De política de obras faraônicas e criação de secretarias cabide de empregos
por Almir Cezar
Niterói, ex-capital do antigo estado do RJ e conhecida nacionalmente como "terceira melhor cidade em qualidade de vida", ficou exposta a tragédia pela própria irresponsabilidade dos governantes municipais. O caso do deslizamento no Morro do Bumba e caos após a tempestades da semana passada não é um episódio isolado de negligência mas a ponta de iceberg da verdadeira tragédia de Niterói: há na Prefeitura uma verdadeira perversão nas prioridades orçamentárias.O que era sentido pela população do município já a algum tempo - principalmente pela parcela trabalhadora e mais pobre, e denunciado pelos movimentos sociais -, somente agora após a tragédia das chuvas ficou visível para a grande mídia. Faltam recursos para saúde, defesa civil e urbanização de bairros populares, mas sobram gastos com secretarias inúteis e obras de embelezamento e turismo.
A cidade ficou vulnerável a tragédia à medida que as sucessivas gestões do mesmo grupo político à frente da Prefeitura a transformaram em um "paquidérmico" cabide de emprego (para empregar caciques políticos locais e seus apadrinhados em mais de meia centena de secretarias ineficiente e sem necessidade objetiva, enquanto os servidores efetivos amargam baixos salários a anos). A Prefeitura de Niterói ainda espalharam pelos bairros ricos várias "faraônicas" obras de equipamentos culturais voltados ao turismo (o chamado "Caminho Niemeyer").
Enquanto isso, a Prefeitura, através do marketing da "qualidade de vida", atraía a população de classe média da Cidade do Rio de Janeiro, beneficiando assim, o setor imobiliário e de construção civil. Bairros inteiros de Niterói sumiram em meio aos espigões e aos engarrafamentos. Ao mesmo tempo, a população local mais pobre acabou expulsa para os morros e encostas, secundarizadas pelas sucessivas administrações, precariamente atendidas por infraestrutura urbanística básica.
O resultado fatídico dessa política de cabide de empregos e obras faraônicas foi a progressiva e crescente redução do espaço no orçamento municipal para serviços públicos essenciais como saúde e defesa civil e ficando a cidade sem capacidade para investimentos em infraestrutura urbana básica, obras de contenção de encostas e construção de habitação popular, enquanto que, a população da cidade crescia. A consequência foi a tragédia. Um tragédia totalmente evitável.
Mas a tragédia niteroiense não se limita a recente catástrofe das enchentes e deslizamento de encostas. Ainda há a tragédia das carências na rede pública de saúde (poucas e precárias vagas em hospitais públicos) e os gigantescos engarrafamentos (não há ações de transporte público sob trilhos).
A grande mídia sempre foi complacente com o grupo político que a duas décadas reina à frente da Prefeitura de Niterói. Agora que a mídia acordou, vamos ver no que vai dar. Veja a matéria a seguir.
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10/04/2010 - Sabrina Lorenzi, iG Rio de Janeiro
Dez anos após receber o título de terceira cidade do País em qualidade de vida, Niterói amarga estado de calamidade pública, falta de moradias, caos nos hospitais e no trânsito. O que aconteceu com o município que, em 1990, apresentou o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado do Rio?
A má administração dos recursos da cidade é apontada por fonte da própria prefeitura como uma das razões que levaram Niterói a despencar, literalmente. A Prefeitura de Niterói abriga 50 secretarias, inclusive as regionais. O número é bem maior do que o total encontrado em outras cidades vizinhas, mais populosas, como Rio (23 secretarias e 5 subsecretarias) e São Gonçalo (22 secretarias e uma subsecretaria), conforme indicam no seu site.
A Prefeitura criou algumas secretarias com objetivos parecidos: Secretaria Municipal de Assistência Social, Secretaria Municipal de Acessibilidade e Cidadania, Secretaria Municipal de Integração Comunitária e Secretaria Municipal Políticas Públicas de Juventude. Também parece que se confundem a Secretaria Municipal Executiva e Planejamento – que tem no seu quadro subsecretário de Projetos Especiais e um Departamento de Projetos Especiais -, com a Secretaria Municipal de Planejamento e a Secretaria Municipal de Ações Estratégicas. Há também uma secretaria para a Indústria Naval, que esbarra no conceito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.
O secretário de Obras de Niterói, José Mocarzel, explica que o maior número de secretarias foi estratégico para aumentar a representatividade do município e estimular o recebimento de verbas do governo federal. Segundo ele, o prefeito, Jorge Roberto Silveira, "foi sábio porque aumentou o número de secretarias mas enxugou o tamanho delas".
O iG apurou, contudo, que existem pelo menos 50 subsecretarias na cidade. Fonte da prefeitura diz que o excesso de cargos impede o municípío de investir em obras necessárias, que poderiam ter evitado deslizamentos de terra que culminaram na morte de mais de cem pessoas na cidade nesta semana
Faltam recursos
Segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura de Niterói, o prefeito afirmou, após a sequência de desabamentos em mais de 30 pontos da cidade, que faltam recursos disponíveis para investimentos em Niterói. E lembrou que pelo menos 25% da verba da cidade deve ser aplicada em educação e 15% em saúde, por força da legislação. E até 50% podem ser direcionados a gastos com pessoal, citou o prefeito, segundo a assessoria. Portanto, quase 90% já estariam comprometidos. A assessoria pondera, no entanto, que os gastos com folha de pagamento não chegam à metade do orçamento.
Os gastos em obras de embelezamento urbano contrastam com a falta de verba para a construção de moradias. Uma torre panorâmica que vai completar o caminho Niemeyer - um conjunto de melhorias instaladas ao longo da orla da cidade que leva a assinatura do renamado arquiteto Oscar Niemeyer - tem custo de R$ 19 milhões. O valor supera os R$ 15 milhões estimados por Silveira para a construção de 320 moradias para as vítimas do desmoronamento. O valor foi calculado antes da tragédia do Morro do Bumba.
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Emergências lotadas
A situação caótica dos poucos hospitais existentes na cidade contrasta com a posição privilegiada de Niterói no IDH. Segundo informações oficiais, a cidade possui dois hospitais municipais com atendimento de emergências e uma unidade de emergência, que não atende pacientes em estado grave. No Hospital Carlos Tortelli, no centro, é evidente a falta de condições para atender a população, com pacientes nos corredores e demora nos atendimentos.
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Niterói também possui o Hospital Estadual Azevedo Lima, que também estava lotado, com pacientes no corredor, quando o iG o visitou, na tarde de quinta-feira. A direção do hospital não recebeu a reportagem. Dados sobre a capacidade da rede municipal não foram informados pela assessoria de imprensa da prefeitura de Niterói. A prefeitura também não informou, até a noite desta sexta-feira, como é distribuído o orçamento, conforme solicitado no início da tarde.
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O aumento do número de habitantes atraídos pelas melhorias da cidade na década passada colocou a prefeitura diante de outro desafio: os engarrafamentos frequentes. A infraestrutura rodoviária, bem como o saneamento não acompanharam a construção acelerada de condomínios residenciais na cidade localizada a 13 quilômetros do Rio.
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