quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Por que não saí do papel as barcas em São Gonçalo?

por Almir Cezar

A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) constatou a viabilidade econômica para criação de 11 linhas de barcas na Baía de Guanabara, que poderiam melhorar a mobilidade na Região Metropolitana, entre ela a quase mítica linha São Gonçalo-Rio (clique AQUI para ver o relatório). Apesar da viabilidade em si, há outros fatores, que atuam para que o governo do estado não as tire do papel.

O transporte hidroviário de passageiros tem como vantagens, segundo BNDES (1999), tais como baixo custo de operação por usuário, alta previsibilidade do tempo de viagem, elevada segurança pessoal e quanto a acidentes, reduzindo índice de poluição por passageiros, capacidade de integração e desenvolvimento de regiões litorâneas e ribeirinhas, adequabilidade ao transporte de massa, investimentos em infraestruturas baixos e possíveis de serem compartilhados com outras modalidades multimodais. Considerando o crescimento demográfico da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), favorecido pela expansão de atividades portuárias, instalação da Comperj, da Petrobras; empreendimentos imobiliários e a saturação do sistema viário terrestre.

As linhas estudas pela Firjan somariam mais de 156 mil viagens de passageiros por dia, o suficiente para tirar das ruas 57.800 veículos. Entre as linhas propostas, cinco conectam o Rio de Janeiro ao Leste Fluminense; uma a Duque de Caxias, na Baixada Fluminense; quatro às ilhas do Governador e do Fundão; e uma Charitas a Itaipu, em Niterói. O impacto na economia seria a redução dos custos produtivos gerados pelos congestionamentos em R$ 4 bilhões anuais, nesta região do estado. 

Inúmeras vezes o governo do estado constatou a demanda para essa linha sim, mas sempre alega dois problemas: precisaríamos de uma licença ambiental para uma dragagem constante, porque São Gonçalo fica em uma área de assoreamento natural da Baía de Guanabara, e o trabalho teria de ser feito regularmente; a outra questão está ligada à conectividade viária da estação, prevista para ser no Gradim, com os demais pontos da cidade. No fundo, são problemas fáceis de contornar do ponto de vista econômico e de engenharia.

Além disso, são necessárias medidas além da construção de atracadouros e compra de embarcações. É preciso avenidas de ligação e outros modais de transporte que alimentem as linhas de barcas, integrando os bairros às estações. Mas mesmo elas não são difíceis de serem superados.

Mas afinal, por que o governo do estado não as tiras do papel? Vamos lá ver detalhadamente os dois principais motivos, interesse dos operadores e do comércio e do setor imobiliário local:

1- Interesse dos operadores

É claro que algumas ligações podem ser realizadas, mas é preciso fazer contas, ouvir o mercado. Estamos em um momento em que a CCR Barcas (empresa concessionária que administra o serviço de barcas) quer devolver o serviço, porque, alega a empresa, só a rota Rio-Niterói se sustenta. O governo do estado sempre alega ser preciso fazer estudos de viabilidade para saber que outras linhas são oportunidades concretas. Na verdade, é preciso, em um modelo privado, que as empresas se interessem pelo negócio, e esse é um dos grandes problemas nesse tipo de modelo de gestão e operação.

O atual modelo foi concebido para sustentar as empresas, não para beneficiar a população. Enquanto a tarifa zero favorece a uma melhor otimização do sistema. No modelo “roleta”, o empresário opta por rodar menos, com mais passageiros no veículo. Técnicos já recomendaram que as concessões sejam contratadas após definição, pelo poder público, quanto ao volume de passageiros a ser transportado e em quanto tempo. O valor pago a mais no IPTU de um imóvel de classe média para viabilizar a tarifa zero seria amplamente compensado com a economia que o empregador teria no vale transporte e, a partir de dois empregados, já seria favorável a ele.

No Brasil a Lei da Mobilidade Urbana já prevê subsídios para o setor. É um retorno garantido. Estudos mostraram por exemplo que o metrô de São Paulo, apesar de deficitário em R$ 300 milhões, mas esse investimento permite ao poder público economizar R$ 2 bilhões com a redução de acidentes, congestionamentos e outros problema.

Contudo, o que vemos é o uso antirrepublicano dos subsídios. Em 2013 o governador Sérgio Cabral conseguiu da Alerj o subsídio do reajuste das passagens das barcas em R$ 1,30, gerando gasto, aos cofres públicos, estimado em cerca de R$ 30 milhões/ano. Além do governo do estado ser obrigado a fazer os investimentos com compras de embarcações, o mesmo que faz com o metrô e trens urbanos. Apesar disso, a empresa CCR Barcas em chantagem anunciou ano passado a devolução da concessão.

Ano passado (2015), também choramingado, a Supervia, concessionária dos trens urbanos, conseguiu que Pezão pagasse sua dívida com a companhia de energia elétrica, também alegando necessidade de reequilíbrio financeiro. Sem, contudo, sua concessão ser retomada pelo estado.

A desculpa para os serviços ter sido privatizado era melhoria da eficiência, tarifas mais baratas e pôr fim ao emprego de recursos públicos, que seriam revertidos para saúde, educação e segurança pública. Curioso é que vivemos o contrário disso, em meio a falência do sistema público estadual de saúde e o atraso nos salários dos servidores.

As empresas controladoras das concessões são financiadoras das campanhas eleitorais dos políticos. Um grande ato de institucionalidade de corrupção. O governo aproveita o clamor da população, que quer melhorias no serviço, para transferir recursos públicos para iniciativa privada e manter a margem de lucro delas com aumento das tarifas e a manutenção do sistema de transporte público no modelo atual rodoviarista.

2- Interesse do comércio e do setor imobiliário local

Tanto em São Gonçalo quanto em Duque de Caxias há um problema urbanístico a resolver, porque os centros dessas cidades funcionam longe do contorno do mar, ao contrário da cidade do Rio e de Niterói. O centro de São Gonçalo tem uma série de comodidades, onde o sujeito chega, faz compras e vai para casa. Como fazer isso ao lado da Baía de Guanabara onde não existe quase nada de vida urbana?

Há todo um comércio e serviço e uma forte valorização imobiliária em torno às estações de trens urbanos em Duque de Caxias e aos principais corredores rodoviários nessa cidade e em São Gonçalo. Por sua vez, a circulação de pessoas moradoras desses dois municípios pelo centro do Rio e de Niterói acessando a Central do Brasil e os terminais de ônibus, aumentando a população flutuante local, logo, consumidora.

No caso de Niterói, um estudo do início dos anos 2000 feito a pedido da prefeitura, estiva que a população flutuante do seu Centro era de quase 2,5 milhões de pessoas, enquanto o município todo não contava então com 500 mil habitantes, segundo o IBGE. Provavelmente, oriundas de São Gonçalo, Maricá, Itaboraí, e outros municípios do Leste Fluminense.

Atualizado em 15/01/2015

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