quinta-feira, 13 de abril de 2023

Decadência econômica e revitalização urbanística do centro de Niterói: sobre a degradação dos seus grandes edifícios

por Almir Cezar Filho

A cidade de Niterói, por décadas, passou por um processo de decadência e esvaziamento e perda da autoestima de seus cidadãos.Antes de falar dos edifícios, é importante traçar o processo geral que os levou a essa situação. Sua decadência e abandono não são casos isolados ou obra do acaso, mas resultado do mesmo processo que assolou a cidade de Niterói.

A economia niteroiense era na década de 1950 uma das mais importantes do país. Além de capital estadual, era um importante polo nacional da indústria naval, de pescado e têxtil. Seu porto, além de base para indústria naval, recebia importações e exportava a produção fluminense agropecuária.

Sinais deste passado podem ser vistos nas grandes construções de perfil fabril e em centenas de bairros com feição operária concentrados na zona norte de Niterói e se estendendo para vários bairros da cidade vizinha de São Gonçalo.

Decadência econômica de Niterói ontem

Niterói, até o fim da década de 1960, estava entre as 10 maiores cidades do Brasil, segundo o censo. Contudo, no início desta década, inicia-se um processo de esvaziamento econômico. O movimento portuário de Niterói, por exemplo, diminuiu em 50% no período de 1964-1967, em grande parte em decorrência da decadência da economia cafeeira do Norte Fluminense e, por sua vez, setor têxtil, tradicional na economia fluminense, também foi perdendo a competitividade desde então.

Também contribuiu à decadência econômica a transferência da capital do antigo Estado do Rio de Janeiro de Niterói para a Cidade do Rio de Janeiro, com a fusão com o Estado da Guanabara em 1975, com a consequente mudança das repartições públicas e estatais estaduais e de escritórios de empresas privadas. E ainda a construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada um ano antes, em 1974, contribuiu para agravar a situação, à medida que fez a região da Grande Niterói e o interior do estado passarem a gravitar mais forte e diretamente entorno da cidade do Rio de Janeiro – que, por sua vez, também passava por um esvaziamento econômico no mesmo período.

A consequência foi um claro processo de degradação urbana dos bairros industriais e do entorno do porto de Niterói com a deterioração e subutilização de muitos imóveis, que contribuiu para rebaixar a atratividade desses locais e negócios. Edifícios institucionais privados acabaram vendidos à especulação imobiliária, cujas sede das empresas e órgãos acabaram transferidos para a cidade do Rio ou para outros estados. Já os equivalentes públicos, secretarias de estado, sede de estatais ou autarquias, após algum tempo, paulatinamente, mesmo com promessas em contrárias, por serem substituídas por repartições de menor importância ou acabaram fechadas.

Os lançamentos de empreendimentos de comércio e serviços concentrados nos bairros da Zona Sul e Região Oceânica (bairros cuja orla é fora da Baía de Guanabara), como o próprio novo perfil residencial desses bairros, levou ao colapso do comércio de rua tradicional, mais concentrado no Centro da cidade, reforçando a degradação dessa área. E com autorização da Prefeitura, construíram-se três shoppings centers nesse bairro, que ajudaram a sufocar ainda mais o comércio de rua.

E, por sua vez, esse bairro, que tem um perfil menos propício ao perfil imobiliário de “cidade dormitório de alta renda”, não se beneficiou da expansão imobiliária imediata, e assim, também recebeu menos investimentos públicos, embora ainda recebesse diariamente enorme população flutuante, inclusive de outros municípios, tanto para acessar o comércio e serviços, como para usar o sistema de transporte (estação das Barcas da Praça Arariboia, os ônibus do Terminal e os viadutos de acesso à Ponte Rio-Niterói), saturando o trânsito local e reforçando um perfil de “passagem” ao bairro.

Por sua vez, o Porto de Niterói manteve-se até a metade da década de 2000 subutilizado e seu entorno esvaziado e degradado. A partir da década de 1970 com a construção da Ponte Rio-Niterói, uma parte do cais foi tomada por aterro e viadutos de acesso das vias da cidade à ponte, limitando e complicando as atividades portuárias locais, contribuindo para acelerar a decadência do porto. A estagnação da atividade da indústria naval na década de 1980 e 1990, fez com que o Porto se limitasse as atividades de importação de trigo ao Moinho Atlântico fechado em 2001. 

Por sua vez, as enseadas dessa região acabaram criticamente assoreadas, com pontos onde a profundidade é de apenas 30 cm. Somente entre 2003-2006 o Porto passa a operar como terminais de apoio a atividades de produção de petróleo offshore, inclusive incorporando terrenos de sua volta – está no momento entre os 10 portos mais movimentados do país em valor agregado (dados da Secretaria Nacional Especial de Portos).

E ainda, em virtude das décadas de esvaziamento econômico da cidade, as áreas de aterro do Aterro da Praia Grande – cuja construção coincidiu com início do esvaziamento econômico, sob o pretexto de que esta seria consequência justamente de uma saturação urbana – seguiram por anos desocupadas ou subocupadas, mesmo atualmente, servindo meramente como estacionamentos improvisados. Formando uma grande área de vazio urbano.

Contraditoriamente, o Centro da cidade, carente de equipamentos culturais e áreas lazer, motivo alegado para construção do ‘Caminho’, viu com autorização da Prefeitura fechar dezenas de cinemas de rua, desaparecer áreas livres usadas como espaço de lazer e não desenvolver espaços culturais populares no aproveitamento de edifícios históricos fechados ou subutilizados.

Dezenas de edifícios históricos e icônicos da cidade, como por exemplo, o abrigo dos bondes (restaurado somente 2008 restaurado em contrapartida por um hipermercado, convertido em um centro cultural, porém no momento parcialmente fechado), o antigo Mercado Municipal (fechado há quatro décadas e em obras a ritmo lento há mais de sete anos pelo governo estadual, por fim transferido à Prefeitura e retrofitado por uma parceria pública-privada), o Palácio Arariboia (antiga sede da Prefeitura, em uma restauração que se arrasta há quase uma década), o casarão Notre Revue (Casa de Norival de Freitas – sem previsão de restauro), simplesmente estão fechados e abandonados a décadas.

A REVITALIZAÇÃO ECONÔMICA DO CENTRO

Portanto, proliferou-se durante anos de volta do dinamismo da cidade o oposto no seu Centro: casarões e sobrados abandonados, comércio fechando, praças abandonadas e ruas e calçadões mal conservados, moradores que migraram, tudo à espera de uma “revitalização” que nunca vinha.

Essa situação abriu a região à especulação imobiliária, que aguardava incorporações a preços baixos e o momento oportuno futuro para fazer lançamentos na área, que parece que enfim chegou na região. Nos últimos dois anos surgiram vários lançamentos imobiliários justamente nessa região, embora ainda em ritmo lento, acompanhando a aparente saturação e restrições construtivas nos bairros da Zona Sul.

Assim, pode-se dizer que a área do Centro vem se tornando uma área ambicionada pelas grandes construtoras, e portanto alvo de seu controle, inclusive das intervenções públicas sobre a região, o que inclusive pode complicar, ao invés de facilitar, as medidas de revitalização. Mas a instabilidade econômica do país e a crise na atividade petroleira fluminense paralisou a arrancada de projetos imobiliários e a revitalização do Centro.

Os prédios institucionais fechados, se devidamente recuperados, mesmo a novos fins institucionais ou culturais/entretenimento, poderiam contribuir para a retomada econômica da cidade, especialmente após muitos meses de pandemia de covid-19, que obrigou a economia passar por recorrentes suspensão das atividades não essenciais.

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