sexta-feira, 9 de abril de 2010

Dois pesos e duas medidas no Orçamento 2010 Como é perversa a lógica expressa no OGU

Olhando minuciosamente o OGU 2010 (Orçamento Geral da União) e pode-se verificar in loco algumas discrepâncias bem bizarras. Há dois pesos e duas medidas no OGU. Para citar a principal, ou melhor, que chama mais a atenção, pois é mais nítida a disparidade.

O Orçamento é algo importante, visto que os recursos são limitados, enquanto que as necessidades não, sendo portanto preciso estabelecer um escala de prioridade, refletida no percentual de valores que vai para cada item. Logo, o OGU como qualquer orçamento reflete a prioridade que o Governo estabelece para si e para o Estado. Infelizmente é perversa a lógica expressa no OGU 2010.

Para ajudar, vejam esse infográfico que encontrei que mostra as receitas e despesas no OGU 2010 pelo link http://economia.ig.com.br/mercados/orcamento/n1237562028734.htm ou veja página 5 do DOU (diário oficial da união) de 27 de janeiro com a sanção presidencial do LOU (lei do orçamento da união) com a respectiva OGU 2010 (orçamento geral da união).

Enquanto no OGU há mais de 33% reservado para "refinanciamento da dívida pública mobiliária" (pagamento de juros), isto é, um terço do Orçamento, e ainda mais 16,36% para "encargos financeiros", totalizando assim quase 50% do Orçamento com repasse aos banqueiros. Contudo, nesse mesmo Orçamento, pasmem, menos de 1% estão reservados para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Na verdade, menos da metade disso, um quarto de 1, 0,25% do OGU. Isso apesar, de ser dito publicamente que as políticas de desenvolvimento agrário serem tão importante para o combate as desigualdades sociais e conflito agrário. O mesmo acontece com defesa civil e prevenção de catastrofe, onde as verbas totais do Ministério da Integração Nacional, que gere esses recursos, são de apenas 0,36% do OGU.

A participação de ambas no OGU é tão pequena entre os ministérios, só perdendo para o ministérios sem estatais, como Min. das Telecomunicações ou do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O MDA e o Min. da Integração Nacional estão lado a lado de ministérios como Turismo. O MDA perde para a Presidência da República (0,40%), para a Câmara dos Deputados e o Senado, e pior, para Reserva de Contingência (0,28%), aquele recurso previsto como uma poupança no caso de se tiver um gasto não planejado no Orçamento ou se as receitas forem menores do que previsto. Em suma, o MDA tem o peso menor do que a “Reserva de Contingência”.

E todos os gastos da União são menos importantes do que o pagamento aos banqueiros.

As despesas no OGU estão previstas em 1,76 trilhões de reais. E a metade das despesas é com pagamento aos banqueiros, tanto sob refinanciamento como sob pagamento de encargos financeiros. Na parcela restante, inclui "Previdência" (maior item, com 14,63%), "Transferências aos estados e municípios" (segundo maior item, com 8,85%) e os órgãos dos poderes judiciários e legislativo e o ministério público além dos órgãos do Poder Executivo.

A incongruência segue nos gastos dentro do próprio Executivo. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que não é um ministério fim, e sim meio, portanto só atua no "carimbaço", com raras exceções (SPU e IBGE), tem um orçamento (1,05%) que é 4x maior que o do MDA.

Gostaria de responder a algumas pessoas, quanto ao assunto de "pegou pagou", isto é, sobre a participação colossal de pagamento de dívida pública, visto que, os mecanismos de endividamento público não necessariamente são aqueles similares ao do consumidor comum. E nisso reside a tragédia.

Quanto a dívida pública, é bom lembrar, que na Constituição Federal de 1988 obrigava a uma auditoria na dívida pública. Vale também lembrar, primeiro, que rola no momento no Congresso Nacional uma CPI da Dívida. E segundo, os mecanismos de geração de dívida e os meios de pagamentos no setor público não são os mesmos na iniciativa privada. Explico em 10 passos.

1) o Governo embora seja o maior devedor do país, é o maior credor, inclusive dos bancos, pelo mecanismo de open market e taxa Selic

2) o item "encargos financeiros" no OGU é realmente o repasse orçamentário aos detentores de títulos da dívida pública com juros. Representa 16,36% dos 1,7 trilhões de reais em despesa.

3) o item "refinanciamento da dívida pública mobiliária" no OGU é o gasto com refinanciamento, isto é, com o reescalonamento, resgate e substituição de títulos da dívida. E sim, representa 33,07% da OGU, e em verdade, acaba parte desse gasto não é de fato dispendido, pois se constituí de troca de títulos. Mas poderão ver que no mínimo 22% porcento desse item é efetivamente consumido.

4) os mecanismos de geração de dívida pelo Estado não se resume ao "despesa maior que a receita". As reservas internacionais, o resgate de título dívida externa, reescalonamento da dívida externa privada, a emissão monetária, uma elevação da taxa Selic para combater a inflação, etc, tudo isso gera endividamento. E como podem ver a dívida pode ser criada não apenas pelo desequilíbrio fiscal, mas por políticas monetárias e cambiais.

5) o grosso da dívida interna é constituída por dívida externa resgata, incluída dos estados e aquela tomada pela iniciativa privada. Basta ver a renegociação da dívida externa brasileira no início dos anos 90 que antecedeu o Plano Real.

6) outra parte é constituída por juros pós-fixados, aqueles que o credor define a taxa de juros no ato do pagamento.

7) a dívida pública é carregada pelo patamar da taxa Selic. Taxa maiores significaram uma aceleração do endividamento. Curiosamente, o governo empresta a x na Selic e pega empresta a xxxxxx com os títulos mobiliários. Por outro lado, não paga os precatórios das velhinhas.

8) o grosso da dívida interna é constituída por trambolhos e coisas estranhas - é necessário uma auditoria. Incluí dívida do Império e República Velha. Provavelmente já pagos, nas idas e vindas, nas renegociações e refinanciamentos. Por outro lado, há devedores privados de impostos, contribuições sociais e trabalhistas e massa falida de empresas que nunca foram pagas.

9) se o Brasil fosse uma família ou uma empresas que tomou empréstimo e está com uma dívida enorme, poderia recorrer a moratória ("devo não nego, pago quando puder") indo parar no SPC, ao Procon ou a reescalonamento judicial. Como não é...fica a espera de uma auditoria.

10) A lógica perversa de que se o Brasil não pega empréstimo quebra não é verdadeira, isto, a dívida é gerada para cobrir déficit. Na verdade, o Brasil pega empréstimo porque paga empréstimo, isto é, gera déficit pois paga a dívida.

Enquanto isso 50% do OGU é para pagar os banqueiros, enquanto 0,25% para as políticas fundiárias e agricultura familiar.

Essa lógica é tão firme que agora em março o Governo emitiu o decreto de contingenciamento, pois as previsões de receitas no OGU estariam maiores do que a Receita Federal prevê para 2010, portanto haveria um déficit não previsto.

Contudo, paralelamente a própria Receita Federal anunciou que fevereiro, pelo segundo mês consecutivo, arrecadação recorde, o que indica nessa dinâmica que até o fim do ano haverá uma arrecadação superior a própria previsão da OGU.

Paralelamente também a esses dois anúncios, o BC decidiu pela manutenção da taxa Selic no momento, o que não significa que mais para frente não o aumentará. Os banqueiros seguirão acossando, exigindo aumentos nos juros sob a alegação da "ameaça da inflação". isso tenderá aumentar nos próximos meses à medida que a economia for se aquecendo, como prevê várias análises. Aí os economistas pró-bancos proclamarão que a economia corre risco de superaquecimento. E a esse favor, Meirelles mais a frente deve sair do BC para se candidatar a deputado federal ou a vice-presidente, abrindo espaço para que dentro do Copom resolva aplicar uma elevação na Selic.

O próprio Ministério do Planejamento já se move nesse sentido, com esse corte no Orçamento 2010, para aumentar o dinheiro reservado para o superávit primário. Recursos que deveriam ir para Saúde, Educação, reajuste dos servidores, etc, serão - sob a justificativa descabida de queda na arrecadação de impostos - na verdade, reservados para o pagamento de juros maiores na dívida pública, na decorrência de elevação da Selic.

Mão invisível não existe. Mas perversidade sistêmica há.

Perversidade ligada à uma estrutura estatal, política e orçamentária que contribuí para desigualdades sociais vexatórias em nosso país. E sim, o governo atual conscientemente reproduz esse sistema. É o mesmo que diz que as políticas do MDA são importantes mas nos dá apenas 0,25% do OGU.

Não concordo com aqueles que afirmam ser importante pagamento da dívida pública como uma questão moral. Não concordo com aqueles que afirmam que foi errado a recusa unilateral do Equador em reconhecer parte de sua dívida após uma ampla auditoria.

Primeiramente, não acho que o Equador, um estado soberano, seja menos importante que uma multinacional ou banco estrangeiro, muito pelo contrário. E acho sim, que é um exemplo a ser seguido, uma auditoria da sua dívida pública. Vale lembrar, que a última vez na nossa história nacional que houve algo parecido como uma auditoria da dívida pública, foi sob o governo Vargas, e essa acabou caindo pela metade.

Em segundo lugar: Sim, a parcela do OGU de "encargos financeiros", que corresponde a mais de 16% do OGU, é constituída de recursos pagos a detentores de títulos mobiliários e outros pagamentos financeiros. Tudo bem, que não é 50%, mas que já é por si só assustador, pois é, a exceção do item "refinanciamento da dívida", o maior item, maior que os gastos com Previdência Social (14,63%) e com as ações do MDS (2,2%), responsável por ações como o bolsa-família e outras de combate a fome. Então encargos financeiros é o verdadeiro bolsa-família, o "bolsa família rica".

Os outros 33% restante dos 50% dos recursos da OGU que vão aos banqueiros, são recursos captados junto a eles e a eles. Mas voltam a eles devidamente remunerados pelo item “encargos financeiros” ou pelo item “refinanciamento” do ano seguinte.

E embora, tenham razão aqueles que as despesas de "refinanciamento da dívida" se constituam de recursos que "entram e saem", visto que, no mesmo OGU, na parte de receitas o mesmo item aparece. Contudo, quando se abre essa rubrica e entra na análise mais financeira e menos orçamentária, parte da parcela refinanciamento, algo em torno de 22% desses 36%, acabam sendo de transferências de renda direta aos detentores de títulos mobiliários, além daqueles 16% do OGU que mencionei anteriormente.

E para piorar, acabam carregando no estoque da dívida, tendo em vista, que refinanciamento consiste nisso mesmo, refinanciamento, isto é, rolagem, alongamento da dívida. E tal como na dívida de um consumidor comum, quando se pede ao banco para alongar a dívida, pedindo para adiar ou aumentar o número de parcelas, ou se pega mais emprestado para pagar outra dívida, resulta obviamente no aumento da dívida, no estoque. E é nisso que estou falando, não apenas em fluxo de dívida, mas em estoque.

E para piorar ainda mais, uma longa série de operações públicas corriqueiras no Brasil, realizadas tanto pelo Banco Central e Tesouro Nacional, especialmente monetárias e cambiais, são automaticamente geradoras de títulos, todos devidamente remunerados por juros, e, portanto geradores de dívida, tais como, as operações de open market monetário (troca de moedas por títulos), de formação de reservas cambiais (troca de dólares por títulos), etc.

Em suma, a realidade é essa. É necessário lutar para reverter tão estado de coisas.

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