segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crise Agrícola: a culpa é do Agronegócio (2)

por Almir Cezar Filho

Este artigo é a segunda parte do artigo Crise Agrícola Mundial: a culpa é do Agronegócio, que pretende apresentar a tese que a recente crise agrícola mundial, com a explosão no preço dos produtos agro-pecuários não foi produto de choque de safras ou redução das áreas de cultivo, mas sim da expansão do modelo de agronegócio sobre a agricultura em todo mundo.


Na primeira parte apresentou-se dados que comprovam que a inflação nos preços agrícolas não foi resultado de um choque ou de demanda ou oferta de produtos agrícolas, que na verdade a curva de preço vem seguindo um trajetória distinta da curva de mercado, mas que acompanha a expansão simultânea do monopólio agroindustrial e da commoditização no setor, acrescido de duas outras ocorrências no período recente, a desvalorização mundial do dólar e a alta persistente do barril do petróleo.

A culpa é do agronegócio. Mas o que é o agronegócio?
Se o grande culpado pela recente crise agrícola mundial é o agronegócio, o que é o agronegócio? O agronegócio é a aliança entre os grandes fazendeiros, com as empresas transnacionais do agro, que controlam os insumos agrícolas, o mercado e os preços. Fica com os brasileiros o passivo ambiental, a sobre-exploração de nossa mão-de-obra e uma parte da mais-valia gerada na agricultura, mas o volume maior fica com as empresas transnacionais.

É um modelo de produção agrícola incompatível com a reforma agrária, com a produção de médias fazendas para a produção interna e a agricultura familiar. É um modelo que prioriza a monocultura, a associação com as empresas estrangeiras e as exportações.

A divisão de papéis entre a burguesia brasileira e internacional
Nesse arranjo as empresas transnacionais ficam com o controle das traders (Monsanto, Cargill, etc), das empresas de alimentícias industrializadas (Nestlé, Parmalat, Quaker, etc), das empresas de máquinas e implementos agrícolas (McNelson, etc), dedetização e fertilizantes. Os brasileiros entram com as fazendas.

O agronegócio no Brasil é apenas mais uma faceta da atual situação de nossa economia, que está cada vez mais colonizada e concentrada na distribuição de renda e riqueza. Se olharmos, as maiores empresas, que controlam a produção e o comércio no Brasil, veremos que as 200 maiores empresas controlam a maior parte da economia. O mesmo ocorre na agricultura, as 50 maiores empresas controlam mais de 60% do PIB agrícola, sendo que a maior parte delas é estrangeira.

O agronegócio não é bom para o desenvolvimento do Brasil
Nas últimas duas décadas os sucessivos governos nos países capitalistas periféricos fizeram uma opção clara pelo agronegócio. Aderiram a ilusão de que aumentar as exportações agrícolas do agronegócio seria benéfico ao seus países. Contudo, esqueceram que nos 400 anos anteriores o modelo agroexportador só produziu pobreza e desigualdade social. A exportação de matéria-prima não desenvolveu nenhum país na história do mundo. É justamente esse o mecanismo que o capital internacional usa para espoliar as riquezas naturais da periferia.

Para comprovar que não é a agroexportação que enriquece um país, vejamos uma comparação no Brasil: a Embraer, empresa aeronáutica, uma indústria de ponta, exporta atualmente ao redor de 5 bilhões de dólares por ano, o que é um valor superior a todas as exportações anuais de carne bovina e derivados, resultantes de 240 milhões de hectares e de um rebanho de 250 milhões de cabeças de gado.
Sabedor disso, mais cúmplice do agronegócio, o governo brasileiro foi o que mais defendeu a abertura do comércio mundial agrícola, a chamada Rodada Doha. O Brasil, felizmente derrotado, defendeu a abertura do mercado dos países centrais, Europa, EUA e Japão, para aumentar as exportações de matérias-primas agrícolas, mesmo que para isso cedesse abrindo ainda mais o mercado brasileiro aos produtos industrializados estrangeiros.

As consequência sociais nefasta
Outra característica, o agronegócio se expande à custa do pequeno produtor familiar, que não consegue mais competir e perde suas terras. Mas também esse mesmo agronegócio precisa dessa mão-de-obra que perde terra, empregando-a sob salários baixíssimos e jornadas extenuantes, quando não utilizando sob a forma de trabalho escravo – a cada dia, bolsões de trabalhadores escravos aparecem no Pará, no Amazonas, Mato Grosso, em tantas partes do país – principalmente em regiões que não se consegue competir com fazendas mecanizadas do Sul e Sudeste.

A retomada do trabalho escravo ou análogo na fazenda brasileira e em vários setores da agroindústria também é consequência do modelo agrícola voltado à hegemonia do agronegócio. Existe um nível extenuante de jornada de trabalho na agroindústria, como na indústria da soja, para não falar da cana-de-açúcar, onde trabalhadores têm de cortar 10 ou mesmo 15 toneladas de cana por dia, o que leva freqüentemente a mortes no trabalho. Há um processo de intensificação do trabalho, lesões por acidente ou esforço repetitivo, sofrimento pelo medo do desemprego. Falta de direitos e de condições de trabalho.

Acelera-se a já enorme concentração da propriedade da terra. Agora com um novo agravante, à medida que muitas empresas transnacionais estão comprando terras também. No mínimo mais de 20 milhões de hectares já teriam sido desnacionalizados no Brasil. Só o Daniel Dantas, o mega-fraudador do escândalo da Operação Satiagraha, conhecido como testa-de-ferro teria comprado 600 mil hectares no Pará. No RS, três empresas papeleiras compraram em três anos quase um milhão de hectares. As transnacionais passam por elas mesmas operar na agricultura.O que num segundo momento levará a ruína dos próprios grandes latifundiários do agronegócio.

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