segunda-feira, 20 de abril de 2020

Exploração, crescimento e desigualdade, para o Marxismo

por Almir Cezar Filho

Há toda uma literatura econômica recente que estuda a relação entre níveis de distribuição de renda e crescimento, na contramão da noção neoclássica tradicional que afirma que problemas de eficiência econômica podem, e devem, ser tratados separadamente de temas de equidade social não é válida. Os resultados mais recentes sugerem que tal relação é branda ou não existente. O que o Marxismo explicaria facilmente.

Pode-se mesmo dizer que sociedades que com maior exploração conseguem maior crescimento. Sociedades que intensificaram o ritmo de trabalho e atingiram o patamar de extração de mais-valia relativa, são mais superiores em termos de desenvolvimento capitalista, daquelas que se mantêm em extração de mais-valia em termos absolutos, sob um ritmo extensivo de trabalho.  

O economista e velho-bolchevique Eugene Preobrazhenski procurou tornar cientificamente ainda mais explicável essa correlação e trazê-la ao contexto do capitalismo monopolístico do século XX (ao menos da primeira parte desse século).

Taxa de exploração e taxa de crescimento

No modo de produção capitalista, segundo o Marxismo, há uma vinculação entre taxa de crescimento e taxa de exploração. A classe capitalista força a classe trabalhadora a executar mais trabalho do que se requer para cobrir seus meios de subsistência, produzindo assim mais-valia. Quanto maior a porção excedente, maior a taxa. É exatamente a mesma razão entre o valor excedente e o capital variável.


Se a jornada de trabalho é dividida entre trabalho necessário e trabalho excedente, a taxa de mais-valia é a razão entre as duas porções da jornada de trabalho. Em termos simples, a taxa de mais-valia é a taxa de exploração do trabalho pelo capital, ou dos trabalhadores pelo capitalista.

A mais-valia é composta do lucro líquido, juro e renda da terra. Onde está corresponde a diferença entre o produto líquido e o que é pago aos trabalhadores, como exemplo, salários. A mais-valia também pode ser definida como trabalho excedente, ou seja, a diferença do trabalho empregado para se produzir um bem e o trabalho socialmente necessário na reprodução do trabalhador.

A taxa de mais-valia (M*) compreende a relação entre o trabalho excedente (M) e o trabalho socialmente necessário para a reprodução do trabalhador (V). Sendo representada assim: M* = M/V. Maior extração de mais-valia permitem maiores taxas de acumulação de capitais, maiores taxas de lucro, o que garante maior taxa de expansão da economia.

Onde uma elevação em M ou uma redução em V, em detrimento de uma maior produtividade que pode ser por meio de uma redução de salários real ou aumento da jornada de trabalho acarretará em, uma maior exploração da força de trabalho.

Por sua vez, surge um paradoxo. Com o incremento da composição orgânica de capital decorrente, implica a condição de uma tendência decrescente da taxa de lucro e, portanto, uma pressão descendente do crescimento da economia.

A composição orgânica do capital (q) compreende a razão entre capital constante pelo capital variável. A composição técnica do capital (q*) compreende a razão entre a quantidade de meios de produção e a quantidade de trabalhadores.

No longo prazo, quanto maior for o capital constante em relação ao capital variável significa dizer que há um aumento da composição orgânica do capital e consequentemente, um aumento do desemprego que pressiona os salários para baixo, agravando assim a situação da mão-de-obra.

Ao mesmo tempo em que há uma aumento na composição orgânica ocorre uma aumento da mais-valia que converte-se em capital constante, devido a uma maior concentração das firmas, aumentando assim, a produtividade e, consequentemente aumentando-se a composição orgânica. Com isso, um aumento no desemprego provocado por inovações tecnológicas reduz salários e aumenta-se o lucro do capitalista.

Concentração de riqueza, distribuição de renda e taxa de crescimento

No entanto, alguns trabalhos empíricos, oferecem forte evidência da existência de uma relação positiva entre distribuição de ativos e o crescimento econômico, ao invés da renda. Sociedades com maior distribuição de ativos ou que incrementam ações política redistributiva, como uma reforma agrária que objetiva a expansão da agricultura familiar, tem potencial de ampliar a equidade social assim como a produtividade da economia. Assim, uma economia com concentração de ativos entre seus indivíduos possui mais pressões descendentes sob o crescimento econômico.

Isso se dá pelo fato de a mão-de-obra familiar ser mais eficiente do que a mão-de-obra contratada que sofre com problemas de incentivo. Logo, a transformação de arrendatários e assalariados rurais em proprietários tem o potencial de gerar aumentos na eficiência da produção.

Esta aceleração do crescimento beneficiaria não só aos sujeitos diretos (neste caso, trabalhadores sem-terra beneficiário da reforma agrária), mas a sociedade como um todo. Por sua vez, uma maior desconcentração de ativos garantem também maior distribuição de renda. Estas pesquisas concluem que políticas redistributivas como a reforma agrária, têm potencial não só como política de redução de pobreza, mas também como política geradora de crescimento econômico.

Por outro lado, o fato de que a reforma agrária não teve um impacto significativo na distribuirão de renda sugere que os ganhos gerados por um maior crescimento foram absorvidos igualmente pelas camadas mais pobres e as camadas mais ricas.

Isto é, em suma, Estados que implementaram reformas agrárias cresceram mais rápido, e tiveram mais sucesso na redução da pobreza, do que estados que mantiveram uma estrutura fundiária tradicional. Isto é, atingiram patamar capitalista superior ("desenvolvido") do que aqueles que não o fizeram ("subdesenvolvido").

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