terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Educação não é suficiente para reduzir a desigualdade. Pesquisa derruba mito.

por Almir Cezar Filho

Apenas acesso à educação não é suficiente para reduzir desigualdade no Brasil, diz estudo. Simulação aponta que se país tivesse garantido educação secundária para a população desde 1994, disparidade da renda do trabalho teria caído apenas 2%. A pesquisa foi realizada pelos sociólogos Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicadas (Ipea), Rogério Barbosa, da Universidade de São Paulo (USP), e Flávio Carvalhes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Para tentar diminuir tamanha brecha entre os ricos e os pobres, o investimento em educação quase sempre aparece como um dos remédios mais promissores. A solução frequentemente repetida para tentar resolver a desigualdade, entretanto, já é relativizada por especialistas. Isto é, mesmo se houvesse igualdade de escolaridade, e mesmo sem discriminação salarial, o fator determinante na desigualdade de renda das famílias é a desigualdade de patrimônio. Leia a matéria do jornal El País

Os resultados vão contra tudo que a maioria  das pessoas acreditem que fosse o melhor para transferência de renda de maneira sustentável. A ciência é geralmente contra-intuitiva, e a Economia não seria difere. A redução da desigualdade poderia ser atacada de forma mais rápida caso fossem adotadas medidas contra a discriminação de gênero, raça e cor no mercado de trabalho e através de uma reforma tributária que adotasse um programa que aumentasse a progressividade dos impostos.

O Brasil é hoje um dos países mais desiguais do mundo com quase 30% da renda nas mãos de apenas 1% dos habitantes do país. Em 2017, o Brasil era o nono país do mundo com a maior desigualdade de renda, segundo o coeficiente de Gini. O mais desigual do continente americano. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  no ano passado, o Gini foi de 0,549, conforme a renda média mensal domiciliar per capita. O indicador varia de zero a um, quanto mais próximo de zero, mais perto de uma situação ideal de absoluta igualdade.

A pesquisa concluí que Educação tem, pelo menos na atualidade, pouco impacto na desigualdade social. Enfim, corrobora justamente com a ideia que a educação, isto é, o aspecto de escolaridade, não determina (o menos em última ordem) a igualdade de renda. Algo que já é denunciado a muito tempo no Brasil, a partir das estatísticas de desigualdade salarial entre homem e mulheres, e entre brancos e negros. 

A desigualdade salarial não é determinada pela escolaridade

Um homem com idade e instrução iguais às de uma mulher que vive na mesma região ganha 43,9% mais que ela. Se for branco, tem uma vantagem salarial de 12,7% sobre um negro. Os pesquisadores concluíram que, se nos últimos 24 anos, o país tivesse adotado políticas de igualdade de gênero e de raça e, hoje, essas disparidades fossem significativamente menores (ou seja, uma diferença de 24,8% no gênero e de 6,6% na raça), o impacto sobre a desigualdade de renda geral do Brasil seria o mesmo que ter proporcionado ensino médio completo ou formação superior para todos os brasileiros que tinham até dez anos em 1994.

Não é possível reduzir significativamente a pobreza pela via exclusiva da educação. A educação deve ser defendida e receber investimentos menos como instrumento de redução da desigualdade e da pobreza e mais como um fim em si, por razões humanistas. É fundamental que as pessoas tenham acesso à informação para entender e operar melhor o mundo.

Usando simulações retrospectivas, examinou-se se políticas de expansão de ensino poderiam reduzir a desigualdade e a pobreza no Brasil. Os resultados indicam que existem limitações nessa estratégia: em primeiro lugar, apenas intervenções muito radicais (e improváveis) poderiam reduzir a desigualdade substantivamente (uma queda de mais de 10% no Índice de Gini); em segundo lugar, em razão daquilo que se denomina de inércia demográfica, seriam necessárias muitas décadas até que aqueles resultados se efetivassem por completo. Mostrou-se, assim, que a educação não é uma panaceia para o combate à pobreza e à desigualdade. Estes resultados são robustos quando testados com diferentes fontes de dados, em diferentes décadas, e usando diferentes medidas de desigualdade e pobreza.

Conclusões vão de encontro ao senso comum. Mas a Economia explica.

E por que nos parece tão contra-intuitivo? Porque por 250 anos o Liberalismo prega que o problema da desigualdade está na ausência de liberdade civil e de diferenças de oportunidades (entendida como de capacidades técnico-profissionais e de liberdade para empreender economicamente).

Mas na Economia de verdade, sem o ideologismo liberal, temos vasta produção acadêmica que vai no sentido contrário ao senso comum, nem precisando recorrer ao campo do Marxismo. O mais recente best-sellers são os livros dos liberais Armatya Sen, com seu "Desenvolvimento como Liberdade", e Thomas Piketty com "O Capital no Século XXI".

Outro fator que alimenta o senso comum que lega a Educação como panaceia da desigualdade são as quase 4 décadas da campanha ideológica dos neoliberais/ultraliberais, perpetrada principalmente pela Escola de Chicago e pela Escola Austríaca, e por teorias como do capital humano.

Porém, o sucesso do "mito da Educação"aqui no Brasil é evidentemente acompanhado do preconceito histórico e arraigado em nossa sociedade de não fazer reforma agrária (e urbana), nem mesmo agir pelo combate à discriminação salarial. Assim, se responsabiliza a Educação, e sua ausência, pela desigualdade social (e pobreza) associando-a perversamente a produtividade laboral e empregabilidade, como causadores do problema;

Vale lembrar que, o Brasil que é um dos países mais desiguais do mundo, justamente é um país que não passou por uma reforma agrária plena, e quando aboliu a escravidão não deu nenhuma reparação econômica aos ex-escravos. Atualmente, possui um sistema tributário calcado em impostos diretos sobre consumo e renda assalariada, que pouco tributa patrimônio, lucros, dividendos e herança e bens de luxo. E ainda, permite grande vantajosidade a rentistas e detentores de títulos da divida pública.

Dica 

Sobre o tema, e em base a uma análise científica, sugiro assistir na Netflix o episódio do seriado documental "Explicando", cujo Episódio 1 - "A diferença de riqueza entre brancos e negros". O filme justamente explica, para o caso dos EUA, que mesmo se houvesse igualdade de educação, e sem discriminação salarial, o fator determinante na desigualdade de renda das famílias brancas e negras é a desigualdade de patrimônio.

Referências

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