segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Por que os países socialistas do século XX viraram tiranias? Ou o porquê do Socialismo não necessariamente se transforma num sistema totalitário

Sobre a degeneração autoritária e a restauração do capitalismo na Rússia, China e Cuba

Por Almir Cezar Filho

Nos últimos anos ressurgiu toda uma enxurrada de acusações anticomunistas vinculando o Socialismo com o totalitarismo, automaticamente. Na verdade, sem perder tempo mascarando o autoritarismo que de existiu nas experiências socialistas do século XX, existem boas explicações marxistas, para explicar porque esses casos em específico enredaram para o totalitarismo. E se o totalitarismo não é a regra, mas a exceção, como evitar a degeneração. 

Mas, primeiro, vamos a origem da questão que inspira esse artigo. Um jovem socialista meu amigo me enviou essa pergunta: -Oi, Almir. Como vai?  Eu estava debatendo com um colega no Face mas não consegui responder a uma questão. Ele disse que toda vez que se tentou construir o socialismo sempre acabou caindo num sistema totalitário. Já disse pra ele que no capitalismo nós já vivemos uma "ditadura" do capital. Mas não soube responder a questão da derrocada do socialismo na Coreia do Norte, China, Cuba. Como se o socialismo necessariamente se transformasse num sistema totalitário.

Existe três linhas de raciocínio para explicar porque esses casos de socialismo em específico enredaram para o totalitarismo: (1) essas revoluções aconteceram em países atrasados, (2) não houve a revolução mundial, (3) revoluções pioneiras sempre estão abertas ao bonapartismo e à restauração.  Ao final veremos os três fatores atuam para evitar o fenômeno da degeneração/restauração. Vamos a resposta detalhada: 


1ª linha de argumentação - Essas revoluções aconteceram em países atrasados

Eram países que as suas condições objetivas não estavam totalmente consolidadas, amadurecidas, para o advento do Socialismo, o que permitiu o desenvolvimento da degeneração burocrática em seu interior.

A tradição marxista até 1917 esperava que o advento das revoluções socialistas, especialmente as primeiras, particularmente as que triunfassem primeiro, seriam em países capitalistas avançados de então: Grã-Bretanha, França, Alemanha.

As revoluções da China, Coreia do Norte, etc, foram revoluções que apenas as condições subjetivas estavam amadurecidas (um partido revolucionário), mas foram conduzidas não por um proletariado fabril, mas sim pelo campesinato e pela classe média. Ficaram abertas a pequena burguesia tomar o controle do processo revolucionário, esvaziando a democracia revolucionária. Assim, a ditadura revolucionária do proletariado (democracia operária) acabou substituída pela ditadura da burocracia sobre o proletariado.

Mais, as revoluções sem um parque industrial desenvolvidas plenamente acabaram acossadas ainda mais pelo bloqueio econômico, que sobrecarregou o Estado, a forçar artificialmente a desenvolver a economia. Reforçando a burocratização. Em resumo, tornou-se aquilo que o trotskismo chamou de Estados Operário Degenerados ou Burocratizados.

2ª linha de argumentação - Não houve uma revolução mundial

Sem o triunfo da revolução mundial, esses países sofreram pelo cerco e bloqueio, diante de um sistema industrial que mundial, é que implicaria relações econômicas mundializadas. Sob o cerco e bloqueio, as condições para o desenvolvimento do sistema capitalista estiveram limitadas a fronteira daqueles países, e também sujeitas à degeneração.

A revolução proletária é apenas a inauguração da transição ao Socialismo, isto é, não inaugura o socialismo em si. Temos portanto o advento apenas de um Estado Operário (ou Proletário), a economia passa a ser um capitalismo de estado sob controle desse estado operário. Isto é, temos apenas uma "Economia Estatal Proletária". 

Logo, um sistema socialista, enquanto etapa histórica que sucede, supera o Capitalismo, e diante do fato que esse sistema tornou-se mundial, precisa ser mundial. Faltou portanto a "Revolução Mundial", como diriam Lênin e Tróstki.

Temos então que a revolução proletária socialista funda apenas uma sociedade pós-capitalista, e não o Socialismo. Precisa para então para isso que se combine o Estado Operário, a economia nacional sob estatização proletária, com uma mundialização socialista do governo e da economia.

3ª linha - Revoluções pioneiras sempre estão abertas ao bonapartismo e à restauração

Essa linha talvez seja a menos explorada pelos marxistas: Toda revolução que desenvolve um modo de produção novo, seja o caso de burguês-capitalista, seja o caso socialismo/proletário, se limitada a fronteira nacional e se estiver sob o cerco e bloqueio, estará sujeito ao cesarismo ou à própria restauração. Seria uma espécie de custo da primazia, do pioneirismo.

Foi assim com a revolução inglesa, que limitada às ilhas britânicas, acabou degenerando na ditadura do "Lorde Protetor" Oliver Cromwell e depois na própria "Restauração" da monarquia da dinastia dos Stuart. Ou na Revolução Francesa com Napoleão Bonaparte e na própria restauração dos Bourbons. 

A exceção foi a Revolução Americana, que teve a oportunidade de seguir caminho distinto, contando com o apoio da França e depois das independência das ex-colônias britânicas da América. Por sua vez, a experiência do breve aparecimento dos Estados Confederados pode ser classifica em uma espécie de "Restauração", mesmo que limitada.

Se as revoluções inglesa e francesa caminharam para o bonapartização e depois para a restauração, mas em seguida rumaram para "revoluções gloriosas" - parafraseando o nome da revolução inglesa de 1688 que derrubou pela segunda vez a monarquia Stuart - que permitiram o retorno das conquistas da revolução anterior.  A própria Revolução Russa, chinesa, etc, podem em um breve futuro reverter para a revolução.

Portanto, a História não se fechou para as revoluções socialistas degeneradas do século XX, apenas estão na etapa de bonapartismo e/ou de restauração.

Se o totalitarismo não é a regra, mas a exceção, como evitar a degeneração?

Se as formações sociais nacionais não necessariamente degeneram para tiranias; se as experiências societais socialistas do século XX degeneraram para tirania por excepcionalidades delas próprias, como evitar que se repita tal fenômeno?

Três fatores atuam para evitar a degeneração burocratizante. Primeiramente, é preciso um partido revolucionário bolchevique mundial que consciente dos problemas atue consciente e preventivamente a fim de evitar essas as tendências estruturais à degeneração de todas as revoluções. Esse partido por sua vez tem que ser democrático, revolucionário e mundializado.

Há de ter o reforço permanente da democracia operária no Estado Nacional. Tanto nas suas instituições, tanto nas condições econômicas que a garantem a participação ativa dos operários após o instauração do Estado Operário. Uma revolução política que democratize constantemente as instituições do novo Estado.

É preciso portanto que a economia se desenvolva a permitir a emancipação material da população para permitir que ela participe politicamente e ganhe a autonomia intelectual para gerir o Estado e a economia, sem a necessidade de uma burocracia. Uma revolução permanente da economia, que melhore o bem-estar, aumente o tempo livre das pessoas, para que elas não vivam limitadas a luta pela sobrevivência. Que elas, desde àquelas em postos mais simples, tenham condições de participar da gestão da produção, desde seu local de trabalho, empresa, ramo econômico e da economia regional, nacional e mundial.

O stalinismo rumou em sentido oposto. Temos aí então o mal que desgastou e arruinou essas experiências. Mas as lições ficaram. Aguardemos os próximos atos da História.

Sugestão de leitura - Por fim, sugiro que leia dois livros de nossa tradição teórica:

a) sobre a experiência socialista do século XX indico:
  • "A revolução desfigurada", de Leon Trótski.
  • "A ditadura revolucionária do proletariado", de Nahuel Moreno e 
  • "O veredito da História: Rússia, China e Cuba, a revolução socialista à restauração do capitalismo" de Martín Hernandez.
  • "China x Vietnã, de Ernest Mandel, Enio Bucchioni, Elisabeth Marie.
  • "Revolução chinesa e indochinesa", Nahuel Moreno
b) sobre a Revolução Francesa e ditadura de Napoleão Bonaparte:
  • "Pureza Fatal. Robespierre e a Revolução Francesa", de Ruth Scurr.
  • "Napoleão e seus colaboradores. A construção de um ditadura", de Isser Woloch.
c) visão geral das revoluções sociais:
  • Anatomia das revoluções, de Crane Brinton.
  • "Socialismo", de Paul M. Sweezy.
e) Revolução inglesa, Guerra Civil e Revolução Gloriosa:

  • "História de Inglaterra", de André Maurois.
f) As consequências da revolução francesa e das guerras napoleônicas no Brasil:
  • "Versalhes Tropical. Império, monarquia e corte real portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821", de Kirsten Schutz

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