Não vivemos no caminho da servidão, mas sim, na servidão do caminho...
Por Almir Cezar Filho
Em O Caminho da Servidão, Friedrich Hayek acusava o socialismo, o intervencionismo econômico, o Estado de bem-estar social e o planejamento estatal de conduzirem a uma "servidão": a perda das liberdades civis e a ascensão de regimes totalitários. Para Hayek, e para seus pares como Von Mises e Milton Friedman, qualquer tentativa de submeter a dinâmica do mercado à ação coletiva racional implicaria inevitavelmente na erosão da liberdade individual. No entanto, a realidade que emergiu nas últimas décadas mostra-se um espelho invertido dessa tese. O desmonte dos instrumentos de regulação estatal, a demonização do planejamento, a precarização do Estado social e a expansão desmedida da lógica mercantil não produziram liberdade, mas sim uma nova forma de servidão: a servidão ao capital financeiro, às corporações transnacionais e ao poder punitivo do Estado autoritário.
Sob a hegemonia da ideologia do livre mercado, vivemos a degradação da malha social, a desindustrialização, a explosão das crises financeiras, a inflação das commodities, a concentração de riquezas e a corrosão da esfera pública. O "mercado" — como abstração ideológica que naturaliza relações sociais e apaga conflitos — se tornou dogma inquestionável. Entretanto, esse fundamentalismo mercadológico se traduz, na prática, em anomia, precariedade e despotismo. A promessa de liberdade se converte em serviço informal, vigilância digital, escravidão por dívida e judicialização da política. O que era para ser um antídoto contra o totalitarismo, revelou-se seu fermento.