sábado, 7 de julho de 2012

Depois da queda dos juros, agora é preciso controle de capitais, se não é crise nas contas externas

Déficits e desvalorização do real no mês de maio são sinais de fuga de capital

Almir Cezar

Numa sinalização do que pode representar o agravamento da crise européia, as saídas de dólares no Brasil superaram as entradas em maio segundo o Banco Central (BC). A conta de transações correntes, que registra as compras e vendas de mercadorias e serviços, registrou déficit na conta financeira em abril e é o maior resultado para esse mês. Com isso, o saldo cambial do período ficou negativo, que de certa maneira se configura uma possível fuga de capitais, resultando na recente alta da cotação do dólar. Nesse quadro, o governo vai ter de se preparar para, antes que as reservas virem pó, controlar o movimento de capitais. Assim, o Governo Dilma terá que enfrentar com outro tabu da ortodoxia macroeconômica brasileira, o controle de capitais, sob o risco de fazê-lo obrigado após um colapso cambial.

Os números mostram tendência de redução dessas remessas. A conta de transações correntes, que registra as compras e vendas de mercadorias e serviços, registrou déficit de US$ 5,403 bilhões, em abril, informou hoje o Banco Central. É o maior resultado para o mês já registrado pelo BC. O valor ficou um pouco acima do esperado pelo Banco Central, que era US$ 5,2 bilhões. O déficit também foi maior do que o registrado em abril de 2011 (US$ 3,598 bilhões).


Nos 13 primeiros dias úteis do mês, o segmento financeiro (investimentos em títulos, ações, remessas de lucros e dividendos ao exterior, entre outras operações) teve déficit de US$ 5,196 bilhões. Nesse cálculo das transações correntes estão as exportações e importações (que formam a balança comercial), que registrou superávit de US$ 882 milhões, em abril, e acumulou US$ 3,319 bilhões, nos quatro meses do ano. Outro item da conta de transações correntes é a balança de serviços (viagens internacionais, transportes, aluguel de equipamentos e outros), que registrou déficit de US$ 3,236 bilhões, no mês passado, e US$ 12,647 bilhões, de janeiro a abril deste ano. Na conta de rendas (remessas de lucros e dividendos, pagamentos de juros e salários), houve resultado negativo de US$ 3,214 bilhões, em abril, e de US$ 9,019 bilhões, no acumulado até o mês passado. As transferências unilaterais correntes (doações e remessas de dólares que o país faz para o exterior ou recebe de outros países, sem contrapartida de serviços ou bens) registraram ingressos líquidos de US$ 165 milhões, no mês passado, e US$ 857 milhões, de janeiro a abril.

Quando o país tem déficit em conta-corrente, ou seja, gasta além da sua renda, é preciso financiar esse resultado com investimentos estrangeiros ou tomar dinheiro emprestado do exterior. O investimento estrangeiro direto, que vai para o setor produtivo da economia, mas que gera lucros e dividendos enviados ao exterior, ficou em US$ 4,669 bilhões, no mês passado. O resultado está abaixo do projeto pelo BC, US$ 5 bilhões. De janeiro a março, o investimento estrangeiro no setor produtivo chegou a US$ 19,608 bilhões.

Numa sinalização do que pode representar o agravamento da crise européia, as saídas de dólares superaram as entradas, em maio até dia 18, segundo o Banco Central (BC). Com isso, o saldo cambial negativo do período atingiu US$ 1,511 bilhão. Com a disparada da cotação do dólar, o BC voltou a fazer operações de swap cambial tradicional, que equivale à venda de dólares no mercado futuro. Embora o déficit deste mês seja modesto, pode representar o início de uma fuga mais acelerada de capitais, garantida por reservas internacionais de US$ 374 bilhões.

Apesar da remessas de lucros e dividendos ao exterior ter caído 43,9% de janeiro a abril, com os juros reais brasileiros, pelo menos na sua taxa básica, marchando para níveis menos atrativos para os especuladores, e a crise mundial caminhando para novo patamar a ser deflagrado pelo efeito dominó que se segue a expectativa da moratória grega e o agravamento da crise bancária espanhola, a fuga de capitais daqui vai se acirrar. Com menor crescimento, também diminuem os lucros que podem ser enviados ao exterior. Induzindo consequentemente uma redução do investimento externo. Essa conta é afetada tanto pela atividade quanto pela taxa de câmbio.

 A fuga de capitais ocorre num momento em que o próprio Banco Central já projeta um rombo de US$ 70 bilhões nas contas externas nacionais, com previsão de serem cobertos por capitais especulativos, embora estes estejam em processo de acelerado de volta para suas matrizes, tanto por movimentos defensivos, quanto, centralmente, para cobrir rombos de investidores e empresas em seus países de origem.

Esse resultado é afetado pelo dólar mais alto no país. Isso porque o investimento de estrangeiros no país é feito em reais, assim como o lucro. Mas essa mesma quantidade de reais vai representar menos dólares. Outro fator que influencia esse resultado é a atividade econômica em ritmo mais lento. 

Assim, mais importante que empreender uma batalha por trazer os juros nacionais a padrões, se não internacionais, ao menos mais baixos, o governo Dilma tem que se contrapor a outro dogma da ortodoxia macroeconômica brasileira: o controle de capitais. Com os juros reais brasileiros, pelo menos na sua taxa básica, marchando para níveis menos atrativos para os especuladores e a crise mundial caminhando para novo patamar, a ser deflagrado pelo efeito dominó que se seguirá à moratória grega, a fuga de capitais daqui vai se acirrar. 

Os ortodoxos argumentarão que o Brasil possui hoje reservas internacionais de US$ 374 bilhões e que o país é um BRICS (grupo de grandes economias emergentes formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), confundindo lastro com segurança. Nesse quadro, antes que as reservas virem pó, é preciso controlar o movimento de capitais, centralmente especulativos, sob risco de ver-se diante de uma crise cambial de imprevisíveis consequências políticas, econômicas e sociais. 

Será preciso coragem e determinação para enfrentar verdades estabelecidas que não mais se sustentam num mundo prestes a virar de ponta cabeça. Senão estaremos sob o risco de fazê-lo obrigado após um colapso cambial, como aconteceu à Argentina em 2001/2002. A livre mobilidade de capitais propiciou nas últimas duas décadas propiciou lucros bilionários aos especuladores brasileiros e estrangeiros e prejuízos aos cofres públicos e aos trabalhadores. É preciso encerrá-lo agora, antes que o pior aconteça.

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