terça-feira, 5 de julho de 2016

Liberalismo e Conservadorismo na Direita Pós-Moderna

Ensaios sobre a Pós-Modernidade de Direita n° 9

Por Almir Cezar Filho

Há uma conexão entre Liberalismo e Conservadorismo, apesar do senso comum dizer em contrário e da vontade dos liberais. Amálgamas e quimeras ideológicas entre Liberalismo e Conservadorismo não são incomuns historicamente na Direita. Embora, a Pós-Modernidade isso venha se tornando a regra ou facilitada.

Não é exceção ou raridade na Direita figuras que defendem propostas conservadoras e tradicionalistas no campo moral e comportamental e no político, ao mesmo tempo medidas neoliberais e laissez faire para a economia. Essa conexão é mais explícita nos ideólogos das sociedades de desenvolvimento capitalista mais atrasadas ou semicoloniais, como é o caso do Brasil. 

Como os deputados da "bancada evangélica" como Marcos Feliciano, ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-candidato a presidente Pastor Everaldo, ou mesmo figura mais diretamente ligadas ao púlpito, como o pastor Silas Malafaia, etc, que combinam liberismo econômico e político com fundamentalismo religioso cristão. Ou figuras da "bancada da bala" que compatibilizam livre mercado com Estado militarizado e judicial, ao ponto de vasto saudosismo com a Ditadura Militar.

Tal como no passado, esse "casamento" é mais comum nas sociedades que não estão no núcleo central do Capitalismo e não é de hoje. Voltando no tempo, por exemplo, podemos verificar em Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, introdutor da Economia Política no país, como se edificou ideológica e teoricamente o liberalismo brasileiro, ainda no tempo de D. João VI, que combina, compatibiliza, e evoca, tanto a Bíblia como A Riqueza das Nações. 

Em 1818 afirmou que Adam Smith estava certo ao argumentar que, tanto para a metrópole como para suas colônias, o comércio livre era melhor que o monopólio.  O livre-mercado acelerava "o desenvolvimento do Plano da Providência", no qual, "em Mão Invisível preparava o Restabelecimento, não só da Ordem Civil, mas também da Ordem Cosmológicas" [1].

Isso se explica que ao longo do século XIX se fizesse a defesa pública da manutenção nacional da escravidão em termos liberais, desde defesa da propriedade privada e da liberdade empresarial [2]. E o agrarismo das plantations defendido por meio da teoria smithiana das vantagens absolutas e ricardiana das vantagens comparativas. Apesar, obviamente, o Liberalismo convencional condenar fundamentalmente essa modalidade de emprego da força de trabalho e ainda defender a reforma agrária [3].

Mas logicamente diferença entre liberais e conservadores. O liberal convencional difere do conservador, pois este admite restrições à liberdade política em nome do tradicionalismo, do organicismo e do ceticismo político.

Os tradicionalistas acreditam que a sabedoria política é de natureza histórica e coletiva e reside nas instituições que passam no teste do tempo. Os organicistas acreditam que a sociedade é maior que a soma dos seus membros e tem assim valor muito superior ao do indivíduo. E os cultores do ceticismo político desconfiam do pensamento e teoria aplicados à vida pública, especialmente quando direcionados para ambiciosas inovações [4].

Contudo, para a Direita, o antípoda do liberal clássico não é o conservador, seria sim naturalmente o socialista, que acredita que "cabe à sociedade redistribuir o produto do trabalho dos indivíduos e admite coerção política para garantir utopias igualitárias".

Por sua vez, os "liberais de esquerda", que acreditam na liberdade política, mas admitem intervenções econômicas, para a Direita, coloririam a fauna abundante dos "falsos liberais" [4].

Como apresentado em artigos anteriores dessa série, a Direita Pós-Moderna é calcada no utilitarismo filosófico. À medida que se consolida o utilitarismo, imprime uma nova conotação a busca da liberdade, que pode compatibilizar com as principais tendências conservadoras (tradicionalismo, organicismo e ceticismo político).

O utilitarismo tem, é verdade, um forte apelo liberal, já que um dos seus postulados fundamentais é que todos os indivíduos têm igual valor (nem sempre mérito a acessar iguais direitos). Ao mesmo tempo, diluí as preocupações do indivíduo em considerações sobre bem-estar geral [5].

Contudo, ao contrário, o Liberalismo convencional clássico e neoclássico é alicerçado em geral no positivismo, no jusnaturalismo e no funcionalismo. No utilitarismo o Direito, a Justiça, o Governo, e a própria Liberdade, estariam a serviço. A Liberdade não é absoluta em si. Em muitos casos, a serviço do Mercado, enquanto este como instrumento autorregulador da satisfação de necessidades e de provimento de autossatisfação [6].

Contudo, a possibilidade de florescimento individual dos cidadãos deve sempre estar na meta da ação dos governos (independentemente do sistema filosófico), e que projetos individuais, como ter família, uma profissão, ou assumir metas de longo prazo, dependem de estruturas sociais supraindividuais para que possam existir [6].

Extrapolando assim e indo em sentido contrário, portanto, do que preconiza o utilitarismo exclusivamente strito sensu liberal. Surge "espaço" para que essa lacuna seja preenchida pelo Conservadorismo ou por elementos ou aspectos dele. Não à toa, a disseminação de amálgamas e quimeras ideológicas combinando ambas.

Por isso, vê-se ampla disseminação na Direita Pós-Moderna, especialmente na extrema, o qual chamamos de Olavismo Cultural, de um libertarianismo econômico fundamentada na Escola Austríaca (uma corrente econômica e sociológica utilitarista e de Direita), combinado, por exemplo, com a defesa da família tradicional mononuclear, heteronormativa e patriarcal, justificada em base no fundamentalismo religioso, que à primeira vista contrária à essência do próprio libertarianismo.

Esdrúxulas combinações entre Bíblia e A Riqueza das Nações ressurgem na Pós-Modernidade para defender, como no passado, certas estruturas supraindividuais dominantes, no momento em perigo em decorrência do regular desenvolvimento social.

Obviamente, não apenas a elite econômica e seus intelectuais praticam essas quimeras e amálgamas. Ela penetra pelo tecido social, chegando e se depositando especialmente nas classes médias, mas indo mais, até classes mais pobres, com destaque aos subproletariados.

Por sua vez, a crise dos valores da Modernidade e do Estado e Política contemporânea combinada ao choque  diferentes setores com a revolução sexual e comportamental do Pós Segunda Guerra abriu uma adesão maior essa abordagem liberal-conservadora.

As elites mais periféricas do sistema de acumulação de capitais à margem do sistema de dominação (os latifundiários, os pequenos industriais, comerciantes, burocracias civis decadentes, profissionais liberais em desaparecimento, etc) passam a ser reserva dessa prática de reconstituir a "ordem" perdida. À medida inclusive que as elites centrais na dominação, como a burguesia financeira e grande industrial, seguem se beneficiando apesar da "desordem" social atual.

A crise do Estado, especialmente o descrédito de suas principais instituições, como os partidos, o Parlamento, o governo de gabinete, lança, como nos momentos de crise durante a Modernidade, a emergência da ascensão do bonapartismo.

Nesse passado recente, o bonapartismo era exercido por instituições de força e credibilidade, mas quase autônomas às instituições do centro do Estado e de tradição. Essencialmente as Forças Armadas cumpriam esse papel em geral. Mas contemporaneamente, esta também se desmoralizou ou busca após exercício contínuo do bonapartismo não mais se aventurar.

Nessa lacuna, ascendem outras instituições. Na nova normalidade de crise permanente, o mercado financeiro e imprensa cumprem o papel de instância de fiscalização, porém cercadas de ceticismo da opinião pública. Mas em momentos de anormalidade, ainda mais comum nos Estados semicoloniais, outras instituições, particularmente, as igrejas, sejam cristãs, muçulmanas, etc, ganham esse papel. Em destaque as igrejas fragmentadas, de leitura radicalizada do dogma e da tradição. 

Não a vertente principal, desgastada. São elas, as igrejas  pentecostais e neopentecostais nas três Américas, sejam as mesquitas na Europa, os madraçais e fraternidades no mundo islâmico, etc. Portanto, o fundamentalismo religioso vira o novo berço do bonapartismo. Um tipo novo, na verdade, mas não deixa de ser bonapartismo.

Se no passado recente residiu no nacionalismo e no racialismo a ascensão do fascismo. Cumpre esse papel de rival ao Liberalismo convencional e ao Socialismo esse novo fundamentalismo religioso combinado com libertariano econômico.

Notas e Referências:
1- Silva Lisboa, Memórias, p.2. 38.
2- Kirsten Schultz, Versalhes Tropical. Império, monarquia e corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821.  Civilização Brasileira, 2001.
3- Evarista de Morais Filho, "Prefácio", in As idéias fundamentais de Tavares Bastos, 2001.
4- Roberto Campos, "Merquior, o liberista", in José Guilherme Merquior, O Liberalismo antigo e moderno, p.31. É Realizações Editora, 2014.
5- Rafael Mafei Rabelo Queiroz, "Faz sentido um positivista escrever sobre temas morais", in Joseph Ratz, A Moralidade da Liberdade, Campus, 2011.
6- Joseph Ratz, A Moralidade da Liberdade, Campus, 2011.
7- José Guilherme Merquior, O Liberalismo antigo e moderno. É Realizações Editora, 2014.

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