segunda-feira, 18 de julho de 2011

Gasto público expansionista gera inflação e/ou endividamento?

por Almir Cezar 

Não há consenso na Economia de vertente burguesa sobre a participação do Estado na economia. Há uma defesa de que o investimento do Estado gera aumento de renda - demanda - produto - investimento (aparentemente algo keynesiano); mas há também a defesa de que deve haver sim influência do Estado na economia regulando e monitorando as atividades os diversos setores, investindo em áreas estratégicas, mas tudo com observação de limites, à medida que, o gasto público expansionista geraria inflação. Alguns economistas têm argumentado que a situação sobre a Europa, na qual os PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha) estão hoje, resulta de uma década de endividamento excessivo impulsionada por políticas keynesianas perseguidas pelos responsáveis políticos locais e pela complacência dos banqueiros centrais da UE. Outros economistas têm recomendado inclusive a aplicação de uma bateria de políticas corretivas para controlar a dívida pública e de drásticas medidas de austeridade fiscal, com impostos substancialmente mais elevados. Ideologias burguesas à parte, o gasto público expansionista gera inflação e/ou endividamento?

Para isso devemos usar o conceito de "demanda efetiva". Não apenas os keynesianos, o marxismo também tratou a respeito da Demanda Efetiva, entre eles, Rosa Luxemburgo, Michael Kalecki e Ievguêni Preobrajenski, vinculando-a as crises capitalistas e ao caráter cíclico que estas assumem nesse sistema, procurando analisar as tendências recorrentes, cíclicas, crônicas e crescentes à crise por parte do capitalismo - recorrem em suas análises sob o capitalismo aos esquemas de reprodução, desenvolvidos como modelo por Marx para explicar o funcionamento da acumulação e circulação do capital entre setores da economia.

Vários autores marxistas, resgatando a pista dada por Rosa Luxemburgo ao estudar os esquemas de reprodução do livro O Capital - e não apenas John Maynard Keynes, que se utiliza das trabalhos Economia Política Clássica, especialmente Thomas Malthus - desenvolve uma explicação sobre flutuações e ciclos econômicos em termos de princípio da demanda efetiva. Pela via marxiana, dois autores são mais importantes, o primeiro, o mais famoso, o polonês Michael Kalecki, com sua obra de 1933, considerado o co-fundador da Macroeconomia, e o russo Ievguêni Preobrajenski, com suas obras da década de 1920.

Em função de que pela ótica da produção tem-se a seguinte formulação do produto agregado:

Y = C + S + I + (T - G) + (M - X)

onde: C = consumo, S = poupança, I = investimento, T = tributos, G = gastos do governo, M = importações, e X = exportações

O que indica que gastos governamentais podem reduzir a capacidade de investimento e, consequentemente, limitar a oferta no longo prazo. Porém a isto se replica de que essa visão se encontra em ceteris paribus (tudo demais constante) e não é intertemporal (apenas um corte de tempo), o que enviesa a questão.

Enfatizo que a se formos trabalhar com este modelo macroeconômico para simular uma economia nacional não conseguiremos apreender o caráter dinâmico da mesma, como também da interdependência entre as várias apresentadas, a chamada circularidade da renda. Então não existe “ceteris paribus”, mexer um item do problema altera sim todos outros itens, inclusive o resultado final do problema. Se seguirmos uma visão estática típica do pensamento Novo Clássico não conseguiremos visualizar isso. Contudo, é essa visão que infelizmente parece que se espalhou na Mídia e em parte da formação acadêmica dos economistas brasileiros.

Uma variação do gasto público não leva a uma diminuição da parcela do investimento privado, mas ao contrário, uma expansão. E mesmo que haja um aumento dos impostos para financiar essa expansão do gasto público não implica necessariamente também em redução da parcela de I no total no produto agregado.

Os economistas sabem que há as chamadas “sensibilidades”, isto é, a renda agregada não é determinada pelo mera soma linear dos outros agregados, como, por exemplo, o consumo. Existe peso entre vários agregados na determinação da renda. Sabemos que há economias nacionais onde o setor externo (X-T) é maior e tem maior reação sobre o Produto Nacional do que outras, onde por sua vez, é I com maior peso. Sabemos também que o consumo agregado também é determinado pela renda Y = yC, isto é, uma variação na renda nacional pode incrementar o consumo nacional. Digo portanto, que y é a sensibilidade do Consumo frente a Renda. Sendo y um coeficiente, índice de sensibilidade, fruto da relação que as várias forças da economia nacional desenvolveram histórico e socialmente.

Então um aumento no Consumo não implica necessariamente em uma diminuição do I ou do (X-T) mas o aumento em Y. O que chamamos de efeito acelerador. E inclusive pode levar um aumento no restante nos outros agregados I, G, (X-T), o que chamamos de efeito multiplicador, em vista que aumenta a renda agregada, e à medida que cada agregado é sensível a variação da renda. Isso explica como uma redução da capacidade de exportação X leve a um redução do investimento privado I ou do consumo das famílias C, como vimos no fim do ano 2008.

Contudo, há sempre em cada agregado, uma parcela que é sensível a variações da renda agregado total, e outra mais autônoma. Sabemos por exemplo também, que há parcelas dos consumidores que não possuem rendas diretamente vinculadas a variação da renda nacional temporal, possuiem ativos que lhes garantem rendas intertemporalmente. Temos portanto que, C = C* + yC, sendo C* parcela autonoma e yC a parcela sensível, ou mesmo, que uma parcela é determinado pelo próprio agregado, o que teríamos então cC, resultando no seguinte: C = C*+yC+cC, ou mesmo, C=C*+ycC, ou, C = y(C*+cC). Ou mesmo há iC, isto é, uma parcela do Consumo determinado pela variação do investimento (é sabido que aumento dos investimentos de empresas leva a novas contratações ou aumento de salários).

O mesmo acontece com o gasto público. Os primeiros macroeconomistas entendiam G como um agregado mais autônomo se comparado aos demais, e portanto, propunham que em momentos de compressão do produto, isto é, quando em geral e/ou I, C, (X-T) diminuem, G deveria aumentar para compensar na mesma proporção para evitar queda de Y.

Contudo, alguns macroeconomistas questionam se não diminuiria num período seguinte o investimento, a medida que haveria um aumento dos impostos ou de dívida pública ou emissão monetária inflacionária para financiar essa expansão dos gastos públicos. A preocupação é correta no aspecto da necessidade de financiamento da expansão do gasto público, que levaria a esterilização dos benefícios dessa mesma expansão.

Porém, essa conclusão é equivocada visto que, primeiramente, o aumento do G não apenas aumenta Y mas todos os demais, reativando a atividade econômica, o que por sua vez, já financia a expansão de G pois gera aumento na arrecadação. Em segundo lugar,visto que sabemos que G não diminui I, a preocupação dos operadores da políticas econômicas deve sempre residir na necessidade de financiamento da expansão do gasto público, já resolvido com a próprio aumento na arrecadação. Vimos que apesar da forte expansão do gasto público brasileiro em 2009, tivemos em janeiro de 2010, como consequência direta a mais alta arrecadação fiscal para um mês de janeiro da história.

Essa arrecadação não necessariamente esteriliza a expansão da renda, ao subtrair recursos da economia que seriam aplicados como C ou I, pois depende da proporção e medida de aumento de G empregado e se a expansão da capacidade arrecadatória é mais que proporcional que o incremento de Y. Claro é preciso, calibrar G para aumentar Y e no momento seguinte captar o parcela de Y necessária ao financiamento de G. Resolvido essa questão, desloca-se para outra, um aumento de G gera inflação?

Não, primeiro porque não há expansão monetária para financiar a expansão do G. E mesmo que o fosse, nem toda expansão da oferta monetária gera inflação. Isso só acontece se houver um oferta monetária superior a demanda monetária nova criada com a expansão da atividade econômica. Por outro lado, uma inflação criada pela expansão da atividade econômica, só é possível, se a demanda agregada for maior que a oferta agregada. Um aumento de G que geraria inflação seria se houvesse uma expansão da renda agregada acima do produto potencial, mesmo sabendo que, o produto potencial (capacidade total de produção da economia) se expande com a expansão da economia, já que G aumenta, aumenta I, isto é, a capacidade da economia em produzir. Logo o produto potencial está sempre em expansão, desde que haja expansão da demanda agregada.

Dito isso, respondemos o que os bancos centrais não precisam estar preocupado, em aumentar os juros para segurar uma possível futura expansão da inflação. Na verdade, os bancos centrais camuflam suas verdadeiras intenções: como ocorre com as demais agências regulatórias, acaba por defender os interesses daqueles que deveria fiscalizar, os bancos. Visam garantir a lucratividade dos bancos, que diminuiu no último período. Remunerando-os com o aumento da taxa de juros básica. 

As crises inflacionárias e deflacionárias não são provocadas pelas variações do gasto público, mas pelas flutuações cíclicas e naturais da dinâmica econômica capitalista, que apesar do desejo em contrário da burguesia, sempre em algum momento vem à tona, apesar da intervenção estatal. O gasto público apenas, acertando ou errando a dose, acelera ou freia esse processo.

2 comentários:

  1. camarada , tem como disponibilizar em pdf?

    parabéns pelo blog!

    (obs: o blog pode ficar ainda melhor se vc der uma atualizada na estética)

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  2. Excelente artigo, camarada!! Bastante assunto pode ser retirado daí... Me fica a dúvida apenas do papel do capital fictício (dos titulos de dívida dos governos) neste processo de acumulação do Capital. Abraços.

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