Hoje é feriado em vários estados e centenas de municípios. É o Dia de Zumbi dos Palmares, o Dia Nacional da Consciência Negra. Em homenagem a essa data, re-editamos o artigo publicado originalmente, no 20 de novembro do ano passado. O artigo procura discutir os elementos econômico-político que sustentam o racismo e demais opressões no sistema capitalista.
por Almir Cezar Filho
Hoje é feriado estadual de Zumbi dos Palmares e Dia Nacional da Consciência Negra.
Muito se fala do racismo, das discriminações principalmente racial, e a opressão de setores da sociedade. Mas há um apelo que é possível ser superada dentro do marco do Capitalismo a questão da discriminação racial, ou com Cultura, ou com educação ou com inserção no mercado. Se aplicarmos um estudo da Economia Política proletária veremos que não.
É por isso que escrevi algo:
CAPITALISMO, SOCIALISMO E DISCRIMINAÇÃO
a Economia Política da opressão
por Almir Cezar Baptista Filho
Os socialistas sempre afirmaram que dois aspectos cruciais das liberdades (as liberdades civis e a liberdade econômica) do capitalismo são incompletas, sendo essa uma situação que o capitalismo, por sua própria natureza, está incapacitado para solucionar. A sociedade capitalista jamais poderá generalizar as liberdades que, sob certas condições, propicia a um setor favorecido de seus membros. E também, afirmam que as sociedades capitalistas não superam nem podem superar uma situação meramente formal de liberdade (jurídica e ideológica) ou pior, concepção negativa - protetora e legitimadora da grande propriedade e da exploração econômica. O Socialismo, por outro lado, pode levar as liberdades a todos os cidadãos e, finalmente, considerando-as fato consumado, pode avançar rumo ao objetivo de propiciar a todos a liberdade positiva de viver a vida em sua plenitude.
E facilmente afirmável que o capitalismo ter fracassado, ou ao mínimo tem dificuldades, em generalizar as liberdades enaltecidas por seus porta-vozes, os economistas e demais filósofos sociais burgueses. A Grã-Bretanha, por exemplo, jamais levou ao seu império a liberdade econômica e as liberdades civis de que gozam os habitantes das Ilhas Britânicas. E nos EUA há milhões cuja cidadania é apenas de segunda classe — negros, hispano-americanos e membros de grupos minoritários, o que inclui não só outros grupos raciais ou mesmo religiosos, mas também, outros tipos de grupos, como os homossexuais e as mulheres — cujos pretensos direitos constitucionais são constantemente pisoteados de formas por vezes claras e óbvias e por vezes ocultas e obscuras. Em suma, até a mais livre sociedade capitalista pratica formas de discriminação que envolvem a redução das liberdades de alguns dos seus membros ou dependentes. Haverá razão para se acreditar que essa discriminação resulte da própria essência do sistema capitalista.
Nós socialistas afirmamos que a discriminação está associada aos elementos mais básicos do sistema capitalista, o principio da extração de mais-valia e acumulação de capital. Do ponto de vista econômico, a discriminação é lucrativa; e, por assim ser, sobrevive e reaparece a despeito de todos os esforços porventura desenvolvidos para a sua abolição.
Apresentação de uma versão generalizada da economia política da discriminação disporia de muito espaço, e até porque não há muita elaboração na teoria econômica, mesmo à marxista, a esse respeito, uma exemplificação deve servir para esclarecer a natureza da conclusão acima.
Se os negros puderem ser excluídos de grande número de ocupações, terão necessariamente de concentrar-se nas que ainda lhes sejam acessíveis e isso poderá fazer os salários caírem abaixo dos níveis que seriam estabelecidos na ausência desse fenômeno. Isso beneficia diretamente os empregadores de mão-de-obra negra; e, fato talvez mais importante ainda, é diretamente benéfico aos capitalistas em geral, porquanto cria a divisão na classe trabalhadora e permite os empregadores jogar os dois grupos um contra o outro.
Poderá ser temporariamente vantajoso para os trabalhadores brancos nas ocupações das quais os negros são excluídos, mas, a longo prazo, até os trabalhadores brancos provavelmente perderão mais pelo enfraquecimento do poder de negociação do que ganharão com a ausência da competição dos negros. Ou, considerando outro aspecto, se puderem forçar os negros de uma cidade a viver em certa área restrita, o resultado será não apenas superlotação, mas também aluguéis e preço de venda de residências excessivamente elevados, o que redunda em beneficio aos proprietários na área considerada.
As mesmas forças agem para manter a discriminação nos impérios coloniais (tanto os pioneiros ligados ao expansionismo comercial quanto os da etapa imperialista), embora o seu alcance seja, aqui, ainda mais amplo. Por exemplo, na América Latina, África e certas partes da Ásia, os colonos brancos realizaram duplo propósito ao se reservarem as melhores terras[1]: monopolizam as oportunidades econômicas mais lucrativas e forçaram os nativos, e os (ex) escravos, a se tornarem trabalhadores assalariados porque as terras que estes têm liberdade para cultivar ou que puderam adquirir são insuficientes para garantir o mínimo para a sua subsistência. Os capitalistas do país metropolitano, que invertem capitais nas colônias e semi-colômas, têm motivos similares para obstruir o pleno desenvolvimento das economias nativas; assim fortalecem o seu controle sobre os recursos naturais mais valiosos e garantem amplo suprimento de mão-de-obra barata.
Acresce o fato de, em todos esses casos, a negativa ou a restrição da liberdade econômica ser quase inevitavelmente acompanhada da negativa ou restrição, comparáveis, das liberdades política e civil. Ao afirmarem que a liberdade civil não pode existir sem a liberdade econômica, os socialistas estão em harmonia com os liberais antigos anteriores a consolidação da Economia clássica, como Locke, Rousseau, e mesmo Adam Smith. As liberdades política e civil serão mais cedo ou mais tarde usadas para combater a liberdade econômica, e, na luta, uma ou outra deverá cair. Os socialistas não têm dúvida alguma quanto ao lado em que se colocarão as forças da sociedade capitalista.
Muitos argumentariam que o capitalismo não inventou o racismo, a xenofobia, a discriminação religiosa, a homofobia, o machismo, ou outras formas de discriminação? Na Idade Média os judeus e os mouros foram severamente discriminados e muitos homossexuais e mulheres (que fugiam ao padrão de “boas moças” acusadas de bruxas) foram lançadas a fogueiras. Os socialistas sempre afirmaram que a discriminação não surgiu pela primeira vez com o capitalismo, muito embora seja ele reprodutor e amplificar das discriminações, não porque os mantêm, beneficia-se e depende deles. A discriminação está sempre associado ao fenômeno da opressão, isto é, oprimir um grupo de indivíduos numa sociedade por características que os distingue do padrão dominante, os “outros”. Onde haveria os “iguais” e os “desiguais”, esses últimos podem ser não uma minoria, e mesmo podem ser uma maioria, mas são sempre considerados os inferiores.
Ao longo da História sempre houve esses desiguais, em medidas distintas ao longo dos tempos e dos lugares, muito embora não sejam identificáveis em sociedades bem primitivas, como tribos ameríndias. Para o marxismo o fenômeno da discriminação surge devido ao aparecimento do excedente econômico, onde haveria de se legitimar a exploração e ainda mais a exploração excessiva sobre um grupo social, a concessão desigual do acesso aos meios de produção (os recursos naturais, as terras e as tecnologias) ou aos produtos.
Assim, percebe-se que em sociedade onde não há excedente ou há pouco, não há discriminados ou há pouca discriminação. Por outro lado, esses discriminados têm acesso restrito à superestrutura na mesma medida que tem à base econômica da sociedade — são excluídos ou têm dificuldades de espaços das escolas, dos templos religiosos, das instituições do Estado e do poder político como um todo, tem tratamento desprivilegiado nas leis e na Justiça. Num certo sentido, referendando sua desigual condição.
E claro, que essa desigualdade tem por origem no próprio plano superestrutural. Muito embora, um negro e um branco, um homem e uma mulher, tenham a mesma capacidade física do ponto de vista biológico embora também possuam diferenças biológicas, são justamente essas diferenças que são levadas em conta para diferenciação entre esses dois indivíduos, perante os olhos da lei ou da moral. São os elementos culturais ou jurídicos-políticos que apontam qual a diferenciação que marca a distinção entre esses mesmos dois indivíduos, até porque sem esse apontamento não haveria como identificar distinções. Isto é, é a lei ou a moral que define quais as características marcam as distinções entre os indivíduos, os separando em grupos bem delimitados.
O Capitalismo não verdade reciclou a discriminação para utilizar para seus fins: criar amplas camadas de trabalhadores (sem acesso a propriedade dos meios de produção), separar a classe em dois grupos e permitir a sobre-exploração de um setor desta. Ao mesmo tempo, que permite gerar cada vez mais desiguais econômicos, que, por sua vez, legitima a desigualdade do plano ideológico (“os negros são ignorantes e brutos”, mas são o grupo que não têm acesso à melhoria na sua educação ou às profissões com habilidade intelectual mais elevadas).
O Socialismo abre espaço para a melhoria de condições sociais aos grupos sociais oprimidos (negros, mulheres, imigrantes, homossexuais, minorias religiosas e étnicas, etc) à medida que garante a coletividade da sociedade a posse e controle dos meios de produção e permite que as riquezas geradas pela produção sejam vertidas democraticamente à própria melhoria de vida da população. A saúde, educação, etc.
Mas também, porque frequentemente o Capitalismo, especialmente do século XX, sempre reabsorveu as reivindicações desses movimentos e as conquistas sociais ao seio da acumulação do capital dos grupos por quem lutam. E, num momento seguinte, impôs retrocessos a essas conquistas (por exemplo, fim de direitos como a licença maternidade) ou converteu em mecanismo de nova expropriação de trabalho (vide o movimento GLS como um mercado de produtos muito rentável). Ou pior, transformou essas conquistas em perda de liberdades (a abertura do mercado de trabalho cria uma espécie dupla jornada de trabalho a mulher, antes os trabalhos domésticos agora acrescidos das tarefas do emprego).
Contudo, o caráter tendencialmente socialistas dos movimentos anti-opressão não se reflete com freqüência sobre as suas próprias direções. Como esses movimentos possuem uma composição policlassistas (são constituídos em sua composição de mais de uma classe social), isto é, os grupos sociais que padecem de opressão não são restritos ao proletariado. O que é um dos problemas desses movimentos à medida que às vezes abarcam internamente interesses sociais diversos que se convergem apenas na luta contra a opressão, mas não sobre o que seria a causa dessa. Também o policlassismo traz consigo a presença de segmentos sociais que como tem papel social de liderança na sociedade, como a classe média (que tem sempre o papel no Capitalismo de burocracia, de gestão das instituições), assume um caráter de quadros, numa disputa figuras proletários com potencialmente mais gabaritado ao exercício da direção política do movimento. Porém, ao exercê-lo aplicam o programa política que corresponde não às necessidades do movimento, mas sim da sua consciência pró-capitalismo ou a favor do reformismo social.
Mas, o Socialismo é a estratégia acertada aos movimentos anti-opressão à medida que. por um lado, ao eliminar o objetivo das opressões, elimina sua necessidade, existir uma camada social a se sobre-explorar, e por outro, elimina as duas fontes/instrumentos da opressão o Estado e uma cultura que serve a minoria proprietária e o controle da riqueza e grande propriedade por essa minoria. Foi assim que os movimentos anti-opressão evoluíram sempre a posições socialistas, para percepção que o capital é sempre inimigo, e a cada batalha ganha, sem não houve uma derrota definitiva, ele se transformará em um inimigo mais forte e poderoso. Assim o Socialismo é a única alternativa de melhorias de condições dos oprimidos, um socialismo implantado pela via da ruptura social e do reformismo social.
A luta anti-opressão socialista deve se conjugar com a luta proletária para dar caráter de revolução permanente a luta socialista, na verdade, quer dizer que a revolução proletária pode e deve seguir um rumo permanente na construção das condições obrigatórias à transição das sociedades ao socialismo. As tarefas revolucionárias não se encerram com a implantação da ditadura do proletariado e da nacionalização da grande propriedade dos meios de produção num determinado país. A ex-URSS e os países do “Leste”, apesar de ter trazido grandes avanços a liberdades a grupos sociais nesses países, que antes se mantinham na retaguarda nos avanços sociais, não avançou totalmente, mantendo parcialmente ou retrocedendo gradualmente (especialmente após o stalinismo) numa série de discriminações (forte preconceito contra os gays, dupla jornada de trabalho às mulheres, etc).
O Socialismo herda do Capitalismo a consciência coletiva, o atraso social e os mecanismos econômicos que causavam a opressão e, portanto, acaba por parcialmente mantê-lo. A Ditadura do Proletariado e a nacionalizações da economia apenas abrem a etapa para construir as condições da superação da discriminação e da opressão. É necessário para a Revolução Socialista, ao mesmo tempo, completar as tarefas não concretizadas pelo capital e pela burguesia, usando sua força de maneira consciente para reorientar seus resultados a serviço da construção dessa tarefa e da tarefa de construir o socialismo e revolucionar as tecnologias, os padrões e métodos de produção, a organização e a estrutura produtiva, a gestão da economia, que desenvolverão a sociedade até o comunismo (esta sim sem nenhuma desigualdade ou elementos geradores dela). Somente outra forma de produção que atenda os interesses da maioria mais explorada da sociedade, a única camada social que luta legitima e consequentemente pelo Socialismo.
Não de maneira linear, mas por saltos. Medidas que serão de iniciativa do movimento de massas intensamente mobilizado, mesmo num Estado Proletário, o que, por sua vez, evitará os obstáculos a eliminação das opressões. A construção (transição) do modo de produção socialista se dá talvez mais distinta do que os outros modos de produção, da forma mais dialética possível, em permanente revolução.
Porque, por um lado, a burocracia defende parcialmente a nacionalização, o Estado Proletário e a industrialização desde que não ataquem os privilégios que obtiveram com o movimento socialista ou com a revolução. No outro pólo, somente o operariado é o grupo social desejoso do fim da exploração, da alienação do trabalho e do estranhamento, (desdobramentos naturais da existência do capitalismo e de seu processo produtivo), pois é o grupo social que mais sofre o flagelo deles. E, por outro, o próprio caráter Estado Socialista e os rumos da revolução somente estão garantidos pelos rumos e caráter da revolução econômico-social, isto é, pelo nível de desenvolvimento consciente da economia na sua respectiva sociedade após o início do processo revolucionário. Somente uma economia onde o aparato produtivo e os processos de trabalho são plenamente socializados permite a participação política ativa e soberana das massas proletárias.
Daí a importância de seguir numa perspectiva socialista do movimento anti-opressão o Programa de Transição, como preconizava Trotski (um dos primeiros marxistas que teve a preocupação com a questão das opressões): Lutar contras as direções burocráticas e pequeno-burguesas do movimento socialista e do movimento anti-opressão. Lutar pela combinação das lutas dos grupos oprimidos e do proletariado. Lutar pelo aprofundamento da revolução após a tomada do poder, que o Estado lute pela superação intelectual da discriminação com a garantia da diversidade, melhoria das condições dos seus vários membros e avanços tecnológicos que permitam a integração dos vários grupos sociais da comunidade. O Socialismo avançará a superação da desigualdade e das opressões.
Nesse sentido, o famoso prognóstico de Rosa Luxemburgo, que a última tarefa da Economia Política era a revolução socialista, é parcialmente verdadeira, ou melhor, a revolução socialista é o momento máximo dessa ciência, pois explica porque o Socialismo é um imperativo as sociedades sob o Capitalismo e como revolução é necessária para isso e como fará isso.
Referencial bibliográfico
O livro O Socialismo - de Paul A. Sweezy, economista marxista estadunidense.
O Programa de Transição - Leon Trotsky, revolucionário soviético
O livro A Nova Econômica - de Evgueni Preobrazhenski, economista e revolucionário bolchevique.
Nota:
[1] Efetuada tanto pela restrição legal a propriedade por grupos raciais (como o caso de certas partes da antiga África colonial, da Africa do Sul do regime do apartheid e atualmente ainda em Israel) ou mesmo subsídios financeiros ao colonos, dificuldade de regularização ou aquisição fundiária por meio de alto valores pecuniários, em resultado da baixa disponibilidade de terras ofertadas.
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
A Economia Política da Opressão: Capitalismo, socialismo e discriminação
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