quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

(Haiti) Vodu: entre a resistência e o preconceito

Como toda religião surgida nas Américas nos 500 anos da diáspora africana, o Vodu, a religião predominante no Haiti, sofre com um forte preconceito das elites, que em seu olhar eurocêntrico, a veem como "uma crença primitiva, responsável pelo atraso social e até econômico do Haiti", algo não muito diferente do que ocorre no restante da América Latina, a exemplo do Brasil, com a Umbanda e o Candomblé.

Na recente catástrofe por que passa o Haiti, esse trama e tensão sobre o Vodu volta a tornar-se nítido: falas de representantes das elites, como o "flagra" do Cônsul do Haiti em São Paulo em entrevista a um veículo da grande imprensa brasileira, ou mesmo comentários ácidos ou matérias tendenciosas de jornalistas sobre os hábitos culturais-religiosos da população haitiana diante e após a tragédia, como feitas pelo jornalista Claúdio Humberto, âncora de programa na rádio BandNews FM Brasília.

Esse tipo de prática da burguesia branca, racista e colonialista deve ser repudiado. O Vodu, além de ser uma religão - e como religião merece o respeito e reconhecimento tal como as igrejas cristãs, o judaísmo e etc - foi, e o é, símbolo da resistência cultural e política do povo haitiano contra o colonialismo, o racismo e o imperialismo.

Leia a seguir uma matéria, rara na grande imprensa, mesmo de internet, que apresenta de maneira razoável, o que é o Vodu, e o seu papel na cultura haitina.

Religião dominante no Haiti, vodu mistura elementos cristãos e crenças africanas

Religião foi oficializada pelo governo e é praticada nacionalmente.
Rituais lembram a umbanda e o candomblé brasileiros.


Giovana Sanchez Do G1, em São Paulo

m meio à situação de catástrofe humanitária vivida pelos haitianos após o terremoto que devastou o país no dia 12 deste mês, o cônsul do Haiti em São Paulo foi pego numa declaração dizendo que toda aquela tragédia era culpa de uma 'maldição' feita 'pelos africanos que moram lá'. Tentando associar a 'maldição' à 'macumba', George Samuel Antoine quis dizer basicamente que o terremoto foi culpa do vodu - religião amplamente praticada pelos cidadãos do país.

No dia seguinte, o cônsul pediu desculpas pelos comentários - ele ainda disse que a 'desgraça de lá' estava sendo 'boa pra gente aqui'. Mas o "flagra", segundo analistas entrevistados pelo G1, mostra um preconceito que há muitos anos domina a elite ocidental de maneira geral: a visão de que o vodu é uma crença primitiva e de que seria responsável pelo atraso social e até econômico do Haiti.

A religião existe antes mesmo da criação do país. Uma versão amplamente aceita da história da independência do Haiti, em 1804, conta que a revolta dos negros teve origem em um ritual de vodu.

"O vodu é central na história haitiana e atinge a maior parte da população", explica o antropólogo e professor do programa de pós-graduação em antropologia social da UFRJ Federico Neiburg. Segundo ele, a religião foi construída nas Américas por escravos, como o candomblé no Brasil, e mistura elementos de cultos africanos com o cristianismo. Há entidades que são associadas com santos, e datas festivas católicas que são celebradas pelos praticantes do vodu. "Junto com o vodu, surge uma língua, que é o crioulo, que também é uma mistura."

Apesar de o vodu estar profundamente atrelado à tradição e aos valores nacionais, houve durante muitos anos uma perseguição aos seus praticantes no Haiti. "A elite haitiana que fez a revolução olhava mais para a França do que para a África. Esse olhar fez com que, durante quase um século, até o início do século XX, a elite haitiana tivesse uma relação paradoxal: rejeitavam o vodu, embora muitos integrantes conhecessem e até praticassem a religião. Eles colocavam a prática como a causa do atraso da nação. Isso começou a mudar na década de 1920 e 1930, no contexto da ocupação norte-americana do país. Essa ocupação (de 1915 a 1934) produziu na elite um sentimento nacionalista e uma volta do olhar para a África", explica o professor Neiburg.

O vodu ainda sofreria um outro revés, em 1940, quando houve uma campanha contra a prática no país. A religião só foi reconhecida oficialmente pelo Estado com a promulgação da Constituição de 1987, que também reconheceu o crioulo como um dos idiomas oficiais do país.

( clique aqui para ler a íntegra )

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