Desigualdade regional e xenofobia: a combinação perversa do crescimento capitalista brasileiro
DAVID CAVALCANTE, ILAESE/RECIFE
• As manifestações públicas e violentas na forma de agressões escritas, verbais ou físicas, contra as minorias étnico-raciais ou regionais são apenas o lado mais ousado e repulsivo das ideologias reprodutoras das diversas formas de opressão existentes na sociedade capitalista das quais se utilizam as classes burguesas para reproduzir ou reforçar o seu sistema de dominação com vistas a sua acumulação de riquezas como classe dominante.
Também fazem parte deste repertório as formas ocultas ou manifestadas em ambientes privados como as piadas contra os “paraíbas”, as discriminações sobre as características linguísticas (“o português mal falado”), as formas de vestimentas ou a associação de comportamentos erráticos com populações de uma região, a exemplo da “preguiça do baiano” ou os erros no trânsito como “uma baianada”.
A burguesia se utiliza das diferenças sexuais, raciais, religiosas, regionais e do estímulo à fragmentação da classe trabalhadora para melhor exercer o seu poder de exploração e extração de mais-valia, e para isso, estimula a produção de falsas teorias que legitimem seu sistema de dominação. Dentre as ideologias que dão suporte ao sistema de exploração e dominação capitalista está a xenofobia que são as manifestações de aversão, discriminação ou ridicularização às populações migrantes de outros países ou mesmo de outras regiões de um mesmo país. A xenofobia está bem próxima das ideologias racistas de supostas superioridades raciais de uns povos em relação a outros.
Na história brasileira, a opressão regional e racial associadas às ideologias racistas e xenófobas sempre compuseram o mosaico de mecanismos de dominação das classes dominantes. Após o fim da escravidão, houve até a defesa de planos de embranquecimento da sociedade sustentados nas teses da eugenia, ou seja, o suposto melhoramento racial pela seleção genética. A organização da Sociedade Eugênica do Brasil foi a maior expressão desta ideologia supostamente científica de melhoramento racial da sociedade brasileira.
Por outro lado, não podemos desconsiderar e deixar de analisar as causas e consequências das reais desigualdades sociais e econômicas regionais no Brasil. Justamente para tomá-las como um dos elementos chaves para um processo de transformação social estrutural rumo ao socialismo, ou seja, não haverá nenhum projeto de transformação social sério no Brasil se não houver uma política para superar as desigualdades regionais. As desigualdades regionais existentes no Brasil de hoje são o reflexo da ausência histórica de uma política nacional para diminuir as diferenças sociais e econômicas herdadas do processo de colonização e de acumulação capitalista ao longo do Século XX.
Como o processo de industrialização foi impulsionado pelo Estado brasileiro, principalmente para superar os reflexos da crise de 1929, e mudar o padrão de acumulação anterior pautado no modelo agrário-exportador, o desenvolvimento capitalista se concentra na região sudeste, onde a burguesia dos barões do café era a mais forte econômica e politicamente. Desta forma, São Paulo cresce desproporcionalmente em relação ao conjunto do país e torna-se um pólo de atração para emigração de mão-de-obra de todo o país e principalmente do Nordeste.
Nos anos 60, 70 e 80 há um salto na imigração nordestina que é a resultante do crescimento industrial do sudeste com as crises das secas nordestinas, além do predomínio da monocultura agrícola e a expulsão das famílias camponesas pela via da acumulação latifundiária, combinados com o residual desenvolvimento industrial das regiões metropolitanas e a ausência de políticas sociais regionais estruturadoras. Esse processo não ocorre sem conflitos, basta buscar a história das poderosas Ligas Camponesas que lutavam pela reforma agrária nos anos 60 e que atingiram 13 estados do país.
A promessa do paraíso paulistano se deparou, no entanto, com um cada vez mais crescente contingente de mão-de-obra de reserva, gerando baixos salários, ausência de direitos, autos índices de exploração, trabalhos precários e uma vida marcada por discriminação, favelização e repressão, já que o regime militar enquadra o movimento operário e os sindicatos na Lei de Segurança Nacional.
Desta época, os “pernambucos”, os “paraíbas”, os “baianos”, os “cearás” e os “nortistas” passam a agregar cada vez mais, nos anos 70 e 80, a força de trabalho da indústria paulista e, ao mesmo tempo, constituir parte decisiva da classe trabalhadora residente na Capital e Região Metropolitana de São Paulo na geração da riqueza capitalista e do crescimento empresarial, e ser ainda o elo mais débil da cadeia de exploração, já que é a mão-de-obra menos qualificada e mais exposta ao desemprego e à exclusão social.
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