quarta-feira, 20 de julho de 2016

Escola Austríaca é pseudociência

Desvendando os Limites da Escola Austríaca: Entre a Ciência e a Pseudociência na Economia

[Ensaios sobre a Pós-Modernidade de Direita n° 11]

Por Almir Cezar Filho

A maioria das proposições econômicas em que a nova Direita Pós-Moderna se apoia tem origem na Escola Austríaca. Entretanto, esta escola de Economia possui uma base que pode ser considerada não científica.

Originada no século XIX, suas proposições desafiam os métodos convencionais das ciências sociais, propondo uma abordagem dedutiva baseada na Praxeologia. No entanto, essa postura levanta questionamentos sobre a validade epistemológica e a capacidade explicativa das teorias austríacas, lançando luz sobre sua posição no espectro entre a análise científica rigorosa e a especulação sem fundamento.

Fundamentos da Praxeologia e Críticas

Nos últimos séculos, tanto a Filosofia quanto a Ciência entenderam que uma tese para ser considerada científica deve passar pelo crivo da verificação (ou falsificação). Isso implica observar simultaneamente a capacidade preditiva e explicativa das hipóteses científicas, bem como o potencial para surgirem novas evidências que as corroborem ou as refutem.

A Base Epistemológica da Escola Austríaca

Nas Ciências Sociais, esse procedimento se torna mais complicado devido à natureza do próprio objeto de estudo [1], especialmente devido à dificuldade em aplicar a mesma metodologia das Ciências Naturais (como o isolamento em laboratório e a realização de testes).

Nas ciências sociais, convencionou-se que a análise lógico-racional da cadeia de eventos estudados deve ser feita por meio do cotejamento com informações matemáticas, estatísticas e/ou fatos históricos. Além disso, o tratamento com base na transversalidade científica, isto é, o uso de teorias científicas consolidadas, principalmente de outras disciplinas (por exemplo, ao estudar Economia, é útil avaliar as hipóteses com o auxílio de teorias da Sociologia ou da Psicologia, entre outras).

A Relação entre Escola Austríaca e Pós-modernismo

Contudo, a Escola Austríaca e seu autor mais proeminente, Ludwig von Mises, desconsideram completamente esse procedimento. Ao contrário do que é generalizado na Ciência, eles insistem que as diversas manifestações do comportamento humano e social não podem ser racionalizadas de forma a serem avaliadas por meio desses quatro recursos analíticos.

Curiosamente, as pseudociências em geral, como Criptozoologia e Astrologia, costumam adotar uma abordagem semelhante.

Comparação entre Praxeologia e Heurística

Pseudociência é um conjunto de crenças ou afirmações sobre o mundo ou a realidade que erroneamente se considera ter base ou estatuto científico; também conhecida como pseudofilosofia. Refere-se também a um conjunto de teorias, métodos e afirmações com aparência científica, mas que se baseiam em premissas falsas e/ou não utilizam métodos rigorosos de pesquisa. 

Exemplos de pseudociências incluem pseudoarqueologia, pseudo-história, parapsicologia, cubo do tempo de Gene Ray, astrologia, criacionismo, design inteligente, ufologia, homeopatia, grafologia, efeito lunar, piramidologia e cristais, numerologia, criptozoologia e geologia do dilúvio. 

No entanto, as pseudociências não devem ser confundidas com protociências, áreas do conhecimento que ainda estão em estágios iniciais de desenvolvimento e pesquisa, buscando estabelecer métodos e fundamentos científicos sólidos. Elas se caracterizam por explorar temas que estão no limite entre a especulação e a investigação científica, muitas vezes envolvendo conceitos e hipóteses que ainda não foram completamente validados pela comunidade científica. Exemplos de protociências incluem a exobiologia, que estuda a possibilidade de vida extraterrestre, e a astrobiologia, que investiga as condições necessárias para a existência de vida em outros planetas.

Nem mesmo com as criptociências, que se referem a áreas de conhecimento que se apresentam como científicas, mas que carecem de evidências empíricas sólidas e não são reconhecidas como legítimas pela comunidade científica estabelecida. Geralmente, as criptociências baseiam-se em conjecturas especulativas, pseudociências ou teorias que desafiam princípios fundamentais da ciência. Exemplos de criptociências são bem controversos, como é o caso potencial da aqui já mencionada Homeopatia, que sugere que substâncias altamente diluídas podem curar doenças por conter própriedade físico-químicas ainda desconhecidas pelas ciência convencial, ou o caso mais conhecido da psicanálise


Considerações científicas

Dado que as teorias econômicas não podem ser testadas da mesma forma que as teorias físicas, devido ao fato de as pessoas não serem objetos inertes, não é possível realizar experimentos controlados cientificamente com elas sem alterar seu comportamento. Portanto, os princípios econômicos devem ser desenvolvidos apenas utilizando uma abordagem dedutiva.

A análise lógico-racional da cadeia de eventos, principalmente na Economia, deve ser feita por meio de um método que eles chamam de "Praxeologia". Para seus adeptos, a Praxeologia é comparável apenas à Lógica e à Matemática, a priori, sem testes, experiência ou fatos. Ao usar a Praxeologia, eles acreditam purificar completamente a teoria econômica de elementos como Estatística, História, Psicologia e outras Ciências Sociais.

O ponto de partida dessa abordagem aos fenômenos sociais e humanos surgiu com Carl Menger (1840-1921) na Universidade de Viena, que desenvolveu um componente separado da teoria da utilidade marginal. As ideias de Menger tiveram uma forte influência em um grupo que se formou em torno dele, conhecido como Escola Austríaca. Seus seguidores incluíam Joseph Schumpeter, Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek, que mais tarde desenvolveu a teoria da ordem espontânea.

Menger concordou parcialmente com Léon Walras e William Stanley Jevons sobre o princípio da utilidade na economia. Esse princípio e o próprio Utilitarismo foram bases tanto do Liberalismo na Política (as outras são o Jusnaturalismo, o Funcionalismo e o Positivismo) quanto de uma vertente da Economia, principalmente para o advento da Economia Neoclássica. No entanto, Menger viu a utilidade das mercadorias como uma medida não do prazer, mas de sua capacidade de satisfazer necessidades humanas, que variam de pessoa para pessoa, implicando numa teoria subjetiva do valor.

Por sua vez, Menger acreditava primeiramente na exclusividade da utilização da abordagem dedutiva sobre as hipóteses científicas em Economia. Em segundo lugar, acreditava que a Economia precisava focar no comportamento dos indivíduos em vez de grupos ou agregados, porque apenas os indivíduos podem agir e tomar decisões - o que implica que os indivíduos, e não os governos, se tornaram mais capazes de decidir o que é bom para eles.

Isso combinado com dois outros aspectos importantes relacionados às ciências sociais. Primeiro, uma forte crítica aos fundamentos e formalizações da Teoria Econômica, tanto de matriz Clássica como Neoclássica, alicerçadas nas três grandes tradições do Liberalismo, o Positivismo, o Jusnaturalismo e o Funcionalismo, e em suas respectivas metodologias.

Segundo, um repúdio epistemológico às demais Ciências Sociais, como a Sociologia, Antropologia, Psicologia, Ciência Política, Geografia e História. Nestas, o peso paradigmático estratégico do Liberalismo é menor, e é maior o do Socialismo ou do Reformismo social, ou mesmo de um Humanismo mais baseado na universalização de direitos sociais e na solidariedade econômica.

Curiosamente, na atualidade, nas ciências sociais, o peso da Pós-modernidade se manifesta à Esquerda. E na Academia e na intelectualidade cultural e artística em geral, vem ganhando cada vez mais espaço, ou até mesmo predominância, baseando-se inclusive na rejeição a essas metodologias hegemônicas, como já mencionado, principalmente do Positivismo, calcadas no objetivismo, no coletivismo, na heurística negativa e positiva, no determinismo e no universalismo.

Contudo, a Direita Pós-Moderna, seja o Olavismo Cultural ou o ultralibertarianismo econômico, acusa essa hegemonia socialista e reformista nas ciências sociais de “Marxismo Cultural”. Independentemente de a perspectiva metodológica marxista não ser hegemônica ou estar apenas parcialmente presente. Por sua vez, o aspecto teórico da Escola Austríaca, metodologicamente crítico às ciências sociais convencionais, acaba teoricamente apoiando a nova caça ao tal Marxismo Cultural, similar ao que o Macarthismo fez nos EUA, principal propósito das várias manifestações do olavismo.

Contraditoriamente, a Escola Austríaca tem como um de seus pilares científicos o subjetivismo metodológico. Curiosamente, o subjetivismo, assim como o individualismo, é um traço fundamentalmente comum no Pós-modernismo, mesmo o de esquerda - aspecto que reitera a conclusão de que o olavismo cultural e o ultralibertarianismo são variantes de Direita do Pós-modernismo, e como ambas compartilham semelhanças e sinergias.

O subjetivismo metodológico também ajuda a estabelecer outro ponto em comum entre o Pós-modernismo de direita, expresso na adesão à Escola Austríaca, e o Pós-modernismo de esquerda, na crítica às divisões classificatórias entre os indivíduos com base em critérios objetivos (como classes sociais, etc.) e aos mecanismos de governança objetiva (por exemplo, o Estado, etc.). Prefere-se as divisões classificatórias subjetivas com base nas identidades dos sujeitos. Outro aspecto é o individualismo metodológico, que diz respeito à análise da ação humana segundo a perspectiva dos agentes individuais.

Os meios e fins dos planos individuais têm sua origem na mente dos agentes, são imaginados e definidos pelas pessoas. É um subjetivismo "epistêmico" [2]: as expectativas, o conhecimento das preferências e as conjecturas são conhecimento falível e conjectural, imaginados pelos agentes; não sendo "dados" de antemão ao economista (e cientistas sociais em geral).

Portanto, os dois libertarianismos (de Esquerda e de Direita) se aproximam tanto em muitos campos que uma das versões mais radicais da Escola Austríaca, o AnCap do economista Murray Rothbard, é tão parecida com o Anarquismo, de esquerda, no antiestatismo e na defesa da organização exclusivamente espontânea dos indivíduos livres.

Porém, sendo assim, como é verificado (ou refutado) o que é explicado por meio da Praxeologia? Principalmente sem experiência e sem fatos a priori, e especialmente diante da dificuldade de explicar a posteriori sem enviesamento e ideologização?

Ao comparar a Praxeologia com a Matemática e a Lógica - a partir de axiomas inquestionáveis acerca da ação humana, são inferidos os fenômenos econômicos, militares, históricos - praxeológicos enfim, a que os seres humanos estão sujeitos. Entretanto, ignora-se que ambas, por sua natureza de linguagem ferramental, o teste de validade dos axiomas e teoremas, por exemplo, se faz por meio do seu próprio uso prático e efetivo pelas ciências e técnicas. Por fim, é uma grande falácia isolar a ação humana genérica da influência ambiental, acidental e individual.

Apesar de nobres intenções, especialmente a crítica ao Positivismo metodológico, ao determinismo, e da oportunidade de ser aperfeiçoada com base naquilo que repudia (Psicologia, História, etc), a Praxeologia não é cientificamente verdadeira e, por fim, inútil à Ciência Social na análise materialista da ação humana.

Não se deve confundir a Praxeologia com a Heurística (ou eurística), útil às ciências sociais. A Heurística é um método ou processo criado com o objetivo de encontrar soluções para um problema. É um procedimento simplificador (embora não simplista) que, diante de questões difíceis, envolve a substituição destas por outras de resolução mais fácil, a fim de encontrar respostas viáveis, ainda que imperfeitas. Tal procedimento pode ser tanto uma técnica deliberada de resolução de problemas como uma operação de comportamento automática, intuitiva e inconsciente.

Portanto, a Praxeologia, apesar de apresentar insights interessantes, acaba por compartilhar o comportamento das pseudociências. E arrasta consigo a própria Escola Austríaca.

Conclusão

Em meio ao debate sobre o status científico da Escola Austríaca, fica claro que sua abordagem desafia os paradigmas estabelecidos da economia e das ciências sociais. Embora possa oferecer uma abordagem interessante sobre o comportamento humano e as interações econômicas, sua falta de fundamentação empírica e a rejeição de métodos científicos convencionais levantam dúvidas sobre sua validade epistemológica. 

Portanto, compreender o lugar da Escola Austríaca no cenário acadêmico e político é essencial para uma análise crítica da influência ideológica na formulação de políticas e na compreensão dos fenômenos econômicos contemporâneos.

Em suma, a discussão em torno da Escola Austríaca e sua posição no espectro entre a ciência e a pseudociência é complexa e multifacetada. Enquanto seus adeptos defendem uma abordagem dedutiva baseada na Praxeologia como uma alternativa legítima aos métodos científicos convencionais, críticos argumentam que essa postura mina a validade epistemológica e a capacidade explicativa das teorias austríacas. 

Ainda assim, é essencial reconhecer que a Escola Austríaca influenciou profundamente o pensamento econômico contemporâneo e desempenhou um papel significativo na formulação de políticas em muitas partes do mundo. Portanto, uma análise crítica deve considerar tanto suas contribuições à Direita Pós-Moderna e à nova extra-direita, quanto suas limitações científica, promovendo assim um debate informado e esclarecedor sobre o papel da ideologia na economia e nas ciências sociais.

Notas:
  1.  A sociedade é um tipo de objeto com velocidade de mudança maior que os do meio não-social; é composto de partes interagem com o pesquisador; possuí autoconsciência; a adesão a uma ideologia pelo pesquisado fica mais evidente em sua leitura dos fenômenos. Apesar disso, não é possível sentenciar a impossibilidade do rigor científico e da objetividade do conhecimento, apesar da evidente não neutralidade do conhecimento. 
  2. da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do homem

Referências bibliográficas:
  • André Campos - Comte: sociólogo e positivista. Coleção pensamento e vida. Escala, 2012.
  • David Orrel e Boria van Loon - Entendendo Economia. LeYa, 2015.
  • Carl Menger - Princípios de Economia Política. Coleção Os Economistas. Abril, 1983
  • Wikipédia
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Penúltima atualização em 03/08/2016. Última atualização: 17/03/2024

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