segunda-feira, 27 de março de 2017

Terceirização ilimitada precariza relações de trabalho, abre brechas para driblar legislação e prejudica as pequenas empresas

por Almir Cezar Filho, com informações*

A Câmara dos Deputados aprovou na tarde do dia 23/03 a regulamentação da terceirização, abrindo espaço para que empresas realizem toda a sua atividade-fim com o trabalho de outras prestadoras de serviço. Terceirização ilimitada precariza relações de trabalho e abre brechas para driblar legislação trabalhista, e ainda prejudica as pequenas e microempresas.

A liberação quase irrestrita da terceirização serve mais como atalho para escapar do cipoal dos encargos que pesam sobre a folha de pagamentos, principalmente das micro e pequenas empresas que mais empregam, e escapar da Justiça do trabalho que uma alternativa real de geração de emprego e renda.

O texto que agora segue para sanção do presidente Michel Temer ultrapassa o objetivo declarado de proporcionar a especialização produtiva das empresas e abre grandes brechas para que a terceirização seja utilizada como forma de substituição permanente dos trabalhadores de cada empresa. Embora a regulamentação da terceirização fosse uma necessidade para assegurar o uso correto dessa modalidade, o equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência nas empresas e os de proteção ao trabalhador deveria ser assegurado. 

Temos que enfrentar as questões que afligem empregados, desempregados e empregadores, desde o debate sobre a estrutura sindical até a necessidade de desoneração da folha de pagamento. São desafios gigantescos, mas que precisam ser encarados de frente, sem subterfúgios.

A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que regulamenta a terceirização para ser aplicada em qualquer ramo de atividade, inclusive a atividade-fim, seja no setor público ou privado, tem como objetivo apenas reduzir custos para as empresas, sem levar em conta o capital humano.Terá consequências sérias, por exemplo o aumento dos acidentes de trabalho e da rotatividade.

Proposta beneficia apenas as empresas

O projeto, de 1998, que, agora irá para a sanção do presidente da República, Michel Temer, traz bem menos salvaguardas do que o debatido em 2015. Os deputados que votaram pela aprovação do projeto 4.302, de 1998, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas de todos os setores da economia, deram a sentença de morte aos direitos da classe trabalhadora, alcançados com muita luta ao longo da história, à CLT, à carteira de trabalho, às regras de proteção social e às relações de trabalho mais equilibradas e justas.

A terceirização aprovada na Câmara representa também a precarização da mão de obra, pois deixará milhões de trabalhadores sem proteção na hora de “negociar” salários, condições dignas de trabalho, direitos trabalhistas e previdenciários.

Ao permitir a terceirização de atividade-fim, o PL em questão avança perigosamente para a precarização das relações de trabalho de milhões de trabalhadores brasileiros, com consequentes riscos para a saúde e segurança no trabalho que não podem ser desprezados ou subestimados.

Atualmente, a terceirização já se caracteriza pela redução de salários, perda de direitos trabalhistas e prejuízo das condições de trabalho. Se assim é na terceirização da atividade-meio, o que esperar de modelo semelhante para a atividade-fim? Certamente, um cenário pior.

O distanciamento do trabalhador terceirizado de seu empregador final aumentará a vulnerabilidade de determinados grupos, com consequente fragilização na manutenção dos direitos dos trabalhadores, conquistados ao longo de décadas de lutas.

Com a proposta, teremos diferentes categorias de trabalhadores dentro de um mesmo ambiente de trabalho, trazendo insegurança na manutenção do emprego, com evidente agravamento dos fatores de riscos psicossociais e, consequentemente, mais doenças e acidentes relacionados ao trabalho. 

Terceirização liberada abre brechas para driblar legislação trabalhista

Isso poderá ocorrer não de forma transitória ou para suprir demanda complementar de serviço, mas como estratégia para driblar exigências legais como direito a férias e décimo terceiro salário. Empregos diretos poderão ser substituídos por contratações temporárias, ou pior, via pessoa jurídica (PJ), sem direitos como FGTS, 13º salário, férias, horas extras, reajuste salarial, entre outros benefícios.

Além disso, o significativo aumento do período de contratação temporária sem efetivação agravará a elevada taxa de rotatividade de trabalhadores, especialmente em segmentos econômicos onde a exigência de qualificação profissional é menor, criando multidões de pessoas em uma busca sem fim pela efetivação do emprego, com comprometimento da renda dos mesmos.

Segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o trabalhador terceirizado trabalha três horas a mais por semana, ganha 27% a menos que um trabalhador direto e possui alta rotatividade, pois não possui nenhum direito a indenização por demissão sem justa causa.

Os acidentes de trabalho no Brasil são mais frequentes e graves entre trabalhadores terceirizados. Quatro de cada cinco trabalhadores que morrem de acidentes no exercício da profissão são terceirizados, de acordo com a Justiça do Trabalho. Essa modalidade é ainda mais precária na área rural, sendo frequentes as denúncias de condições similares ao trabalho escravo. 

Este quadro tende a piorar com a nova proposta de terceirização, onerando o SUS e a Previdência Social, exatamente em um momento onde essas instituições mais precisam ser protegidas e fortalecidas. 

Prejuízos à Previdência e à Receita

O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, em várias entrevistas diz-se tratar de algo positivo para as MPE (micro e pequenas empresas). Ele acredita que a terceirização permitirá que as pequenas empresas participem de cadeias produtivas como prestadoras de serviços especializados ou tenham contratos de trabalho que sejam adequados às modernas relações que a CLT não contempla e traz insegurança jurídica.

Porém,esse arranjo significará mais um baque nas contas da Previdência. Se grandes companhias trocarem seus funcionários com carteira por terceirizados de empresas optantes do Simples, deixarão de arcar com 20% da alíquota previdenciária. A terceirizada, no caso de recolher pelo sistema simplificado, pagará de 4,5% a 16,93% – incluindo aí todos os impostos, como o de Renda e o ISS.

Se o empregado virar patrão de si mesmo – a pejotização – a situação piora, pois nem o 11% sobre o salário será recolhido, caso faça uma retirada mínima e opte por receber os rendimentos isentos. Até o Sebrae, assim como as outras entidades do Sistema S, perderá, pois não contará mais com o percentual que incide sobre a folha

Pequenas e microempresas serão penalizadas

O PL nº 4.302/1998 acabará afetando também os empregadores, especialmente as MPE (micro, pequenas empresas).

Também, seguindo a lógica de Afif, a terceirização das áreas fins, não necessariamente se chega a mesma conclusão de tratar-se ser benéfica às micro e pequenas empresas. Uma empresa grande liberada de ter funcionário contratados diretamente sobre suas atividades-fins pode simplesmente fatiar sua produção em dezenas de outras empresas subsidiárias, abertas por ela justamente para isso, correspondendo a exclusivamente cada etapa da produção, passando agora a prestar "serviços" a empresa final-mãe, e dispensando de contratar legitimas MPE.

Por sua vez, a lei ultrapassa o objetivo declarado de proporcionar a especialização produtiva das empresas e abre grandes brechas para que a terceirização seja utilizada como forma de substituição permanente dos trabalhadores de cada empresa, com o objetivo apenas reduzir custos para as empresas, sem levar em conta o capital humano. Terá consequências sérias, por exemplo o aumento dos acidentes de trabalho e da rotatividade.

Além disso, as economias com a especialização com o fracionamento de cada etapa produtiva por empresa de terceirização pode não ser proporcional em decorrência de vantagens ocultas de escala e escopo, com prejuízos, que seriam compensados apenas com a redução salarial dos trabalhadores terceirizados de mesma profissão. Porém, com mais prejuízos ao capital humano.

Apesar dos aparentes benefícios iniciais, os custos sociais envolvidos em uma terceirização sem limites serão pagos, em longo prazo, por todos, incluindo os próprios empregadores. Com a necessidade de ampliar a arrecadação de tributos para o Seguridade Social ou mesmo o pagamento do prêmio-de-risco para as seguradoras privadas.

Por fim, de maneira geral, o mercado herdará com a terceirização irrestrita consumidores com salários menores, e portanto, com menor poder de compra, situação que as MPEs são mais suscetíveis a prejuízos nas variações de demanda.

Assim, quem obterá vantagens de fato com a lei serão as grandes empresas.


(*) Com informações: Agência Brasil, Monitor Mercantil, Valor Econômico

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