segunda-feira, 11 de maio de 2020

Marxismo, crise capitalista e princípio da demanda efetiva

É possível, ainda no marcos do capitalismo, haver espaço para correções e diminuir ou encerrar uma crise? E como isso é impossível de ser utilizado recorrente e permanentemente?

por Almir Cezar Filho

A Capitalismo volta e meia apresenta-se em crise. O impacto da pandemia de covid-19 provocada pelo novo coronavírus apenas acelerou e intensificou uma queda iminente, e não causou a recessão. O que chama a atenção que as causas e os receituários para presente crise são as mesmas da de cem e 90 anos atrás.

Triunfo do pensamento marxista, a  Revolução Russa de 1917, ainda no seu berço se viu com duplo problema de crise econômica e pandemia (Gripe Espanhola, em 1918/19), mas com isso, legou um salto na Teoria Econômica, absorvido até mesmo pela escolas mainstream da Economia, nem que seja em conta-gotas e parcialmente. O ineditismo e o preconceito antimarxista e antissocialista fizeram com que fossem rejeitados, boicotados ou negligenciados. Porém, inúmeros desses mesmos avanços teóricos  por conexão direta ou não, nasceram de "novo" na Europa Ocidental e América do Norte, na década seguinte (1930s), e permitiram a burguesia e a burocracia estatal tentar mitigar e pôr fim a crise que o mundo novamente havia mergulhado após o Crash de 1929 e a Grande Depressão. Mas apenas reeditando o que de maneira vanguardista havia surgido originalmente na URSS.

Uma das polêmica é a validade do princípio da demanda efetiva e a sua conexão com a crise capitalista. E com ela, a capacidade do Estado, especialmente o Estado burguês, de encerrar uma crise capitalista, por meio do gasto público, do volume de crédito e do comando estatal parcial ou amplo sobre os investimentos e produção, ao menos temporariamente, pelo potencial dado pela identificação científica das causas, efeitos, manifestações e conexões promotoras da crise. 

O Marxismo encara o princípio da demanda efetiva, porém, não há unanimidade entre os autores marxistas quanto à teoria do princípio da demanda efetiva. Uma das críticas internas no Marxismo é que os autores que trabalham com o princípio da demanda efetiva acabam por ter problemas na identificação da causa das crises do capitalismo, apresentando explicações em termos de subconsumo (nível de consumo agregado abaixo do nível de realização do produto) ou de subinvestimento (nível de investimento abaixo do nível de realização do produto). 

O que contradiria vários elementos centrais da teoria marxista, que aponta esses dois aspectos como dificuldades inerentes ao capitalismo para realizar a mais-valia produzida - o chamado problema da realização ou o 'problema dos mercados", o qual não seria a real causa das crises mas apenas a sua principal manifestação.

Mas o uso teórico do princípio da demanda efetiva não pode ser encarado por si só como "keynesianismo". Se Keynes (1936), que seguira a Economia Política Clássica, desenvolve uma explicação sobre flutuações e ciclos econômicos em termos de princípio da demanda efetiva, muitos das elaborações teóricas e esquemáticas de Marx, também podem ser lidas, mesmo que de maneira não explícita, como desenrolar desse princípio. Ainda pela via marxiana, Michael Kalecki, em 1933, que seguira a pista dada por Rosa Luxemburgo, publica o primeiro artigo acadêmica que esse princípio é explicitamente definido e esquematizado.

Anos antes, ainda na década de 1920, antecipando-se a esses autores, há a produção teórica do economista e revolucionário soviético E. A. Preobrazhenski (1885-1938), pai do planejamento soviético e líder junto a Trotsky da Oposição de Esquerda. 

Preobrazhenski ao seu tempo foi o elaborador do Comunismo de Guerra e um dos primeiros a apontar-lhe problemas e as limitações. Liderou os economistas soviéticos no decênio de 1920-1930 e desenvolveu um plano para a industrialização do país. 

Também foi o responsável pelos primeiros escritos marxistas em diversas áreas, entre elas, a economia agrária e camponesa, a teoria do desenvolvimento econômico capitalista, a regulação econômica e a transição ao socialismo, especialmente em países subdesenvolvidos, como era o caso da Rússia após a revolução de 1917.


O que é "demanda efetiva"?

Antes de prosseguir, faz-se necessário explicar o que é "demanda efetiva" e o "princípio da demanda efetiva". 

A Demanda Efetiva, em sentido amplo, é a parte da demanda agregada que de fato se realiza na aquisição de bens e serviços, e não a procura potencial por esses bens ou serviços. Em outros termos, considerando uma economia de mercado, é a demanda de bens e serviços para a qual existe capacidade de pagamento, ou seja, a demanda solvável.

Por muitas, muita décadas, a Economia (a Ciência Econômica) fala em havia dois polos, duas esferas econômicas: o lado da oferta e o lado da demanda. E o preço era o ponto de conexão, convergência, de equilíbrio entre ambos os "lados". A moeda era o meio neutro de se operar esse trânsito entre um lado e outro. Tanto como consumo (seja privado e público, seja para satisfazer uma necessidade imediata), tanto como investimento (para produzir outra mercadoria). O conjunto eram respectivamente chamados de Oferta Agregada e de Demanda Agregada.

Ao contrário do que pensava (e ainda pensa), um amplo espectro pensamento econômico burguês, acontece desequilíbrios na economia, não necessariamente nem mesmo por catástrofes naturais. Há ainda o que se chama de Demanda Efetiva, a parte da demanda agregada que de fato se realiza em aquisição de bens e serviços, isto é, nem toda a demanda, ou nem todo o potencial de demanda se converte em demanda efetivada (ou mesmo efetivável). Nem toda demanda se efetiva, ao menos instantaneamente. 

Os sujeitos (indivíduos, famílias, empresas ou Estado) mesmo desejando ou necessitando adquirir determinada uma mercadoria podem adiar ou desistir da aquisição, pois não tem renda suficiente no momento, não tem os meios de pagamento, ou diante de uma incerteza simplesmente adiam, e nesse caso, entesouram os recursos que seriam canalizados à compra. 

Há ainda a Oferta Efetiva? Sim, mas essa é chamada em sim de Produção ou Produto Agregado. A capacidade de oferta agregada não efetiva é chamada de Produto Potencial.

Dessa maneira, são frequentes na economia capitalista um descasamento, quantitativo e/ou temporal, entre oferta agregada e demanda agregada. Nem sempre a economia opera em pleno Produto Potencial. E esse nível é a demanda efetiva.  Por sua vez, a sucessiva demanda efetiva, tanto de consumo, quanto de investimento (consumo produtivo), vai constituindo o Produto Potencial. Assim, o nível de demanda efetiva da economia é o patamar que determina o nível de produto agregado (e de renda), no que se convencionou chamar de princípio da demanda efetiva. Os desequilíbrios entre setores, a variação no lucro, até mesmo de preço seriam ditados pelo princípio da demanda efetiva.

O princípio da demanda efetiva é o ponto de partida para fundamento da chamada Escola Keynesiana. Deve ser destacado que, segundo John Maynard Keynes, numa economia monetária, quando se recebe dinheiro em pagamentos, sempre existe uma defasagem temporal até o dinheiro ser gasto. 

Argumenta que, se toda receita fosse gasta instantaneamente, a demanda por moeda se reduziria a zero, logo a moeda perderia todo seu valor e não existiria. E a moeda existe porque o mundo real é incerto, logo os agentes possuem demanda por encaixes para lidar com a incerteza do futuro. Se o futuro não fosse incerto, o que implica que todos agentes tivessem conhecimento perfeito, todas as transações seriam realizadas no tempo zero, e a demanda por moeda tenderia a zero.

Evgueni Preobrazhenski

E. A. Preobrazhnski ao longo de suas obras sempre recorreu em sua análise aos esquemas de reprodução, desenvolvidos como modelo por Marx para explicar o funcionamento da acumulação e circulação do capital entre setores da economia. Porém, introduz nos modelos matemáticos dos esquemas de reprodução os ciclos industriais, a economia artesanal, o oligopólio e a economia mista. O que permitiu observar simultaneamente no modelo as possibilidades de desequilíbrio intersetorial, de crise de realização e de causa e manifestação da tendência de longo prazo à queda da taxa de lucro.

Investigando com base as elaborações apresentadas por Karl Marx no próprio O Capital sobre as causas da crise capitalista e suas formas de manifestação, procurou analisar as tendências recorrentes, cíclicas, crônicas e crescentes de crise do sistema capitalista. Como também identificar e entender o porque do caráter progressivamente mais crítico que ganha essa sistema à medida que avança no capitalismo a configuração monopolística (monopólio).

Dessa maneira Preobrajenski, resgatando a pista dada por Rosa Luxemburgo e antecipando-se a autores, que pela via marxiana, como Michael Kalecki (1933), ou da Economia Política Clássica, como Keynes (1936), desenvolve uma explicação sobre flutuações e ciclos econômicos em termos de princípio da demanda efetiva, como pode ser visto em seus artigos da década de 1920 e livros como A Nova Econômica (1926), em especial em O Declínio do Capitalismo, de 1931. 

Sem cair nos problemas da identificação da causa das crise no capitalismo em explicações ligadas ao subconsumismo ou subinvestimento, que tantos autores marxistas criticam no sistema de pensamento kaleckiano-keynesiano.

Em suas várias obras ao longo dos anos 1920, Preobrazhenski incorporou metodologicamente em suas análises os esquemas de reprodução capitalista - desenvolvidos ainda por Marx como modelo matemáticos  para explicar o funcionamento da acumulação e circulação do capital entre setores da economia - porém, introduz nos modelos os ciclos industriais, a economia artesanal, o oligopólio, a economia mista contemporânea formado pelo desenvolvimento capitalista tardio. 

Assim, conseguiu observar no modelo, simultaneamente, as possibilidades de desequilíbrio intersetorial e de crise de realização, como também, a manifestação da tendência de longo prazo à queda da taxa de lucro e identificar a causa primária das crise na contradição crescente no desenvolvimento do caráter social das forças produtivas e das formas privadas das relações de produção.

Sempre em base as elaborações apresentadas por Karl Marx no próprio O Capital sobre as causas da crise capitalista e suas formas de manifestação, procurou analisar as tendências recorrentes, cíclicas, crônicas e crescentes de crise do sistema capitalista. Identifica e entende o porquê do caráter progressivamente mais crítico que ganha essa sistema à medida que avança no capitalismo a configuração monopolística. A Crise de 1929 portanto, não seria uma "crise final" ou "terminal" do capitalismo, mas uma das sua várias cíclicas crises. Muito embora, ele também destaca, de que era uma das mais severas pelo que o sistema passava, senão a mais severa até então.

Preobrazhenski, embora nunca em sua obra use essa expressão, desenvolve uma explicação sobre flutuações e ciclos econômicos em termos de princípio da demanda efetiva - como pode ser visto em seus artigos da década de 1920 e em livros, como A Nova Econômica (1926), mas em especial em O Declínio do Capitalismo, de 1931. Neles sem cair nos problemas da identificação da causa das crise com a forma de manifestação, tão criticada em Kalecki, ao ponto de suas ideias serem classificadas de tese "subconsumista" ou interpretadas em serem calcadas num problema de subinvestimento na demanda agregada.

Também em O Declínio do Capitalismo (em russo, Zakat kapitalizma: Vosproizvodstvo i krizisy pri imperializme i mirovoi kriz 1930-1931), embora destaque a gravidade da Grande Depressão, que então ainda se iniciava, volta o livro à crítica ao tratamento oficial do marxismo soviético sobre a Crise de 1929, em especialmente o que se passou a chamar de "colapsismo". A tese de que o Capitalismo rumava para um colapso. 

Embora recorrente no Marxismo - herança de uma interpretação vulgar feita pela Segunda Internacional - tornara-se na própria URSS, uma visão dominante, um dogma sobre a questão, vide autores de prestígio no regime stalinista, especialmente o economista Evgueni Varga.

A consequência dessa ousadia intelectual, agravada por mais um artigo não publicado (mas de ampla difusão) em que critica o I Plano Quinquenal soviético, levaram, em 1932, Preobrazhenski a ser expulso pela segunda e última vez do Partido Comunista da União Soviética. A primeira havia ocorrido em 1929 em decorrência da eliminação política da Oposição de Esquerda contra o regime stalinista que co-liderava com Trotsky, que culminara com sua prisão e exílio do ex-companheiro. Pesara ainda a acusação de participar da fração trotskista secreta existente dentro da URSS, seção da Oposição de Esquerda Internacional - antecessora da Quarta Internacional. Essa acusação levará a prisão em 1937 e a execução secreta em 1938.

O livro O Declínio do Capitalismo, embora tenha sua escrita como mote a crise mundial de 1929 - segundo especialistas pode ser considerado a continuação do livro A Nova Econômica de 1926, ou no original Nova econômica: uma tentativa de uma análise teórica da economia soviética (em russo, Novaia ekonomika: Opy t teoreticheskogo analiza sovetskogo khoziaistva), publicado em 1926. 

O livro A Nova Econômica, por muitos considerado sua maior obra (embora seja O ABC do Comunismo, coescrita com Nikolai Bukharin, a mais conhecida) teve seu capítulo II publicado pela primeira vez ainda em agosto de 1924, em Moscou, como artigo, em pleno auge da Oposição de Esquerda, e constituiu um dos principais textos do período.

Em A Nova Econômica havia anunciado uma continuação, que nunca publicada, onde deveria expor, o que em parte foi tratado em 1931, particularmente a questão da análise concreta do capitalismo. Trata-se de uma das mais audaciosas e mais profundas obras de análise teórica da economia soviética do período dos anos de 1920, época pautada pela transição da economia russa ao socialismo.  

Em seu novo livro, cinco anos depois, escrito após um jejum intelectual imposto pela luta partidária e repressão stalinista, prossegue a análise da reprodução do Capitalismo, enquanto sistema concreto, tema e tratamento que teve as suas características e método, tanto antecedidas parcialmente, como anunciadas no livro de 1926.

Também os artigos que antecedem temporalmente escritos entre 1926 a 1928 (uma coletânea de artigos de Preobrazhenski da década de 1920 reunidas e publicadas no Ocidente em 1979 por Donald A. Filtzer como Crise da Industrialização Soviética) podem ser considerado uma espécie de continuação, à medida que neste prosseguiu trabalhando no que anunciara em A Nova Econômica e antecedendo muito o próprio O Declínio do Capitalismo. 

Especialmente os artigos de 1925 "O Problema da Acumulação de Capital: Notas Econômicas I, Sobre os Bens Alimentícios",  de 1926 "Nota Econômica II",  de 1926 "Nota Econômica III, Sobre o Avanço do Estudo Teorico da Economia Soviética", de 1926 "O Problema do Equilíbrio Econômico sob o Capitalismo Concreto e no Sistema Soviético", de 1926 "Equilíbrio Econômico sob o Capitalismo Concreto e no Sistema da URSS" e o de 1927 "Equilíbrio Econômico no Sistema da URSS".

O livro O Declínio do Capitalismo, em si, alterna análises quantitativas e simulações esquemáticas, com uma refinada discussão teórico-metodológica, divididos em 7 partes e 14 capítulos, cujos títulos apresentam bem os vários temas que o autor quer tratar. São eles: 
Parte I 
Capítulo 1 "A Quebra Econômica do Capitalismo", 
Parte II 
Cap. 2 "Reprodução Ampliada e Crise sob a Livre Concorrência: Observações Gerais", 
Cap. 3 "Depressões e Crises sob o Capitalismo Monopolista", 
Cap. 4 "Monopolismo no Sistema de Oferta. Consumo Improdutivo", 
Cap. 5 "Resultados Gerais", 
Parte III 
Cap. 6 "Um Esquema do Ciclo Econômico sob a Livre Concorrência",
Parte IV 
Cap.7 "Um Esquema do Ciclo Econômico sob Monopolismo", 
Cap. 8 "A Crise Econômica do Sistema Monopolista e a Guerra Mundial", 
Parte V 
Cap.9 "Crise Econômica Mundial de 1930-1931", 
Cap. 10 Perspectivas, 
Parte VI 
Cap.11 "Fundações sociais do Fascismo", 
Parte VII 
Cap.12 "O Sistema Capitalista e Crescimento Econômico", 
Cap.13 "A Crise Geral do Capitalismo", 
Cap.14 "O Sistema Capitalista e a URSS". 

A polêmica sobre moeda na URSS

Em 1922 aconteceu um intenso debate sobre a inflação extrema que passava a URSS. Preobrajenski torna-se crítico da proposta de reforma monetária e fiscal proposta e por fim conduzida pelo colega Grigori Sokolnikov. Os dois revolucionários, junto a A.M. Krasnoshchekov, constituíam o triunvirato à frente do Comissariado do Povo de Finanças (Narkofim).

Preobrajenski, o líder do trio, defendia que a desvalorização monetária causada pela inflação era uma forma de captar recursos do mercado privado para o Estado (o que em Economia é chamado de senhoriagem), o que a moderna macroeconomia chama de imposto inflacionário. Já Sokolnikov achava que era importante a montagem de uma ampla e firme rede bancária e uma moeda estável, a fim de se viabilizar o funcionamento da NEP, que necessitava das da estabilidade do mercado. Por sua vez, o financiamento do Estado deveria se realizado não pela emissão monetária, e sim pelos impostos.

Opondo-se às ideias de Preobrazhenski, Strumilin, Krasin e Larin no XI Congresso do Partido, Sokolnikov terminou exercendo em solitário a direção política do Narkomfin, o que possibilitou estabelecer um sistema monetário firme, a estruturação de um orçamento estável com impostos monetários progressivos e o fortalecimento das atividades bancárias e de crédito do Estado, que permitiriam a restauração de um forte do mercado capitalista. Sokolnikov ganha politicamente o debate - detinha a simpatia do campo majoritário da direção do partido, e na sequência, Preobrazgenki sai do Comissariado de Finanças e implanta-se o rublo-ouro (todo rublo emitido é lastreado em reservas de ouro).

Sokolnikov terá grande prestígio junto ao grupo stalinista, contudo nos anos de 1927 e 1928. Mas, com a aparição da Oposição Unificada, e descontente com a falta de democracia partidária, se aproximará desta. Essa tomada de posição foi facilita pelos laços pessoais que ainda mantinha com Preobrazhenki, apesar das polêmicas do passado.

AS CAUSAS E OS EFEITOS DA CRISE

A teoria marxiana do valor-trabalho penetra profundamente na essência do problema da oferta e da procura, explicando o motivo da superprodução e crise do capitalismo. Estuda até que ponto a oferta depende do trabalho social abstrato utilizado para produzir a mercadoria, como a procura depende da distribuição da propriedade dos meios de produção na sociedade, como esta relação conduz à divisão do trabalho social nos vários setores da produção, etc. As relações de mercado dependem das relações de produção.

A lei do valor tem um significado central para a economia marxista. A lei do valor é a lei econômica fundamental do capitalismo. Sendo que não determina um aspecto isolado ou alguns processos isolados do desenvolvimento da produção capitalista, mas todos os aspectos e todos os processos mais importantes desse desenvolvimento; portanto, determina a fundo a produção capitalista, sua essência. A lei do valor é a lei económica da produção de mercadoria, segundo a qual a troca de mercadorias se efetua de acordo com a quantidade de trabalho socialmente necessário empregado em sua produção. O valor de uma mercadoria é uma categoria social; não é visto, mas é sentido sempre que se troca uma mercadoria.

Valor é uma relação entre duas pessoas, uma relação disfarçada como relação entre coisas. O valor nesse sentido é a síntese transformada das relações de produção na sociedade baseada na produção mercantil. O valor é o trabalho social dos produtores de mercadorias, corporificado na mercadoria. O termo "corporificado" sublinha o fato que o trabalho está incluído na mercadoria, tomou a forma de mercadoria. As proporções em que se permutam as mercadorias servem como a forma de expressão do valor; mostram que a mesma soma de trabalho foi gasta nas mercadorias trocadas, que elas são idênticas em valor, ou melhor, que tendem ou que procuram a tender.

A crise no capitalismo se manifesta de múltiplas maneiras, e consequentemente, múltiplos sintomas, mas com apenas uma única causa, uma contradição causal. Os economistas, e os cientistas sociais em geral, inclusive os marxistas, debruçaram-se sobre as várias "maneiras" que a crise se apresenta, reconhecendo em cada uma delas a verdadeira "causa" da crise. Nisso que se encontra as várias versões de crise analisadas pelos marxistas, porém ontologicamente em Marx e Engels há apenas uma.

A contradição causal esta na disparidade entre os graus de desenvolvimento das forças produtivas com a das relações de produção. A produção social se processa em geral de maneira cada vez mais coletiva com o desenvolvimento do capitalismo, entretanto continua a se processar sem necessidade e sem apropriação coletiva. As perguntas comuns da produção social a todas as formações sociais económicas - "o quê; quem; para que (ou para quem); quando; quanto; onde" - ganham caráter cada vez mais coletivas e tecnificadas (organizada e planejada cientificamente à nível da empresa), porém ficam ainda subjugadas às relações burguesas: a propriedade privada (a distribuição capitalista da produção e o mercado anárquico) e as fronteiras nacionais (o limite do mercado interno e das instituições político-estatais nacionais), quer dizer, continuam individuais, com caráter individual.

Para Marx, a produção capitalista, em função das contradições que gravam o seu desenvolvimento, estaria fadada a conviver com frequentes crises, que se manifestariam nas formas de superprodução, tendência à queda da taxa de lucro e superacumulação de capital.

As divergências entre as explicações marxistas com da economia tradicional, sobre as crises económicas do capitalismo, requer também análises sobre a construção de seus sistemas teóricos. Apreender o primeiro atribui como causas das crises aquelas contradições que serão posteriormente analisadas, sob as quais se desenvolveria esse modo de produção, e, o segundo, aludida a desarmonia nos mecanismos de equilíbrio geral ou a insuficiência de investimentos por parte dos empreendedores capitalistas.

A crise económica origina-se no "salto mortal" (não que seja causada aí), na transição da mercadoria entre a esfera da produção para a esfera da circulação, a realização da produção. É onde no circuito de valorização do capital ocorrem as crises, a ruptura entre as esferas e a consequente não realização do capital, caso não ocorra segundo sua taxa média de lucros esperada.

A existência do "salto mortal" deve-se, no conjunto de formações mercantis, e em particular no capitalismo (a sociedade mercantil mais avançada), a "alienação do trabalho", no sentido marxista de que, o produto não é apropriado pelos produtores e só se sociabiliza por meio das trocas, mediadas pela moeda, o que chamamos de dicotomia mercantil-monetária.

A taxa média de lucro esperada refere-se ao montante de lucro em taxa, dentro de um tempo determinado para obtenção dessa taxa. A não realização da mercadoria traduz-se na queda na taxa média de lucro. Um problema entre a produção e uma dicotomia temporal com a realização do capital produzido a seu valor esperado, o que chamamos de tempo de rotação de capital, que é verificado em taxa.

O tempo de rotação é o período total em que o capital leva para se valorizar, de constituir-se desde capital fixo até chegar a ser oferecido no mercado, é o tempo para circulação do capital a fim de valorizar-se e acumular. O capitalista resolve o problema da taxa de rotação aumentando a composição orgânica do capital, mas quanto maior a composição de capital maior a taxa de rotação, obrigando a fazer mais uma rodada de aumento da composição ou expandindo o mercado para o capital. Por outro, o aumento da composição orgânica implica em queda da taxa de lucro e/ou que o montante de mercadorias produzidas, por este aumento da composição orgânica, seja acima da capacidade de absorção pelo mercado, que para realizar-se implica obter lucros menores, isto é, a uma taxa de lucro menor que a esperada.

A Crise é o resultado do ajuste espontâneo (não intencional pelos sujeitos sociais) de uma contradição no processo de acumulação e desenvolvimento do modo de produção capitalista, isto é, no processo de valorização do capital. O problema da crise é suas marcas (efeitos sociais destrutivos).

As Crises são percebidas pelas diferentes "maneiras" que se apresentam, que por sua vez, dependem da ação de determinada das varias contratendências existentes. Pode manifestar-se por uma dificuldade de realização tanto por desproporção departamental ou subconsumo ou por liquidação tendencial da taxa de lucro pelo aumento da composição orgânica do capital. 

Uma contratendência age sobre os efeitos da tendência a crise, a tendência ao rebaixamento da taxa de lucros, isto é, a tendência que a taxa de lucro corresponda menor que a taxa de lucro esperada. Agindo contrário a queda e/ou facilitando a correspondência da taxa de lucro com a taxa esperada. Operando no sentido contrário à tendência à crise, diminuindo o conteúdo contraditório do processo de acumulação, mesmo que momentaneamente. Então, qual manifestação da crise se apresentará deve-se a qual das contratendências chegou ao limite físico ou não pôde ser utilizado.

Embora não se estendendo muito sobre o assunto, Marx percebe que, na crise e depressão do capitalismo, a destruição de capital é inevitável, e age como principal contratendência a tendência à queda dos lucros.

Em condições de concorrência dos capitais livre (laissez-faire), de não interferência do Estado, isso acontece de forma dolorosa, acirrando a luta intercapitalista pela definição dos perdedores e disseminação da miséria, e consequente revolta da classe trabalhadora, os mais penalizados. A eliminação do capital excedente impõe a volta à escassez do capital global; que, levaria a realização enfim da produção a taxa média de lucro efetivo, e novo período de crescimento. No desemprego o capital fixo seria exaurido pelo seu uso, depreciação e obsolescência, os estoques involuntários de mercadorias, pela velocidade de sua exaustão e desemprego involuntário pela redução dos salários reais.

A lei do valor constitui o mecanismo que regula a divisão e o desenvolvimento do trabalho social nos vários setores da economia nacional, e é decisiva para que os preços sejam proporcionais, em primeira aproximação ao valor das mercadorias, isto é, a quantidade de trabalho social necessário para produzi-las.

Alguns capitalistas vendem suas mercadorias a preços mais altos do que o valor delas, outros a preços abaixo do valor, mas todos os capitalistas em conjunto recebem o valor integral de suas mercadorias, e os lucros de toda a classe capitalista coincidem com a massa total de mais-valia produzida na sociedade. Na escala de toda a sociedade, a soma dos preços de produção é igual a soma dos valores das mercadorias, e a massa de lucro é igual à massa de mais-valia. Desse modo, a lei do valor opera por meio dos preços de produção.

Sem dúvida, a restrição quantitativa da propriedade privada (centralização e concentração nas corporações transnacionais e a intervenção estatal) sobre os meios de produção e a socialização do trabalho (mecanização, integração e tecnificação) tanto na cidade como no campo, altera a ação regulatória da lei do valor na determinação da produção.

Contraditoriamente, sem a transformação qualitativa da propriedade privada, - com a socialização (jurídico-econômica e político-econômica) da propriedade dos meios de produção, tal qual a socialização do trabalho (forças produtivas com caráter social), que será intensificada - a lei do valor continua a operar, à medida que as relações de troca (o mercado capitalista) permanecem, este divórcio provoca uma regulação onde correspondência entre o valor (preços de produção) e os preços de mercado são cada vez mais instáveis e com taxa de lucro tendendo cada vez menor que a taxa esperada.

Isto, precisamente, explica o "assombroso" fato de que, apesar do desenvolvimento ininterrupto e impetuoso da produção no capitalismo contemporâneo, cada vez mais, os baixos ritmos de aumento da produção nesses países (aumentos medíocres ou em breves períodos), as crises periódicas de superprodução. Pois os aspectos estabilizadores da lei do valor na produção capitalista ("lei da concorrência" que conduz a convergência de valores pela competição, isto é, da taxa de lucro, entre capitais) que se baseia o desenvolvimento harmonioso da economia nacional e entre os países tornaram-se restringidos pela ação da monopolização e da interferência estatal, e os aspectos relacionados à desestabilização, ligados à decomposição do próprio mercado, reforçam-se.

Os capitalistas seriam tão mais coerentes com os seus objetivos, quanto mais ávidos fossem pela extração de mais-valia no processo imediato da produção. Não levariam em conta, porém, que a concretização da valorização do capital, através do lucro, sofreria limitações impostas pelas próprias relações sociais de produção, que teriam justificado a existência da parcela de trabalho não pago da jornada de trabalho de seus assalariados. Como agravante, ter-se-ia que esse comportamento estaria incluído num processo de produção que se orientaria como quem busca desenvolver de modo absoluto as forças produtivas. Daí a tendência a se deflagrar a superprodução de mercadorias (meios de produção e de subsistência); não relativamente às necessidades da população, mas sim às possibilidades de utilização e/ou capacidade de produzir excedente, para fins de expansão do capital.

Funcionando desse modo, na medida em que fosse se desenvolvendo, o processo de valorização e acumulação de capital tenderia a ir aguçando a sua contradição básica, fazendo o sistema produtivo convergir para uma situação de crise. A não-realização da mais-valia chegaria a assumir tal proporção, a ponto de se tornar altamente incompatível com os objetivos de valorização do capital. "As crises não são mais do que soluções momentâneas e violentas das contradições existentes, erupções bruscas que restauram transitoriamente o equilíbrio desfeito" (O Capital, L. 3, v.4, p. 281).

Além do mais, Marx, como se sabe, não se dedicou apenas à explicação teórica das leis causais5 que regem (regulam) a produção capitalista em determinado tempo e espaço, mas também, das leis (tendências, mecanismos e explicações) que seriam responsáveis pela transformação, através da história, desse modo de produção.

No desenvolvimento histórico do processo de produção capitalista, iriam se evidenciando as contradições que marcariam a busca de que se atinja o seu objetivo de valorização e acumulação. Com os meios utilizados para atingi-lo (a exploração e o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho), desenvolver-se-iam, também, progressivamente, por um lado, a concentração e a centralização do capital (a restrição numérica da burguesia e do espaço de ação do mercado), a financeirização da economia, por outro lado, a socialização do trabalho e a coletivização dos meios de produção6, e ainda, a ampliação continuada do proletariado e sua miserabilização e a ampliação das relações sociais capitalistas, com a mundialização da produção e restrição de áreas e setores com possibilidade de lucros extraordinários.

Esse processo, na sua convergência, após um caminhar traumático pelo tempo, findaria por consolidar a total incompatibilidade do regime capitalista com a realidade, ocasionando a sua superação, assim ocorrida através da sua autonegação. As crises constituir-se-iam nas manifestações mais eloquentes da atuação das leis explicativas dessa transformação. Os fenômenos da Crise e sua recorrência de tempo em tempos (seu caráter cíclico) parte desse processo dinâmico.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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  • KALECKI. Teoria do Crescimento em Economia Socialista - apresenta uma formulação teórica acerca do funcionamento da economia socialista. Trata-se de uma coletânea de artigos escritos durante sua participação no governo polaco.
  • Kalecki (Coleção Grandes Cientistas Sociais) - coletâna  org. Jorge Miglioli, 
  • KALECKI. Crescimento e Ciclo das Economia Capitalista - coletânea de artigos organizada também por Jorge Miglioli.
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