sexta-feira, 5 de março de 2010

Crise mundial ganha nova dimensão: agora é os Estado que pedem ajuda

por Almir Cezar Filho

Nos últimos dias, os noticiários foram inundados com reportagens sobre a sublevação popular contra os pacotes econômicos na Grécia e outros países europeus, especialmente Portugal, Espanha, Irlanda e Itália, o tal dos PIIGs. A recente crise capitalista mundial, iniciada em 2007 e aprofundada em 2008, e que parecia ter arrefecido tomou uma nova dimensão. Se não se confirmou a catástrofe - não veio o colapso final, como previam os pseudo-marxistas ou os estupefatos e apavorados economistas burgueses - porém, transformou-se em uma crise de estagnação e das dívidas públicas. A crise entrou em um novo patamar. E o povo está sendo penalizado pelo ajuste fiscal.

Com toda a razão estão o povo nas ruas. Há um grave erro nas abordagens que focam nas dívidas e déficits, dando a entender que a causa de todos os males que levaram à crise seria o desregramento político e político-econômico e que o cidadão comum deveria pagar pela recuperação - estimulado pelo discurso da direita que é preciso cortar os gastos públicos, mesmo quando as economias passam por índices de desemprego ferozes, usando a Grécia como mau exemplo. Como se planos de austeridade, com cortes nos serviços públicos e salário dos servidores fossem resolver a crise. Primeiro, endividamento público e déficits não são geradores de crise mas sua consequência. Segundo, cortes de salários e serviços públicos não combatem crise e sim a pioram, diminuem a atividade econômica e a arrecadação de impostos. E terceiro, não foram os gastos com serviços públicos aos cidadãos comuns que levaram ao superendividamento, e sim o socorro aos bancos.



Esse novo patamar à crise deve-se justamente pois os Estados Nacionais burgueses acionaram seus dispositivos de ajuda ao mercado, desenvolvidos com as experiências das sucessivas e graves crise vividas no século XX, socorrendo bancos e grandes empresas. Contudo, ao fazer isso, agora é a vez da crise dos próprios Estados. E para agravar, são os Estados das economias centrais do capitalismo, justamente às economias que sofreram o maior baque. E a ameaça de default começa pelos elos fracos das economias centrais do capitalismo, a começar pela periferia da Eurolândia (zona de países da UE que adotam o euro).

A verdade é que a razão principal dos problemas da Europa - nem mesmo da Grécia, cujo governo ocultou seus problemas através da "contabilidade criativa". A verdadeira história por trás da sinuca-de-bico europeia não é a "libertinagem fiscal" de seus líderes, mas a arrogância das elites que obrigaram a Europa a adotar uma moeda única sem a devida integração e socorrer seus bancos e grandes empresas (e, por sua vez, que deixaram fazer o que queriam na bonança, lucrando fortunas).

Um exemplo, que os analistas estão errados é o caso da Espanha, que pouco antes da crise era anunciado como um país modelo de políticas fiscais. Suas dívidas eram baixas - 43% do PIB em 2007, contra 66% do Alemanha. Apresentava um superávit de orçamento. E tinha regulamentações bancárias exemplares, um item que vem sendo também apontado pelos "engenheiros de obra pronta" como elemento cuja ausência provocou a crise mundial de 2007.

Porém, a crise eclodiu e a bolha econômica da Espanha estourou. O desemprego disparou e o orçamento entrou em déficit profundo. Mas a queda brusca - causada em parte pela forma com que a crise refletiu na receita pública e também pelos gastos crescentes para limitar os custos humanos da crise - foi um resultado e não a causa dos problemas da Espanha.

Não menos curioso é o fato de que países europeus como a Irlanda e a Islândia, apontados antes da crise como modelos de desenvolvimento, foram exatamente os primeiros a quebrar.

Por outro lado, junto da questão fiscal há o problema do euro. Um moeda unificada sem um Estado unificado. As nações europeias apesar da ideologia que estão em construção de um "Estados Unidos da Europa", a União Europeia não funciona como um estado unificado, mas apenas como uma zona livre para o capital. O capitalismo contemporâneo desenvolveu a mundialização da economia mas ainda está sob a "camisa de força" dos estados nacionais, e apesar das crise serem cada vez mais mundiais, as burguesias não pretendem mudar essa situação, pois temem perder privilégios garantidos com tal estado das coisas. Mas isso não vai acontecer tão cedo. Os trabalhadores europeus precisam trabalhar para promover efetiva uma união política entre seus países.

O cenário muito negativo. O que provavelmente se verá nos próximos anos é um processo doloroso de lenta recuperação: Incentivos acompanhados de exigências de rígida austeridade, em um cenário de muito desemprego, perpetuado pela deflação dolorosa.

Mas o mais é importante compreender a natureza do maior defeito dos PIIGs como da Alemanha, França e mesmo os EUA. O problema fundamental não foi a "irresponsabilidade fiscal" mas sim a arrogância, que o mercado seguiria sem crises (e no caso da Europa a crença de que a Europa poderia trabalhar com uma moeda única). Com tal cenário mesmo os economistas medalhões estão em desespero, veem um a um dos grandes países cair, o próximo parece ser a Inglaterra, sendo que os EUA não estão muito distante disso também.

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É Piigs ou Piiigs? Inglaterra também se junta ao grupo
Monitor Mercantil

Nova bola da vez da crise européia, Inglaterra assusta mais do que Grécia
Apostando que o problema financeiro em que se arrasta a Europa, em especial na Grécia, não será resolvido no curto prazo, o Citibank passou jogar as luzes também sobre a Inglaterra.

Em artigo para o jornal britânico Financial Times, o economista-chefe do Citigroup, Willem Buiter, comparou a situação econômica da Inglaterra à da Grécia. Para ele, "existem boas razões para a fraqueza e volatilidade da moeda inglesa".

Caso desta vez o Citi esteja correto, significará um duro desdobramento para a crise na Europa, já que o mercado inglês tem peso muito mais relevante que o conjunto dos países do Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, na sigla em inglês).

Na véspera, a moeda inglesa, a libra, caíra 1,6% em relação ao dólar. "A libra enfrenta o risco de uma recessão de duplo mergulho e o Banco da Inglaterra está à beira de ter de injetar nova liquidez para uma economia estressada, enquanto outros bancos centrais, como o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), preparam planos para enxugar o excesso de liquidez quando suas economias se recuperarem", advertira Ashraf Laidi, chefe estrategista de câmbio na CMC Markets em Londres.

O temor do Citi e da CMC é compartilhada por outros investidores, que temem que o Reino Unido, com sua debilitada economia e elevado déficit, se torne o próximo foco do mercado financeiro.

O Citi, que foi duramente atingido pela crise ano passado, aproveitou, no entanto, para operar o mercado cambial do ...Brasil. A instituição, que não revela sua exposição nas operações nos mercados futuros de câmbio, elevou sua previsão para a cotação do dólar para o final do ano no Brasil, de R$ 1,80, projetada em fevereiro, para R$ 1,85.

O Citi também alterou seu palpite para o déficit nominal em relação ao PIB. Em fevereiro, a previsão era de déficit de 2% do PIB, reduzida agora para 1,8%. Para superávit primário, o banco manteve a projeção de 2,3%, tanto para este como para o próximo ano.

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FRANCIS FUKUYAMA: "A Europa toda está no mesmo barco"
Monitor Mercantil - 02/03/2010

"Seria melhor que o problema da Grécia fosse resolvido dentro da UE. Mas não existe consenso".

Bruxelas - "É uma grande vergonha que a oportunidade da crise econômica tenha sido perdida. Nos EUA, o Obama não teve a coragem, e sequer a União Européia conseguiu voz uníssona para poteger os "elos fracos" da Zona do Euro, como a Grécia. Foi um erro da Alemanha não assumir suas responsabilidades, e o Fundo Monetário Internacional não é ferramenta européia", diz o "evangelista" dos neoliberais Francis Fukuyama, que já mudou muito em suas idéias, votou Obama e quase arrependido acredita que algo deve mudar no modelo capitalista.

Em 1992, Fukuyama proclamou o fim da História. O cosmos, sustentava em seu livro O fim da História e o último homem, convergia ao modelo ocidental do capitalismo neoliberal e não era mais preciso que o mundo se preocupasse com os eventuais choques das grandes civilizações.

Com ponto de partida a queda do Muro de Berlim, seu livro tornou-se a bíblia do neoliberalismo. Desde então, as guerras nos Bálcãs, o 11 de Setembro e a invasão no Iraque fizeram com que a edificação ideológica de Fukuyama começasse a ranger e ele mesmo precisou, várias vezes, esclarecer que "o fim da História não é um processo automático". Ainda insiste que a História já terminou.

Como ele diz, "a crise econômica pode ter revelado as deficiências e as fraquezas do modelo capitalista que vigora, mas a fraqueza política para mostrar que algo novo existirá provou que não existe alternativa neste modelo".

E prossegue: "A crise mostrou que existe problema nos irregulares mercados de capitais e no modelo anglo-saxônico que alavancam os EUA e a Grã-Bretanha. Na década de 1980 resultou em grande crescimento, mas a crise atual mostra que o setor financeiro é muito perigoso. E isto porque os bancos podem impor riscos ao restante da economia, algo que não acontece com o setor de serviços, por exemplo. Não temos alternativa, mas devemos encontrar um novo mix, a analogia correta entre mercado e Estado sempre, obviamente, dentro do âmbito da economia de mercado e de um sistema democrático".

Armadilha européia
O que será que pensa o professor de Economia Política Internacional na Escola de Avançados Estudos Internacionais Paul H. Nitze da Universidade John Hopkins sobre o caso da Grécia?

"A tentativa européia inteira de interdependência econômica provou-se, claramente, não funcionar. Existem pontos fracos como aquele que quando você se torna país-membro da União Européia, tudo é tema de competitividade fiscal. Esta é a armadilha em que caiu a Grécia e outros países-membros".

Quanto aos jogos dos especuladores contra a Grécia, reconhece que existiram. Entretanto, acrescenta: "Os especuladores não vêm sozinhos, se você não tiver já um problema".

Fukuyama leu - não lembra onde - que na "Santa Trindade" dos monitores da economia grega está incluído o Fundo Monetário Internacional. Mas não considera que trata-se do "dedo" de Washington.

"Não é a entrada dos EUA pela porta de trás e sequer poderia ser, porque o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional é um socialista francês; Dominique Struss Khan é um apóstata das políticas de frugalidade fiscal que aplicava o Fundo Monetário Internacional no passado. Em todo caso, não é ferramenta européia. Simplesmente, a Alemanha não quis erguer seu corpanzil e assumir a responsabilidade."

"Seria a melhor solução, o problema da Grécia ser solucionado dentro da Europa. Mas, aqui, tem razão Paul Krugman: "Não existe consenso na Europa e vocês todos estão no mesmo barco". Mas isto não é o único problema da Zona do Euro. O caso da Grécia, com os falsos dados estatísticos que dissimulavam o déficit, mostrou que é necessário maior monitoramento por parte da União Européia. Contudo, não penso que a União Européia aprendeu a lição. Creio que a discussão deverá ser em torno de quem ingressa no clube europeu e o que acontece quando transgride os cânones, isto é, se o expulsam do clube ou não".

Crise perdida nos EUA
"Nós, também, estamos endividados. A recuperação precisará de tempo, dois ou três anos ainda. Mas o pior é que a crise foi perdida. Não foi realizada nenhuma reforma séria nos cânones do sistema, enquanto precisa-se regulamentar o mercado financeiro", diz.

"Hoje, precisa-se outro New Deal. Esta era a esperança quando foi eleito Obama, a mudança para uma política mais progressista. Mas a nossa crise não sinalizou uma mudança à esquerda, com ocorreu com Roosvelt, em 1932. Apesar do pacote de seus incentivos, Obama não conseguiu passar a maior parte de sua agenda, para a saúde, energia e mudança climática. Obama não leu corretamente o amplo mandato eleitoral que recebeu. Era mais votos contra Bush do que a favor de uma política mais progressista", sentencia.

Francis Fukuyama (nipo-norte-americano de terceira geração, nascido em Chicago, em 27 de outubro de 1952) foi um dos fundadores do Movimento Neoconservador nos EUA; contudo, rejeitou o militarismo de Bush e de seus parceiros e hoje confessa, publicamente, que votou Obama, embora já se declare decepcionado.

"Não me arrependo por ter votado em Obama. Creio que seu fracasso tem a ver com o fato de que misturou muitos homens heterodoxos, com pontos-de-vista diferentes, em seu grupo e agora é instado a fazer suas opções entre os grupos que o apoiaram".

E continua: "Sou mais pessimista do que nunca com relação aos EUA. Em meio a uma grande crise econômica, o sistema mostrou-se incapaz de tomar decisões consideráveis, conforme já mostrou o fortalecimento dos republicanos em novembro. As épocas exigem consenso. Não é cedo para alguém acreditar que Obama tem fracassado.

Talvez. Mas também Bill Clinton conseguiu sair de uma grande catástrofe dirigindo-se ao centro. "Não estou absolutamente seguro de que Obama pode fazer o mesmo, porque é preciso fazer readequações, entre os mais a esquerda e os de centro. Deve, contudo, fazê-lo, porque já começou a perder os homens que o apoiaram inicialmente".

No passado, acusaram Fukuyama que de marxista tornou-se determinista econômico. Será? Estes dias percorreu Marx. "Nunca fui marxista, mas hegeliano. Entretanto, ultimamente, me problematiza seguidamente a pergunta "qual é a correta analogia entre o mercado e o Estado", porque existe problema com a plena deformação. É preciso mudança urgente".

Mary Stassinákis - Sucursal da União Européia.

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