segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Livro com texto inédito de Ruy Mauro Marini, 'el maestro em rojo y negro'

por Vitor Hugo Tonin

Prezados,

Envio-lhes um novo produto deste esforço cada vez mais continental de resgatar e difundir a obra Ruy Mauro Marini, El maestro em rojo y negro, que me parece ser um excelente título para um trabalho de compilação de textos e de homenagem a Marini. Afinal El maestro era como Ruy era carinhosamente chamado pelos militantes do Movimento Izquierda Revolucionaria chileno (MIR-Chile), organização política que resgatava toda a tradição revolucionária latino-americana expressa em suas cores: el rojo y negro.

O livro é organizado pelo Instituto de Altos Estudios Nacionales de La Universidad de postgrado del Estado do Equador com forte apoio de Patrício Rivas, ex-militante do MIR chileno e amigo pessoal de Ruy. É de Patrício Rivas o cuidadoso prólogo-homenagem do livro: El saber revolucionário y los términos de la dominación mundial, onde situa o surgimento da Teoria Marxista da Dependência ao problematizar as condições históricas da construção do conhecimento e que a grandeza desta geração não provem de um saber “autocentrado” mas da “aceleración histórica de los tiempos políticos” que se expressa através de intelectuais dispostos a se vincular organicamente a classe trabalhadora e à práxis revolucionária. Assim sintetiza Patrício: “intentar localizar los aportes de Ruy Mauro Marini no es un ejercicio fácil, ya que él condensa y personifica a ese intelectual nacido en la década de los cincuenta del siglo XX” y que se trata de um “sujeto singular que es intelectual y militante, y que desde el ámbito del pensamiento aporta modelos de trabajo para los propios movimientos sociales que no se someten a la cultura dominante”.

Além disso, Patrício traz importantes considerações sobre o desenrolar da luta ideológica na América Latina; revela algumas das últimas preocupações que ocupavam as reflexões del maestro; sintetiza a questão da luta armada no pensamento de Ruy Mauro e sua preocupação com essa “compleja dualidad de alianzas amplias y autonomia de la izquierda revolucionaria”, afinal, “Las revoluciones reales son alianzas de clases y no una lucha polar diseccionada en la pureza de algún esquema entre opresores y oprimidos” .

Por fim,  o resgate é feito colocando a TMD, ou melhor ainda, “la teoria revolucionaria de la dependência” no processo global da luta de classes na América Latina e não como uma nova moda acadêmica: ”Lo que hace la singularidad de la teoría revolucionaria de los sesenta es que localiza al interior de un conjunto de relaciones sociales en crisis la posibilidad de la libertad como imagen deseada desde la acción política, y no sometida ineluctablemente al dominio y la explotación.”

Aproveito para desde já divulgar duas erratas deste brilhante prólogo. O primeiro é atribuir à Ruy Mauro o codinome Carlos Mistral que assina o texto Chile: del triunfo popular al golpe fascista. Na verdade o texto publicado pela Editora Era no México é o balanço feito por José Venezuela Feijó, chileno e ex-militante do MAPU (Movimiento de Acción Popular Unitaria) uma das organizações políticas que compunha o governo da Unidade Popular. E cujos quadros chegaram a dirigir os ministérios da Economia e do Planejamento no governo de Salvador Allende. Juan Carlos Marín que assumiu o ministério do planejamento em 1972 pertencia também ao MAPU e não ao MIR como o texto de Patrício deixa entender. Esta distinção é fundamental, pois o MIR jamais integrou o governo da Unidade Popular ainda que tenha apoiado a Allende nas eleições de 1970 e participasse da guarda pessoal do presidente. No entanto as análises do MAPU expressadas através do livro de Valenzuela Feijó apresenta distinções importantes das análises do MIR expressadas por Ruy nos textos reunidos na coletânea El reformismo y la contrarevolucion: estúdios sobre Chile. Essas distinções e polêmicas não podem ser diluídas sob o risco de cometermos os mesmos erros do passado.

Além do prólogo, El maestro en rojo y negro traz dois textos já disponíveis ao público. Memória está publicado na coletânea da Expressão popular organizada por Roberta Traspadini e João Pedro Stédile e Las raíces del pensamiento latinoamericano já publicado na página eletrônica www.marini-escritos.unam.mx

Os últimos 3 textos foram tomados do acervo pessoal de Patrício Rivas que compunha a oficina de "análise política da rua Dulce Oliva" demonstrando outro importante traço del maestro: a submissão coletiva de seus trabalhos antes de publicizá-los. Mais preocupado estava em escrever algo que fosse útil à esquerda e à militância revolucionária que em aparecer com publicações quentíssimas sobre a última moda teórica ou sobre os últimos acontecimentos.  Após submetê-los a discussão coletiva e revisá-los os textos 3 e 4 compuseram o livro América Latina: dependência e integração publicado pela Editora Brasil Urgente em 1992 e na Venezuela em 1993 com o título America Latina: democracia e integración.

Por último, o livro traz um texto completamente inédito, até onde conheço a obra de Marini, e que não poderia aparecer em melhor hora. Elementos para um balance histórico de treinta años de izquierda revolucionário en America Latina é tentativa fundamental de revisar os fundamentos e a trajetória da esquerda revolucionária Latinoamericana. Neste texto Ruy sistematiza algumas determinações locais e mundiais que ajudam a compreender a trajetória do marxismo no continente - o que é fundamental para a esquerda brasileira, tão reticente em reconhecer suas determinações latino-americanas. Nos é desconhecido os processos e os debates de formação da nova esquerda. Figuras como Silvio Frondizi e organizações com os MIRs da Argentina e da Venezuela, posteriormente do Chile são assuntos praticamente inexistentes na esquerda brasileira mais preocupada em resolver as polêmicas entre Rosa e Kautsky ou entre Lenin e os populistas. Ou seja, são inexistentes as narrativas e debates sobre a o desenvolvimento da esquerda revolucionária na AL.

Neste texto Ruy analisa rapidamente alguns países Latinoamericanos recolhendo as características específicas da esquerda revolucionária em cada país até chegar o momento de analisar sua crise, sua derrota material (pois a esquerda revolucionária foi duramente reprimida pelas ditaduras) e ideológica. E por fim ao analisar as crises das ditaduras e o processos de redemocratização elenca algumas das condições em que a esquerda revolucionária teria que voltar a se vincular com as massas no período da democratização. Particularmente no Brasil, Ruy chama a atenção para a forma como os movimentos de massa se reconstroem a partir desta derrota material e ideológica da esquerda revolucionária colocando num patamar superior o problema da relação entre as organizações políticas e movimento de massas e o problema da teoria na esquerda latinoamericana. Também discute a necessidade da autonomia organizativa da esquerda e a forma das suas alianças.

A derrota material e ideológica significa o desaparecimento físico dos quadros políticos da esquerda revolucionária e da teoria revolucionária da dependência. Isto, aponta Ruy Mauro, será fundamental na forma como os movimentos de massa se recolocarão na década de 1980 e forjarão seus instrumentos organizativos: na falta de uma teoria revolucionária, num elogio ao basismo e assembleísmo que justamente favorecem aquilo que dizem precaver, isto é, o aparelhamento dos movimentos de massa. A capacidade de apontar estas questões no calor do crescimento dos principais partidos de massa de esquerda no Brasil pós redemocratização (PT e PDT) patenteia a extrema capacidade analítica de Ruy Mauro e a importância da teoria e da análise teórica para a esquerda revolucionária.

Me parece portanto um texto fundamental neste momento em que estamos discutindo as bases políticas e organizativas, estratégicas e táticas de um novo ciclo de ascenso de massas que parece ser forjar no Brasil.

Saludos!
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Vitor Hugo Tonin - Economista,  UFSC

Foto: Ruy Mauro em um festa particular  no Chile com  alguns amigos miristas na casa de Gastón  Muñoz e Pamela  Jiles. Da esquerda para direita: María Paulina  Soto Labbé, Patrício Rivas, Ruy Mauro  Marini,  Tomás Amadeo  Vasconi y  “El Canela”. A foto foi tirada  mais ou  menos  em 1991 e gentilmente enviada  por María Paulina

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