segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Por que a crise é menos grave no Brasil e nos BRICs do que na Europa ou EUA?

Por Almir Cezar Filho

Um aspecto interessante da crise atual é a diferença de impacto desta entre, de um lado, os EUA, União Européia e Japão e, do outro, países dos BRICs e ditos “emergentes”. Houve mudanças no Capitalismo mundial que levou a uma modificação na divisão internacional do trabalho que se torna visível apenas agora com a crise.

A crise se manifestou inicialmente como estouro do “bolha” nos EUA do mercado imobiliário e financeiro de subprime e hipotecário. Contaminou os bancos de investimentos e bancos comerciais, chegando no Canadá e no outro lado do Atlântico (em maior medida) e no outro lado do Pacífico (menor medida). Já na China, Índia, Brasil e Rússia, ela se manifesta muito mais nas bolsas de valores e com ainda poucos sinais no restante do mercado financeiro bancário e no setor real da economia. Os poucos sinais no setor real estão ligados a temor de desaquecimento do consumo, especialmente no caso de exportação e de consumo interno ligado a crédito facilitado, e restrições ao financiamento internacional e crédito para investimentos.

As bolsas dos BRICs e dos “emergentes” caem por algumas razões, todos ligados ao pânico dos especuladores internacionais. No início da crise, ainda no ano passado, com o estouro da “bolha”, as bolsas desses países se tornaram um refúgio para os fundos e bancos de investimentos, só que agora o pânico é grande, e as empresas desses países por conta da generalização da crise devem ter queda em seus lucros. E também, até agosto desse ano esperava-se apenas que os EUA iriam entrar em pequena recessão e não que o mundo, especialmente os países centrais, iriam mergulhar juntos, assim o Brasil, Rússia, etc, poderiam ser um transitório refúgio ou meio de recuperar as perdas.

O porquê da queda acentuadas nos BRICs nas bolsas

As ações estavam em alta nos BRICs já a alguns anos e com viés de crescimento. As taxas de lucro estavam em trajetória de expansão, tornaram-se atrativas. As empresas nacionais dos BRICs aproveitam para terem ganhos em cima disso, realizando IPOs (abertura inicial de ações) e expansões das subscrições acionárias, não apenas para financiar investimentos, mas para ter ganhos na sobrevalorização de ações. Como diz o ditado no mercado financeiro: “a bolsa sobe no boato e caí no fato”. O fato é que os lucros não cresceriam tanto e a tendência agora é o contrário é de redução no pagamento dos dividendos.

A diferença entre China e Brasil e qual a alternativa para o Brasil

Isso explica porque no Brasil a queda na bolsa é pior dos que no resto dos BRICs. O Brasil entre esses países é o que possui o mercado financeiro e de bolsa mais sofisticado. A Bolsa de SP movimenta em bolsa inclusive valores superiores que as bolsas dos outros BRICs, mesmo Xangai (excetuando Hong Kong, particularmente muito vinculado mais ao movimento do Japão e dos tigres asiáticos do que da própria China). O vínculo também entre bancos, fundos de investimentos e empresas é muito maior.
Mas a China será a que deve mais sofrer com a desaceleração da economia dos EUA. O temor do mundo é exatamente isso. Por um lado, a China é a grande exportadora do mundo, tendo seu principal mercado consumidor justamente os EUA, que também é a economia cujas empresas são os maiores investidores na China. A expansão do PIB chinês é fortemente puxado pelas exportações de manufaturados, numa proporção muito menor do que dos outros BRICs. Por outro, o pânico no mundo também é explicado, pelo fato (ou que avaliação), que embora a economia chinesa seja uma (nova) locomotiva do mundo - e pode até explicar porque a crise não se disseminou pelo mundo de maneira mais rápida - não teria condições de compensar a recessão dos EUA.

É nessa característica que diferencia o Brasil da China. A economia brasileira cresceu nos últimos anos puxado muito mais pelo mercado interno – crédito facilitado ao consumidor, crescimento da renda do trabalhador, projeto de investimentos privados e programa de investimentos públicos – do que pelo mercado externo. Significa que em segundo momento o Brasil pode estar em melhor condição que a China, desde que a equipe econômica do Governo Lula, identificada com uma visão macroeconômica neoliberal e financista não erre a mão, puxando o freio do PIB, numa avaliação equivocada de que para diminuir a crise seria preciso desacelerar a economia ou manter altas as taxas de juros para reter dólar aqui.

Na verdade, a melhor maneira de diminuir a crise no Brasil é o Brasil crescer. A previsão do crescimento do PIB para o ano que vem era de mais de 5%, mas a avaliação após agudização da crise em agosto/setembro foi para menos de 4%. Se houver uma generalização de redução do crescimento as empresas suspenderão seus investimentos e as famílias compras programadas - por medo de prejuízos, menor lucro e medo do desemprego ou inadimplência - empurrando como uma bola de neve o PIB para baixo. Aí, a bolsa cairá de vez. As empresas venderam menos e demitirão. Os dólares fugiram – com impacto nas taxas de juros (para retê-los) e nos preços (inflação via desvalorização do real, elevando os preços das commodities. O Brasil precisa crescer no ano que vem para fugir da crise.

A nova divisão internacional do trabalho e o subimperialismo dos BRICs


Estamos falando dos BRICs – a duas décadas atrás expressão nem existia. O que aconteceu foi uma mudança no capitalismo mundial. Uma mudança na divisão internacional do trabalho. Mas será agora na crise que veremos uma reconfiguração enorme no sistema.

Parafrasendo André Gunder Frank, as maiores mudanças qualitativas na divisão internacional do trabalho ocorrem num período de crise da acumulação e capital, e que essas mudanças são, então, quantitativamente aumentadas durante um período seguinte de expansão, que foi facilitado por elas. Esses movimentos ascendentes ocorreram, evidentemente, depois de crises anteriores (no caso, a crise mundial dos anos 70 e 80), veremos tão logo a crise seja seguida de uma expansão ou uma atenuação da crise.

Embora quantitativamente essas mudanças na DIT sejam mais visíveis durante os períodos de ascensão do grande ciclo, qualitativamente elas parecem concentrar-se no momento de crise e nos primeiros anos do movimento descente. É então que ocorre uma luta séria pelos mercados, luta essa que também se baseia numa mudança relativa nas forças produtivas entre potências econômicas, tal como aconteceu em fins do século XIX, com a ascensão ao lado da Inglaterra e França, de países como Alemanha, Japão, EUA e Itália. Essas novas transformações qualitativas na DIT são claramente percebidas com maior definição após os anos 70 com a Europa Ocidental e Japão, e agora com os BRICs.

Um aspecto de tais modificações é o desenvolvimento do subimperialismo, como Ruy Mauro Marini analisou, como referência ao Brasil. O caso brasileiro não é excessão, visto o BRICs e outros países como África do Sul e México. O subimperialismo do Brasil só pode ser do interesse da potência imperialista. É competidor e aliado. É instrumento, mas do tipo faca de dois gume, gume cortante, no qual enfrenta o imperialismo mas também esse atua nas neocolônias através do subimperialismo. O interessante também que as potências centrais (EUA, UE e Japão), embora competidoras entre si, elas também têm interesses comuns, convergentes, numa região, que o subimperialismo indiano, chinês, russo ou brasileiro, pode proteger, conciliando assim.

Esse novo papel estão vendo agora, e veremos ainda mais no próximo período. A primeira mostra é a manifestação desigual dos efeitos da presente crise nos países industrializados.

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