pelo Estado, por fim, o fim ou diminuição dos mecanismos de welfare state das formações capitalistas, a privatização e a liberalização internacional financeira e comercial e na própria restauração do capitalismo nas formações sociais do "Leste".

Assim, a conclusão do marxismo ortodoxo, que as novas relações de propriedade estabelecidas pela revolução estão vinculadas indissoluvelmente ao caráter do Estado, tornam-se mais relevantes. No caso de uma revolução socialista, o predomínio de tendências socialistas estaria assim assegurado não por um desenvolvimento automático da economia e sim pelo poder político da Ditadura do Proletariado. "O caráter da economia, como um todo, depende, pois, do caráter do poder estatal", concluirá Trotsky em A Revolução Traída (2001). 

E contrariando os argumentos economicistas próprios do marxismo vulgar define a política como o fator decisivo da economia soviética: "A política é a economia concentrada. Na presente etapa, a questão económica da República Soviética resolve-se mais do que nunca do ponto de vista da política" (TROSTKY. A Revolução Desfigurada), ou como Lênin, dizia, "socialismo é eletrificação de toda a Rússia mais Poder Soviético".

A crise do modo de produção capitalista se resolve do ponto de vista da política, da tomada do Estado pelo proletariado, isto é, a constituição da Ditadura do Proletariado, que se efetuará pela ação direta das massas proletárias em liderança do setor consciente da necessidade de transformação, a vanguarda revolucionária (o Partido Revolucionário), que dará inicio a implantação da sociedade de transição ao comunismo por medidas político-econômicos e político-jurídicos que mudem as relações de propriedade dos meios de produção. 

Para tal empreendimento, ainda mais na época atual, pressupõe a defesa dos princípios da teoria marxista e do seu método, como da atualização de seu programa político, em suma, a necessidade da defesa do Marxismo. A defesa da ortodoxia frente ao ecletismo revisionista, como de sua nova versão, o regulacionismo, como por outro lado, de qualquer dogmatismo - defesa esta feita pela própria capacidade explicativa do marxismo. A crise é um ajuste traumático e espontâneo sobre a contradição básica do desenvolvimento do capital deste sobre a sociedade, que permite apenas uma readequação temporária das condições de acumulação, como das estruturas que condicionam a apropriação do capital. Readequando parcialmente as relações de produção ao caráter social das forças produtivas.

Nesse sentido, as reformas se limitam a ser nada mais que intervenções conscientes sobre o ajuste a fim de facilitar a convergência, minimizando os efeitos traumáticos de um ajuste espontâneo, entretanto ao não agir a fundo acaba retroalimentar a tendência a crise. Se o limite do capital encontra-se no próprio capital, a capacidade de resolver sua limitação, quer dizer, sua crise, conclui-se então, residir no seu polo oposto, o trabalho.

A solução da crise passa pela superação do modo de produção capitalista, superação que se dá pela ação consciente da classe trabalhadora, quando esta supera sua consciência capitalista. Assim do ponto de vista teórico a controvérsia marxista da Economia Política (principalmente, as crises cíclicas e estruturais, a transformação nas formas do capital e a regulação da produção) não são resolvido pelo seu estudo independente, quer dizer nela própria, mas conjuntamente com as análises da teoria marxista da História e esta pela teoria da Revolução, e num círculo virtuoso, na teoria da Economia Política.

Assim, resgata-se a capacidade de explicação do pensamento marxista frente às crises e às transformações estruturais do sistema capitalista, descortinando, em consequência, seu processo de regulação. Conclui-se afirmando que os preceitos da teoria iniciada por K. Marx e F. Engels, centrais na interpretação da realidade e as contribuições do pensamento marxista ortodoxo continuam vigente enquanto referencial teórico indispensável daqueles que verdadeiramente querem transformar a sociedade.

BIBLIOGRAFIA
  • BIANCHI, Álvaro. “O primado da política: revolução permanente e transição”. In: Outubro (Revista do Instituto de Estudos Socialistas)no 5, 2001
  • _____________ Programa de transição (apêndice: teses da revolução permanente). 3ª edição. São Paulo: Publicações da Liga Bolchevique Internacionalista, 2003
  • LENIN. Últimos escritos e diário das secretárias
  • MORENO, Nahuel. As revoluções do século XX. Brasília: Câmara dos Deputados, 1989
  • _______________. Teses para a atualização do programa de transição. São Paulo: CS Editora, 1992
  • ______________ Escuela de Cuadros – Argentina 1984: Crítica a las tesis de la Revolución Permanente de Trotsky y Teoría de la revolución (http://www.marx.org/espanol/moreno/1980s/1984esc/index.htm) (acessado em maio de 2007)
  • NOVACK, George. A lei do desenvolvimento desigual e combinado da sociedade. Rabisco, 1988.
  • PREOBRAJENSKY, Eugênio. A nova econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
  • RODRIGUES, Leôncio Martins. “Preobrajensky e a “Nova Econômica””. In: A nova econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
  • STALIN, Problemas Econômicos do Socialismo Na URSS
  • TROTSKY A Revolução Traída.
  • TROSTKY. A Revolução Desfigurada.
  • TROTSKY, Leon. A revolução permanente. São Paulo: Kairós, 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário