segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crise agrícola mundial: a culpa é do agronegócio!

por Almir Cezar Filho

A crise econômica mundial parece que é formada por três crises diferentes mas combinadas. Uma crise energética mundial, uma crise financeira mundial e por fim, uma crise agrícola mundial. A culpa da crise agrícola não está num suposto descompasso na última década entre produção mundial de alimentos e aumento do consumo e sim na crescente monopolização da produção de bens agrícolas proporcionado pela agroindústria e pela commoditização desse mercado.

As mudanças na trajetória dos preços

A crise agrícola é explicada pela mídia e os economistas convencional como resultado de um processo de desproporção entre oferta e demanda mundial de alimentos. Esse seria resultado, por um lado, da negligência ou ausência de políticas públicas para estímulo da ampliação da produção agrícola e, por outro, a incorporação de novos consumidores ou aumento do consumo de alimentos devido aumento da renda mundial e diminuição da pobreza, devido o crescimento econômico recente em vários países periféricos, especialmente China e Índia, outrora exportadores, agora são importadores de grãos. Contudo, é só ver que gráfico com a série estatística das últimas três décadas que curvas do volume mundial de grãos e de consumo, com raras exceções, andam simultaneamente.

Tudo bem que a China outrora país agrícola onde até duas décadas atrás mais de 80% estava no campo, passou a incorporar na vida urbana uma massa de milhões de pessoas, mas esses consumidores novos não ficaram sem alimentos vindos de outras partes do mundo. E que as políticas públicas de segurança alimentar no período foram uma vergonha.


Na verdade, a questão da trajetória altista nos preços é causada por uma série de mudanças, mas que não estão na mudança na demanda mundial de alimentos. De início é preciso destacar que houve sim nos anos 2000 recomposição dos preços reais, que tinham uma trajetória de queda a vários anos.




Em segundo lugar, ocorreu mudança entre os países que cumpriam papel de exportadores e importadores; países exportadores passaram a ser importadores (caso da China), mas houve ingresso de novos países exportadores (países do Sudeste Asiático, África, etc) e ampliação do volume de outros que já eram exportadores (Brasil, etc). Mas com resultado zero, entre saída e entrada de grandes exportadores.

O que houve realmente foi um descolamento entre os preços dos alimentos e matérias primas agrícolas e a relação entre oferta e demanda. A variação dos preços deixou de acompanhar o equilíbrio de mercado.


Aí sim entra um aspecto da crise agrícola mundial, marcada pela alta dos preços dos alimentos, não é gerada pela falta em termos absolutos dos produtos agrícolas, mas apenas por preços crescentes ou em patamares maiores que a renda dos consumidores mais pobres. Impactando em toda a cadeia de custos da economia, à medida que alimentação é parâmetro de inflação, definição de salários e componente de matéria prima de outros produtos.

Mas o que explicaria a alta dos preços agrícolas, senão é diferença entre oferta e demanda?

Duas forças vêm atuando nesse fenômeno e pode ajudar a explicar: os produtos agrícolas viraram cada vez mais commodities e a baixa do dólar/ alta do petróleo.

Os produtos agrícolas passaram a ser commodities (do inglês, commodity, mercadoria), mercadorias padronizadas, que têm seu preço cotado em bolsa de mercadorias e futuros. Essa bolsa um tipo de mercado financeiro especial onde não se compram ações de empresas ou empréstimos, mas se negociam opções futuras (com meses de antecedência) das mercadorias. São commodities o ouro, o aço, o minério de ferro e produtos agrícolas, como o café, o trigo, a soja, etc.

Os preços reais e correntes dos produtos agrícolas acabam acompanhando o preço das cotações futuras. Além disso, essa cotação é internacional. Uma alta lá fora impacta no preço dentro do país. Uma expectativa de alta nos meses no futuro empurra para cima hoje o preço da mercadoria. E como essas mercadorias são cotadas em dólar, uma valorização dessa moeda frente à moeda nacional, empurra para cima o preço desses produtos.

Como qualquer mercado financeiro, na bolsa de futuro se especula com a cotação dos preços. O negócio é “comprar na baixa, para vender na alta”. Operando como a jogatina que vemos na bolsa de valores, onde se transaciona ações de empresas. O preço das commodities está sujeito a intensa especulação financeira, não se relacionando com questões do mundo real.

Como o especulador ele tenta ganhar se antecipando aos demais apostadores, ele sempre age segundo suas expectativas quanto ao futuro. Essas expectativas são formuladas olhando para o mundo real, com base a notícias, informações.

Muitas vezes, por medo ou desconfiança em outros mercados financeiros, ações ou derivativos, os investidores financeiros podem correr para as commodities na tentativa de proteger seu dinheiro. Inflando seus preços pelo excesso de procura.

O excesso de liquidez internacional, isto é, por conta dos lucros e do crescimento mundial no último período, havia mais dinheiro nas economias do que negócios para se investir. Os governos para manter o crescimento econômico mantiveram as taxas de juros internacionais muito baixas, especialmente dos EUA. Os investidores acabaram trocando os títulos de dívida por aplicações em commodities, ainda mais nos dois últimos anos, quando a taxa de lucro das empresas vinha dando sinal de queda, e o mercado de ações e derivativos (títulos de empréstimos a empresas) tornou-se um mau ou mais arriscada aplicação.

Houve então uma disparada das commodities, reforçada pela impressão de elevação da procura mundial de alimentos e problemas com o preço de alimentos que podem servir como agrocombustíveis, como era o caso principalmente do milho, devido a política do Governo dos EUA sobre o etanol. Mas é mais impressão, ou mesmo uma especulação.

O problema também envolve a questão do câmbio e do preço do petróleo. O dólar no mundo inteiro anda caindo. Essa queda no valor foi compensada pelo traders de produtos agrícolas pela elevação do preço em dólar.

Também houve aumento nos custos de produção vinculados ao aumento do preço do petróleo. Mais de 40% dos custos agrícolas estão associados a combustíveis, tanto no transporte como no maquinário. Ainda há custos agrícolas vinculados a petróleo tanto na dedetização e fertilizantes, ambos derivados do petróleo. Custos que foram repassados ao consumidor aproveitando que no período foi possível transferir para o preço e manter as vendas no mesmo patamar.

Mas somente em um mercado monopolizado permite que o produtor transfira totalmente ao consumidor, via preço, um aumento dos seus custos que lhe traria caso contrário uma redução dos lucros. Num mercado monopolizado, com poucos ofertantes obriga aos demandantes aceitar muita coisa, pois não têm opção de alternativa de oferta.

O mercado agrícola não era até recentemente tão monopolizado, especialmente na produção de alimentos básicos. Isso foi uma conseqüência do surgimento do agronegócio.

O agronegócio ainda trouxe consigo a ênfase da produção voltada ao commodity, o que por sua vez tem os custos com maquinários e os custos vinculados ao petróleo (combustíveis, fertilizantes, lubrificantes e inseticidas), que também é um commodity.

Veja a continuação deste artigo Crise Agrícola: a culpa é do Agronegócio (2)

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