O nunca construído Palácio da Secretaria-Geral do Estado
por Almir Cezar Filho
A cidade de Niterói está menos de 1 ano de completar o seu quadringentésima quinquagésima (450º) aniversário de fundação. Um terreno em uma das áreas mais nobres do Centro da cidade curiosamente segue até hoje vazio, mesmo após 9 décadas: o nunca construído Palácio da Secretaria-Geral do Estado, e que completaria o monumental conjunto neoclássico da Praça da República.
É comum andar por uma cidade é ver vazios urbanos. Naturalizamos esses espaços. Terrenos vazios em plenas zonas densamente ocupadas funcionando, quanto muito em estacionamentos regulares (ou irregular). Outras vezes, em áreas residenciais menos densas, viram campinhos de futebol ou áreas improvisadas de lazer, quando não viram coisas ruins (área de desovas, cracolândias, etc.). Mas bem no Centro de Niterói, bem no centro histórico da cidade, temos um espaço murado e sob uso na forma de estacionamento. Bem em uma área nobre e em meio a um conjunto de edifício tombados.
Em 2013 completa-se, além dos 450 anos da cidade. Mas também há em Niterói um outro jubileu: o centenário de abertura do centro cívico estadual do antigo estado do Rio de Janeiro, conhecido como Praça da República de Niterói. Porém, esse conjunto arquitetônico, o niteroiense não sabe que é incompleto; um espaço não-edificada em frente a Praça, no lado oposto ao Palácio da Justiça, e que atualmente serve como um mero estacionamento particular, abrigaria o palácio do Poder Executivo Estadual, cujo projeto nunca foi executado.
Essa mesma Praça da República, nascida a 100 anos, também inaugurou a "mania" de revitalizações em Niterói, cujo ponto auge último na cidade foi a série de construções do que ficou conhecido como Caminho Niemeyer, ou antes desse, o Projeto do Aterro Praia Grande. E tal como eles, repete-se em equívocos. Projetos inconclusos e com acumulo de mudanças de rumos, motivadas por mudanças nas autoridades políticas, falta de dinheiro, insucesso em atrair investidores, resultaram espaços vazios e/ou degradados. E em belos prédios nunca erigidos.
REVITALIZAÇÕES E VAZIOS URBANOS
A Prefeitura de Niterói lançou no começo de março de 2020, o Plano Niterói 450 anos, que prevê obras de infraestrutura que vão proporcionar oportunidades, inclusão, geração de empregos e melhorias na saúde, educação e cultura.
A urbanização vai gerar um impacto positivo na qualidade de vida da população. As obras de infraestrutura no Centro de Niterói (que compõe um subplano chamado "Centro 450") são o terceiro eixo do Niterói 450, um plano da administração municipal que prevê investimentos de R$ 2 bilhões na cidade até 2024.
Curioso é que uma das intervenção do Plano Niterói 450 Anos será a reformulação de ruas que conectam o Centro da cidade ao Caminho Niemeyer - desde a implantação do conjunto de edifícios do célebre arquiteto esta questão ficou décadas incompleta - gerando um grande vazio urbano. Agora a Prefeitura pretende serem criadas novas quadras no imenso lote onde funcionou um hipermercado atualmente desativado Neste trecho, serão formados oito quarteirões para permitir o acesso de veículos e pedestres ao local que reúne as obras do arquiteto Oscar Niemeyer.
Hoje uma área gigante bem no centro da cidade com enormes vazios, que abrigam uma série de ruas e quadras usadas como estacionamentos privados descobertos, e que ficam entre o hipermercado fechado e a movimentadíssima Avenida Visconde do Rio Branco, com suas via cheia de ônibus e carros e o principal do comércio de rua.
Contraditoriamente, essa nova revitalização para atender essa imperfeição do Caminho Niemeyer, segue uma sina. O Caminho Niemeyer foi construído com a promessa de revitalizar o Centro da cidade, justamente para "consertar" por sua vez outro projeto de revitalização fracassado, o do Aterro Praia Grande. Cuja ideia foi aterrar a orla do centro da cidade para criar parques públicos, autoestradas e novas quadras edificantes residenciais e comerciais.
O se seguiu foi quadras vazias à beira-mar por décadas, e resultou em boa parte do dessas quadras subocupadas com estacionamentos que deprimem justamente essa área no Centro. O Caminho Niemeyer se constituia em pegar parte dessas quadras bem rente à orla e construir um complexo de equipamentos culturais, com a intenção de atrair turismo e investimento para demais quadras ociosas. O que se viu não foi nada disso. Mas quadras vazias que prosseguiram cercadas abrigando estacionamentos privados de terra-batida e aguardando lançamentos imobiliários que nunca vieram. E uma péssima conexão mais básica para os pedestres entre o Caminho Niemeyer em si e as áreas adensadas do Centro da Cidade.
Assim, dá para dizer que a incompletude (e o fracasso) de megaprojetos urbanos é uma marca de Niterói. E talvez do Brasil, como foi o caso do Porto Maravilha, na zona portuária da Cidade do Rio, entre outros. E, como visto, não é um fenômeno recente. O maior exemplo, ali perto do próprio Caminho Niemeyer, é o conjunto de prédio governaemntais em arquitetura Belle Epoque, bem no centro histórico da cidade, mas conhecido como Praça da República.
Esse conjunto passados mais de 100 anos ficou até hoje incompleto, com a não edificação do palácio do Poder Executivo Estadual, que ficaria em um espaço não-edificada em frente a Praça, no lado oposto ao Palácio da Justiça, e que atualmente serve como estacionamento particular.
A HISTÓRIA DA PRAÇA, do terreno vazio e do Palácio que se ficou por construir
Em 1913, o Governador Oliveira Botelho e o Prefeito Feliciano Sodré adquiriram o terreno e projetaram "obras de embelezamento e urbanização". O projeto, de autoria do arquiteto Emile Depuy Tessain, auxiliado pelo jovem Pedro Campofiorito, previa a construção de edifícios públicos em torno de uma praça, formando um grande "Centro Cívico".
O projeto da praça-monumento e dos respectivos prédios públicos foi idealizado em 1911, com o objetivo de ali se fazer o grande "centro cívico" de Niterói, então capital fluminense, homenageando a Proclamação da República de 1989 e os célebres fluminenses que por ela lutaram para implantar esse regime, a menos de duas décadas, e a previsão do conjunto ser inaugurado antes de 1919, também centenário da elevação de Niterói à condição de Vila Real.
Um centro cívico é o conceito idealizado pela Arquitetura como sendo uma região político-administrativa e/ou uma área destinada ao encontro de vários órgãos e entidades administrativas/culturais de uma região, cidade ou estaduais ou nacionais.
O conjunto ainda incluia a abertura de uma ampla avenida passando em frente a praça, de ligação entre Marquês do Paraná e a Visconde do Rio Branco. Esta avenida foi concretizada somente em 1941 (e concluido sua últma parte em 1954), e ganhou o nome de Avenida Ernani do Amaral Peixoto, interventor estadual da ditadura do Estado Novo.
O local escolhido para o Centro Cívico era muito significativo em si mesmo. Ficava bem no meio do centro da cidade e a meio caminho entre o antigo rossio da cidade (a atual praça Jardim São João ou Largo São João) e a praça do pelourinho da cidade (a atual Praça do Rink ou Largo da Memória, cujo nome oficial atual é Praça General Gomes Carneiro. O Largo do Rossio e o da Memória eram espaços públicos que tradicionalmente constituiam símbolos de poder das cidades coloniais brasileiras e/ou do período monárquico. Por sua vez, o centro cívico ficaria vizinho da Igreja da Conceição. A República recém-implantada queria suplantar com novos edifícios públicos, monumentos e intervenções urbanísticas.
Para o projeto dos edifícios foi contratado, no ano seguinte, o arquiteto Heitor de Melo. Paulatinamente foram inaugurados os prédios públicos da Escola Normal em 1918 (atual Colégio Estadual Liceu Nilo Peçanha), da Assembleia Legislativa e do Palácio da Polícia em 1917, e do Palácio da Justiça em 1919. O conjunto resultou em um dos maiores e melhores testemunhos vivos da arquitetura do começo do século XX, um dos mais importantes conjuntos de arquitetura belle epoque do país, com todas suas edificações tombadas pelo Patrimônio Histórico.
Na sequência, houve uma interrupção na implantação do Centro Cívico. A praça e dois dos prédios planejados ficaram por construir. Um deles foi a Biblioteca Pública Estadual, atual Biblioteca-Parque de Niterói, inaugurado somente em 1935, cuja obras foram iniciadas apenas após a Revolução de 1930 pelo Interventor do Estado, o almirante Ari Parreiras. E o Palácio da Secretaria-Geral do Estado, nunca construído, que ficaria na já citada área não-edificada em frente a Praça no lado oposto ao Palácio da Justiça.
Um outro item que faltava "tirar do papel" do projeto original do conjunto arquitetônico-urbanístico do centro cívico da Praça da República era uma enorme avenida, na intervenção original da década 1910, nem nas duas intervenções posteriores da década de 1920 e década de 1930. Sua função seria estabelecer o eixo monumental entre o centro cívico da Praça da República com a Estação Hidroviária na Praça Martin Afonso (atual Praça Arariboia), que ligava Niterói a então capital federal (a cidade do Rio de Janeiro), além de dar nova face a antiga capital do estado, abrindo espaço para arranha-céus.
Até o início do século XX, parte da localidade era uma área de despejo de esgoto, através do barris dos tigres, denominada Campo Sujo, ladeada pelo Morro do Campo Sujo (ou do "Doutor Celestino"). Com o projeto de aterro da enseada de São Lourenço e posterior urbanização, esse conjunto de intervenções batizadas de Renascença Fluminense, efetua-se o desmonte hidráulico do morro e começa-se a construir o Centro Cívico da então capital do estado do Rio de Janeiro.
A Praça abrigaria o que denomina Centro Cívico: seria instalado ao seu redor os palácios dos três poderes do estado do RJ (Executivo, Legislativo e Judiciário) e alguns outros edifícios que refletiriam a "civilização", como Escola, Biblioteca e a Chefatura de Polícia. Estariam ali a Assembleia do Estado (Poder Legislativo), o Palácio da Justiça para o Tribunal da Relação (o atual Tribunal de Justiça do Estado, órgão de cúpula do Poder Judiciário fluminense) e um edifício para sede da chefia do Poder Executivo Estadual.
Desde o fim da década de 1910 houve um desinteresse do Governo do Estado. Finalizou-se os palácios do legislativo e judiciário e os prédios da Chefatura de Polícia e da Escola Normal. O impacto da Grande Guerra (1914-1918), que em sua reta final baqueou as finanças do estado ao afetar as exportações de café, impactando na arredação do imposto de exportação (o principal tributo estadual anterior ao advento do ICMS e do Fundo Federal de Participação dos Estados).
Deixava-se para posterior o início do Palácio para o Executivo, a Biblioteca Pública e a praça ajardinada no centro do conjunto, que constavam no projeto e o completavam. A instabilidade política e disputas entre o governo do estado e o federal, como também os custos com demolição da pedreira resultante do desmantelamento do Morro, postergaram ainda mais sua edificação.
Passada meia década depois às inaugurações, o governador Feliciano Sodré tenta completar o conjunto. Embelezando a praça e instalando um monumento no centro desta.
A Biblioteca Pública e o Palácio para o Executivo Estadual ficam se fazer depois. Seu governo estava às voltas com a conclusão do aterro da Enseada de São Lourenço e a construção do Porto de Niterói e das novas quadras urbanas em seu entorno.
Assim, em 1924, sob direção do engenheiro Pio Borges de Castro, foi proposta a construção de um suntuoso monumento denominado Triunfo da República. A praça foi reinaugurada em 1927, pelo Prefeito Manoel Ribeiro de Almeida, com o nome de Praça da República. O monumento foi concebido por Correia de Lima - escultor renomado e então Diretor da Escola Nacional de Belas Artes.
O arquiteto Pietro Campofiorito, que reassumiria a empreitada do construir o centro cívico, adotou para estilo arquitetônico o jardim da praça o estilo italiano com influência francesa, com composição de sentido cartesiano, traçado geométrico preciso e caminhos ao longo de eixos cruzados. Seus canteiros são baixos, alinhados com ervas e arbustos dispostos em padrão simples e simétrico. As árvores são de baixo porte, sempre aparadas.
Já a Biblioteca, foi mandada construir em 1932, dois anos depois da Revolução de 1930, pelo interventor almirante Ari Parreiras. Pietro Campofiorito reassume a empreitada, com uma modificação significativa ao abandonar o desenho de Heitor de Melo pelo seu próprio para a Biblioteca. A inauguração coincide com as comemorações do centenário da elevação de Niterói à condição de cidade e à capital do da Província do Rio de Janeiro em decorrência do Ato Adicional de 1834.
Nos anos que se seguiram a inauguração da Biblioteca Pública na década de 1930, no flanco sul, prosseguiu vazia a área no flanco leste, oposto ao Tribunal e que seria para a sede do Poder Executivo Estadual.
Edíficio das Secretarias e a Av. Amaral Peixoto |
E nos anos posteriores, o flanco leste da praça acabou parcialmente sendo cedida e vendida pelo Estado para entidades privadas de interesse público, restando mesmo assim, um grande terreno vazio, que atualmente abriga um mero estacionamento particular.
No "constrói e destrói" típico do história das urbes brasileiras, na década de 1970, a praça foi simples e totalmente destruída para abrir espaço à construção de uma nova e moderna sede para o Tribunal de Justiça. Contudo, a essa nova sede nunca foi concluída, tão logo iniciou-se a obra, aconteceu a fusão do Estado do Rio com o da Guanabara e a transferência da sede estadual, e a consequente mudança do TJ para outro lado da Baía. No lugar ficou um "esqueleto" de prédio, que permaneceu inacabado até o final da década de 80, quando foi implodido pelo governo estadual para dar lugar a praça restaurada.
A Praça da República acabou reconstruída quase 20 anos depois de seu desmonte. A decisão pela restauração foi antecedida pelo tombamento dos prédios do entorno e todo o conjunto da praça, pelo INEPAC em 1983, que deu "gás" a campanha por sua reconstituição. Por fim, foi reconstruída em 1989, ano das comemorações do centenário da proclamação da República, e com a preocupação de se respeitar as suas características originais.
Quanto a sede do Poder Executivo Estadual
Mesmo nessas idas e vindas, o Centro Cívico da Praça da República segue com um terreno vazio, mesmo após 9 décadas. O tal terreno, como dito antes, abrigaria o Palácio para ser sede do Poder Executivo.
O projeto não executado era de Heitor de Melo e era mais precisamente para abrigar a Secretaria Geral do Estado. Para atestar, ao menos sua existência como projeto, há sua planta-baixa e planta de fachada no acervo histórico digital do CREA-RJ, que homenageia arquitetos e engenheiros famosos.
O Palácio abrigaria o gabinete do Secretário-Geral, uma espécie de Chefe do Casa Civil daquele tempo, e ainda os gabinetes dos principais departamentos vinculadas a ela, como especialmente a Fazenda, e a Pagadoria. Lembrando que na época, os governos estaduais tinham poucas secretarias, optando em constituir preferencialmente departamentos temáticos, vinculados à secretaria geral.
O plano era que o Governador do Estado (naquele tempo era chamado de Presidente do Estado) seguiria tendo como sua residência oficial no então Palácio do Ingá, no bairro de mesmo nome na zona sul da cidade (tempos depois denominado Palácio Nilo Peçanha).
Curiosamente, tal Palácio do Ingá não seguiu para sempre como sede da cúpula do Poder Executivo Estadual. Após a transferência da capital estadual para a Cidade do Rio de Janeiro, passou a abrigar o Museu Histórico e Artístico do Estado do Rio de Janeiro (MHAERJ), também chamado de "Museu do Ingá".
Após essa odisseia toda restou no coração do centro da cidade o dito terreno vazio, tapado por outdoors, fazendo esquecer a história de importantes transformações urbanas que ficaram incompletas.
Em suma, as revitalizações (ou "requalificações") urbanas compõem o que se pode chamar de "tecido de Penélope", tendo em vista que, o tecido urbano é construido e reconstruido sucessivamente, sem nem mesmo completar cada ciclo de mudança, para começar o subsequente, que também não se concluirá.
Assim, a história do pequeno vazio na Praça da República revela, em especial sob um olhar urbanístico - que transcende o arquitetônico e o urbanismo convencional, porém sob um prisma da economia política -, que toda revitalização urbana sob o pretexto da implantação de megaequipamentos públicos com grande efeito simbólico, visa reincorporar determinada área ao circuito direto da acumulação de capital e a extração de mais-valias extraordinárias com o capital fundiário.
E, por fim, as requalificações acarretam a gentrificação do ambiente urbano, com a remoção da população mais pobre e a elitização daquele território, em benefício à indústria da construção civil e setor imobiliário. Pouco importando as consequências e legados reais às pessoas.
BIBLIOGRAFIA
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- Almir Cezar Filho. A revitalização elitista das cidades e o 'tecido de Penélope' - uma visão urbana sob o prisma da Economia Política. (30 de jul. de 2014). Em Blog Limiar e Transformação. Acesso em: http://limiaretransformacao.blogspot.com.br/2012/10/niteroi-da-re-qualificacao-aos-dilemas.html#more
- Almir Cezar Filho. 'Caminho Niemeyer' de Niterói: uma revitalização, não a serviço dos trabalhadores. (27 de dez. de 2012). Em: Blog Limiar e Transformação. Acesso em: http://limiaretransformacao.blogspot.com.br/2012/12/caminho-niemeyer-de-niteroi-uma.html
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