segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Uma crítica ao 'fordismo' como periodização do Capitalismo e de seu funcionamento

por Almir Cezar Filho*

Linha de montagem na Ford (década de 1930)
Quando a atual crise econômica eclodiu com força na Europa em 2009 após quase uma década de prosperidade contínua trouxe à baile recentes-velhas teses sobre a crise de longo prazo nas sociedades capitalistas avançadas. Na primeira fase da crise, com adoção de política anticíclicas a la keynesianas, e depois, na segunda fase, seu total inverso, as políticas de austeridade orçamentária e ataques a direitos sociais e trabalhistas, fizeram com que a esquerda intelectual europeia se voltasse ao seu passado teórico recente para tentar entender o que acontecia e à nostalgia aos anos do pós-Segunda Guerra, supostamente marcados pela "paz social", ganhos no bem-estar social e pelo progresso econômico crescente.

Nesse marco, um dos ramos do atual Marxismo europeu, a "Escola da Regulação", afirma que o Capitalismo contemporâneo viveria agora uma fase pós-fordista, toyotista.  Magnetizada pelo conceito "fordismo", que utiliza inclusive como categoria classificatória para o estágio moderno do Capitalismo, substitui a periodização e classificação marxista e leninista desse sistema, e o faz, negando as categorias analíticas e as conclusivas do materialismo histórico para entender as crises capitalistas. Contudo, antes de concluir que nível ou etapa histórica que o sistema capitalista se encontra - se Pós-Fordista ou não - devemos analisar se de fato houve o "Fordismo". Mas antes deve-se analisar quem é a Escola da Regulação e o que é regulação econômica para essa escola e o que de fato o é para o Marxismo.

A Escola da Regulação (ER), ou Teoria da Regulação, é uma corrente heterodoxa do pensamento econômico, de origem francesa  e de matiz marxiano, tendo como ponto de partida o conceito de "regulação econômica". A Regulação Econômica é a área da Economia que estuda o funcionamento do sistema econômico através da regularidade de preços e de quantidades produzidas, ofertadas e demandadas através da interação econômica entre as respectivas partes (ou agentes) do sistema econômico: o Estado, as empresas, os credores, os trabalhadores, os consumidores e os fornecedores. Não deve ser confundida com a regulação estatal, ou mesmo com a regulamentação, onde o Estado através de leis, portarias e intervenções pela política econômica e pelos órgãos públicos, que direta e indiretamente regulamenta e intervém na vida econômica.

Contudo, a regulamentação, os órgãos e as agências reguladoras, assim como as práticas estatais de regulação, são partes do complexo de regulação econômica estatal, e não a regulação em si. Assim também, muito menos, podem esses serem identificadas com o próprio complexo geral de regulação da economia que exercido também como outros componentes do sistema econômico, isto é, pelos próprios atores econômicos, em suas práticas, tradições e restrições ideológicas e morais.

Ao longo da segunda metade do século XX desenvolveu-se três grandes abordagens teóricas sobre regulação econômica. Uma que que advém da tradição econômica clássica e neoclássica, onde a regulação é realizada pelo Mercado, via mecanismos de preço e quantidade, a lei da oferta e da procura. Tanto a neoclássica  pela "lei de Say", como a keynesiana e kaleckiana  pelo "Princípio da Demanda Efetiva", lhes são decorrências lógicas.

Outra, que advém da tradição geral da heterodoxia econômica, que as instituições, as normas e os mercados especiais (de trabalho e de moeda) são os responsáveis pela regulação. Os schumpeterianos, os evolucionistas e os institucionalistas também concebem de maneira semelhante, destacando o papel das instituições e organizações, porém onde predomina é a visão da Escola da Regulação.

E por fim, a terceira, que advém do Marxismo ortodoxo, onde a regulação é exercida pela "lei do valor", o valor-trabalho marxiano. A melhor expressão desta visão encontra-se com o economista soviético Eugueni Preobrajenski e seu livro A Nova Econômica, que diz "numa sociedade que não possui centros diretores de uma regulação planificada, chega-se, graças à ação direta ou indireta desta lei [lei do valor-trabalho], a tudo que é necessário para um funcionamento relativamente normal de todo o sistema de produção" (PREOBRAJENSKI, 1979).

A teoria da Regulação foi desenvolvida em meados da década de 1970, dentro do CEPREMAP (sigla em francês para Centre pour la recherche économique et ses applications), com base nos trabalhos de Michel Aglietta, André Orléan, Bernard Billaudot, Robert Boyer, Benjamin Coriat (do CEPN, Centre d’économie de Paris Nord) e Alain Lipietz, não por acaso também chamada de Escola Francesa da Regulação. Teve como ponto de partida uma crítica severa à economia neoclássica, uma análise estrutural da sociedade industrial, especialmente a francesa, a partir de uma retrospectiva histórica, combinando a economia política, macroeconomia e ciência política, a qual procurou ultrapassar através de uma síntese eclética entre keynesianismo, marxismo, institucionalismo americano, historicismo alemão e a Escola dos Annales. A obra Regulação e crise do capitalismo de Michel Aglietta, de 1976, é considerado a fundadora desta corrente.

A crise da década de 1970 trouxe a baile uma nostalgia dos anos do pós-Segunda Guerra Mundial, marcado pela "paz social" e ganhos no bem-estar social e pelo progresso econômico crescente e a tentativa de explicá-la seu início, meio e fim. Para a ER o fordismo teve seu ápice nos anos do segundo pós-guerra (1945-1968), que ficaram conhecidas na história do Capitalismo como os "anos dourados". Entretanto, a rigidez deste modelo de gestão industrial foi a causa do seu declínio. Ficou famosa a frase de Ford, que dizia que "poderiam ser produzidos automóveis de qualquer cor, desde que fossem pretos". Isto porque a tinta preta secava mais rapidamente, e os carros poderiam ser montados em menos tempo. A partir da década de 1970, o fordismo entra em declínio. A General Motors flexibiliza sua produção e seu modelo de gestão. Lança diversos modelos de veículos, várias cores e adota um sistema de gestão profissionalizado, baseado em colegiados. Com isto a GM ultrapassa a Ford, como a maior montadora do mundo.

Na década de 1970, após os Choques do Petróleo e a entrada de competidores japoneses no mercado automobilístico, o fordismo e a produção em massa entram em crise e começam gradativamente, sendo substituídos pela produção enxuta, modelo de produção baseado no Sistema Toyota de Produção ou toyotismo. Em 2007 a Toyota torna-se a maior montadora de veículos do mundo e extingue definitivamente o fordismo na indústria automobilística.

O Fordismo seria o período que os processos produtivos do tipo conhecido como fordismo, e mesmo os métodos de venda e relação da empresa com os empregados e governo, tendo como referência aos praticados por Henry Ford em sua empresa de automóveis como um todo na Indústria, no setor industrial da economia. Formando um complexo de relações que se desdobravam em outras por toda a economia, e mesmo nos planos sociais da cultura, ideologia, política, etc, que por fim, determinaria a dinâmica e o desenvolvimento das sociedades ocidentais ao longo do século XX. Até mais ou menos aos fins da década de 1960 e início da década 1970, quando começou a ser questionado politicamente pelos trabalhadores e empresários e a não gerar mais ganhos de produtividade e eficiência. A ER identificou o fordismo como princípio de regulação com base a um regime de acumulação macrossocial que envolve formas específicas da produção capitalista e normas de consumo social.

Portanto, a grave crise social do fim da década de 1960, cujo auge foi o "maio de 1968" na Europa Ocidental, questionando todos valores e modo de vida construída nas três décadas do pós Segunda Guerra Mundial, como também a prolongada crise econômica da década de 1970 por que passou os países europeus ocidentais e a América do Norte, foram entendidas pela ER, como um crise do modelo fordista de sociedade capitalista (ou mesmo, a possível erupção de um modelo societário pós-fordista). O que comprovaria o sucesso e ascensão das economias recém-industriais do extremo asiático e de seu modelo de sociedade, que chamariam a atenção da Academia e dos técnicos nos últimos anos dos 1970´s e primeiros dos 1980´s. Sendo "essa" sociedade sucedida, por alguns autores regulacionistas, pela sociedade pós-fordista, ou melhor,  por alguns desses, como uma "sociedade toyotista".

Os estudos da ER atribuíram a Grande Depressão ao desenvolvimento inicial desequilibrado de um regime de acumulação intensiva que revolucionou as forças produtivas nos Estados Unidos, sem simultaneamente transformar as formas de consumo social e as reais condições de vida dos trabalhadores industriais. O resultado, diz Aglietta, foi um catastrófico desequilíbrio econômico, pois o setor de produção de bens cresceu muito mais rapidamente que o setor de consumo.

Na perspectiva do autores, após a Segunda Guerra Mundial, o fordismo realizou o potencial do capitalismo para a produção em massa, ao mesmo tempo em que promoveu a melhoria do padrão de vida de muitos trabalhadores. Com base na intensificação do fator trabalho, o aumento da taxa de exploração (medida pela relação entre lucros e salários) sob o fordismo livrou temporariamente o setor de produção da tendência de queda da taxa de lucro (relação entre lucro e capital), mediante a progressiva redução a quantidade de trabalho humano (capital variável) envolvida no processo de produção.

Ao mesmo tempo, com a produtividade crescente, houve o barateamento de bens de salário, de modo que o padrão de vida da classe operária industrial melhorou significativamente, apesar do aumento da exploração da força de trabalho. Os níveis crescentes de consumo social - garantidos através de mecanismos institucionais, como a sindicalização e a negociação coletiva legalizada -, por sua vez, promoveram um certo equilíbrio entre o setor de bens de produção e o setor de bens de consumo durante a época de ouro do fordismo, entre 1945 e o fim da década de 1960. Ainda segundo os textos da ER, no final dos anos 1960, o ritmo da acumulação ficou mais lento, e o crescimento da produtividade desacelerou acentuadamente depois de 1966. O processo de trabalho fordista, baseado na extração de quantidades cada vez maiores de mais-valia através da intensificação do trabalho, chegava ao seu limites. Os salários reais já não podiam continuar a crescer. Iniciou-se então um duro ataque aos trabalhadores, seus sindicatos e seus salários, com o consequente impacto sobre o consumo.

Os trabalhos da ER, especialmente de Michel Aglietta desfrutaram, por algum tempo, de ampla popularidade, influenciando uma série de trabalhos acadêmicos importantes e dando o tom de grande parte da discussão, no âmbito da economia política, ao longo da década de 1980. Na década seguinte, porém, suas conclusões sobre o fordismo foram submetidas a sérias críticas, já a partir de 1991, com a publicação do artigo de Brenner e Glick, pela revista New Left Review e se seguiram nas décadas seguintes. Apesar disso, prosseguiu-se um certa ascendência sobre parte da esquerda intelectual internacional, especialmente social-reformista, e na formação dos tecnocratas dos governos social-democratas da Europa.

Contudo, primeiramente, nunca houve Fordismo, como alguns o concebem no sentido mais amplo, denominada em referência aos pensamentos, métodos e a influência do empresário estadunidense Henry Ford, redefinindo-a como uma etapa do Capitalismo, a partir da interpretação da obra do marxista italiano Antonio Gramsci: uma época histórica de concessões materiais as massas proletárias, de fusão entre o Estado e o capital, de predomínio da acumulação intensiva. Assim, se o Fordismo existiu, o foi como forma para explorar de maneira mais eficiente a classe trabalhadora. Tratava-se apenas de um processo na cadeia de produção. Não alterava o sistema da grande indústria. Da mesma forma o Toyotismo. É uma mudança no padrão de produção das mercadorias, mas não afeta as características da grande indústria. Portanto, o Pós-Fordismo, consistiria em uma reversão (parcial) dessas principais características ou um ajuste.

A moderna empresa capitalista na indústria, observada desde principalmente após a crise nas economias centrais pelas décadas de 1870 e 1880, apesar de deitar raízes anos antes, orientada prioritariamente na extração de mais-valia relativa pelo uso intensivo de capital, tem por sua vez várias implicações: viável apenas para este tipo de produção, exige grandes fábricas, forte concentração financeira e alta participação de mercado pela empresa. Isso leva às sociedades anônimas, que reúnem capitais de diversas pessoas. O novo sistema de propriedade, dividido em ações, cria o anonimato do dono real do negócio.

A classificação de "Capitalismo Monopolista" foi conferido ao estágio do capitalismo pelos leninistas; o próprio Lênin afirmara que o Capitalismo da época imperialista era o "Capitalismo dos monopólios", e a categoria foi enfim adotada pela III Internacional. Já antes, o autromarxista Rudolf Hilferding (1) se utilizava de "capitalismo financeiro", marcado, segundo ele, pelo "capital financeiro", a fusão do capital industrial com o capital bancário. Por sua vez, a II Internacional utiliza-se da categoria "capitalismo de Estado"(2) a se referir por um lado o processo gradativo e continuada observado aos fins do século XIX de estatização e interferência estatal sobre setores, esferas e mesmo sobre toda a economia, por outro, a defesa pela social-democracia da socialização progressiva dos meios de produção como uma das táticas a estratégia social-reformista da via evolucionária ao socialismo, o que extensão permitia que afirmassem a que havia uma natural tendência de transformação pacífica e que caberia ao movimento socialista apenas dar consequência.

Os leninistas da III Internacional (3) também compartilham o conceito "capitalismo de Estado" mas com uma definição diferente e uma conclusão oposta a da social-democracia, como destaca Leon Trotski:
Mas temos que recordar que originalmente os marxistas entendiam por capitalismo de estado unicamente as empresas econômicas independentes que eram de propriedade do estado. Quando os social-reformistas sonhavam em superar o capitalismo através da municipalização ou nacionalização de um número cada vez maior de empresas industriais e de transporte, os marxistas ortodoxos replicavam, para refutá-los: isso não é socialismo e sim capitalismo de estado. Mas posteriormente este conceito adquiriu um sentido mais amplo e começou a ser a aplicado a todos os tipos de intervenção estatal na economia; os franceses utilizam, neste sentido, a palavra étatisme (estatismo) (TROTSKI, 1989).
Assim para ele, o capitalismo de estado surge da continuidade das convulsões econômicas surgidas pelo desenvolvimento das forças produtivas ainda presas as relações de produção capitalistas que obriga aos governos nacionais a recorrer de suas "armas" para impedir as crises, com o apoio das organizações operárias. Isso é o que significa a chamada economia planificada. Na medida que, o Estado tenta frear e disciplinar a anarquia capitalista pode-se falar, condicionalmente, de "Capitalismo de Estado". Mas a "economia planificada" deve ser considerada uma etapa completamente contraditória; o Capitalismo de Estado pretendeu afastar-se da divisão mundial do trabalho, adaptar as forças produtivas ao limite do Estado Nacional, restringir artificialmente a produção de alguns setores e criar, de maneira artificial, outros setores, através de investimentos improdutivos. A política econômica conseguiu uma estabilidade na economia, a custa, no médio prazo, da deterioração da economia nacional, de provocar o caos nas relações mundiais e de perturbar totalmente o sistema monetário.

Ao longo da década de 1920 e os anos seguinte de crise iniciada em 1929, o movimento marxista leninista, aparece a categoria de "capitalismo monopolista de Estado", principalmente após as empreitadas de combate a crise realizada sob três experiências, três maneiras distintas mais marcantes todas, com fortíssima atuação do Estado, como o New Deal, o Fascismo e a Frente Popular(4). Refere-se, portanto, a fusão dos interesses da burocracia estatal e de uma burocracia empresarial surgidas em substituição aos empresários, do papel do Estado como planejador, gestores de setores estratégicos e a constituição da rede estatal de proteção social. 

A burocracia empresarial se refere a camada médias de trabalhadores assalariados (proletários) que exercem  na empresa atividades em cargos dirigentes (os executivos) em substituição aos empresários, sendo que, nessa camada pode incluir ainda os especialistas, os técnicos e os capatazes. Tal camada é descrita como uma "aristocracia proletária", pelos altos salários e relativas melhores condições de trabalho do que o restante da classe. Por sua vez, a burocracia empresarial, mantém fortes vínculos com a burocracia estatal, pois executivos alternam-se entre cargos nos dois setores. E ainda, as lideranças sindicais são provenientes frequentemente das camadas médias das empresas, e ainda em determinadas condições burocratizam-se, o que lhe permite converte-se uma burocracia sindical, estabelecendo vínculos partidários com os governos social-reformistas, além das dependências subjetivas com as empresas

O pós Segunda Guerra com a intensificação e ampliação dessa situação, e a grande difusão do marxismo leninista, principalmente de sua versão stalinista ou social-democrata, consolida tal caracterização sobre o Capitalismo, particularmente também sobre marxismo acadêmico(5). Entretanto, à medida que avançou revisionismo no movimento marxista legou consigo o questionamento teórico da veracidade dessa categoria - devido o caracterização dado enquanto reacionário ao marxismo leninista, e a não constatação dos vaticínios sobre ele, particularmente sobre a configuração que o Capitalismo vinha desenvolvendo novas características, como a industrialização dos países semi-coloniais. Surge assim a categoria "Neocapitalismo", a princípio de maneira complementar à categoria Capitalismo Monopolista de Estado, e posteriormente de maneira substitutiva, imputando-lhe conclusões otimistas quanta a vitalidade e perpetualidade do Capitalismo, ou segundo eles, pelo menos, que haveria emergido um Capitalismo novo no pós-Guerra.

Entretanto, o Fordismo era entendido pelo Marxismo, até a ER, apenas para definir o processo disseminado de racionalizar e aumentar a produção pelo uso da linha de montagem e a produção mecanizada em série e em massa de produtos, inclusive de tipos de consumo típicos da burguesia (bens de consumo duráveis) (6), durante o Capitalismo imperialista. A Escola da Regulação a substitui pela categoria "Fordismo", dando um sentido neutro a sua origem, importando-lhe características até então dadas pelo Marxismo tanto ao Capitalismo Monopolista, como ao Capitalismo de Estado, com a substituição de alguns por outras novas atribuições, mas, de acordo com a perspectiva de tal abordagem, embora alguns grupos da ER mantenham o uso e a prioridade teórica da CME, procurando aperfeiçoá-la.

Para a ER, o fordismo, batizado com o nome de seu principal difusor e sistematizador, surge do objetivo de racionalizar e aumentar a produção, poderia simbolizar a grande indústria iniciada em fins do século XIX e ampliada no entre-Guerras e plenamente consolidada e disseminada nos pós Segunda Guerra, e dessa maneira seria plenamente classificatório para definir a etapa moderna do capitalismo não mais marcada pela concorrência livre. Para a ER o fordismo alterou padrões de organização política das classes e padrões de consumo, o que configuraria transformações sociais profundas no modo de produção capitalista por ele engendrado.

Porém, com a constatação da crise do Capitalismo a partir da década de 1970, por de certa crise do próprio conceito de fordismo, pelo menos de sua manutenção para caracterizar o momento corrente do capitalismo. Surge assim a categoria "Pós-fordismo" (ou de Toyotismo) de ante, por um lado, da crescente inflexão pela financeirização e transnacionalização da produção e das empresas e flexibilização da organização da força de trabalho arregimentada, e, por outro lado, pela permanente, crônica ou recorrente crise fiscal e/ou monetária, insucesso e descrédito com o controle macroeconômico e regulamentar pelo Estado e de sua ingerência no mercado.

De fato, ao se analisar as teorias em torno do Capitalismo Monopolista percebe-se correspondência com a realidade social muito maior do que a categoria "Fordismo", somente sendo necessário marcar as diferentes etapas que o Capitalismo da época imperialista, técnica e socialmente se constituí. Para ser preciso, as décadas iniciais do Imperialismo e do capital monopolista a sua forma mais usual, a do capital monopolista-financeiro, permite concluir que esta etapa do Capitalismo seja a do "capitalismo monopolista financeiro", iniciado na crise das décadas de 1870/80 e durou até a crise de deflagração da Primeira Guerra Mundial. Sendo sucedido pelo estágio de Capitalismo Monopolista de Estado, cuja ensaios sejam encontrados ainda nos anos da Primeira Guerra, sendo que a Crise de 1929, e posteriormente a Segunda Guerra, foram ocasionadas pelas dificuldades na sua consolidação, ocorrida somente após o fim da dessa guerra.

Por sua vez, a crise da década de 1970 e a instabilidade da década seguinte, na tentativa de consolidar o estágio subsequente de um capital que não apenas precisa da capitania do Estado Nacional, talvez mais do que nunca, mas que o submete, e que simultaneamente opera em escala mundial, isto é, além dos limites da fronteira nacional. Assim permite-se classificar o novo estágio do Capitalismo como Capitalismo Monopolista Transnacional, referindo-se a "mundialização" da economia e ao predomínio das TNC (sigla em inglês, corporações transnacionais). Portanto, o Capitalismo, a partir da segunda revolução industrial, o Capitalismo Monopolista, transicionou-se etariamente de um Capitalismo Monopolista Financeiro, para um Capitalismo Monopolista de Estado, para o agora Capitalismo Monopolista Transnacional.

O problema-chave portanto, não é que entramos no Pós-fordismo, pois nunca entramos de fato no Fordismo. Daí, deriva-se um segundo problema, diante do deslocamento do problema, sobre o que era/foi a causa da crise do fordismo, como de todas as crises do capitalismo. Logo, ao se confrontar a tese marxista ortodoxa e revolucionária com a tese dos regulacionistas, consequentemente permite a construção de um estatuto teórico da regulação e do Capitalismo usando com base lei do valor-trabalho.

Entra em crise o conceito e teoria sobre "regulação" e "crise" da ER. A alternativa, contudo, encontra-se no próprio Marxismo ortodoxo e revolucionário. Para Eugeni Preobrazhenski  - a maior autor sobre a questão da regulação e crise no Capitalismo, intervenção estatal para o desenvolvimento econômico nacional (vide "A Nova Econômica") e sobre entrelaçamento da dinâmica econômica e política (vide "O Declínio do Capitalismo") - a regulação, tanto na dinâmica econômica, como na trajetória do desenvolvimento econômica, é exercida pela lei do valor. A regulação capitalista é conduzida de maneira espontânea pela lei do valor e os mecanismos políticos, sindicais, empresariais e/ou legais são apenas ferramentas de intervenção, corretores ou limitantes, a seu livre curso.

Assim, se, por um lado, a lei do valor dá a dinâmica do Capitalismo, isto é, a determina, a regula, por outro, a Política, enquanto "economia concentrada", como diria Lênin, daria apenas à "direção", tal como numa máquina, que atuam simultaneamente os mecanismos de regulação e dinâmica. A política teria uma "primazia" no desenvolvimento do capitalismo, mas não seria seu determinante. Uma primazia tendo em vista que força o desenvolvimento a "sentidos", "direções" distintas que a trajetória normal que a livre acumulação faria por si só. Então temos duas grandes tendências, ou melhor dizendo, grupo de tendências ou "vetores" atuando sobre a dinâmica e o desenvolvimento, a regulação e a direção, complementares entre si. Por sua vez, o desenvolvimento seria pautado pela dinâmica longo prazo. E, por sua vez, a dinâmica capitalista seria tridimensional, onde encontrariam a dimensão econômica, com a dinâmica econômica strito sensu, os ciclos de negócios e os setores; a dimensão política dinâmica política, a luta política e intra-estatal; e a dinâmica das relações interestatais.

Quanto ao desenvolvimento do Capitalismo, a acumulação do capital exercida pela lei do valor vai desenvolvendo as forças produtivas da sociedade, que forçam posteriormente a implantação das relações de produção e instituições que lhe correspondem ou destruir as que a obstaculizam. A dinâmica de longo prazo daria assim a trajetória de desenvolvimento.

Almir Cezar de Carvalho Baptista Filho é economista graduado pela Universidade Federal (UFF) Fluminense e mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

(*) versão adaptada de um capítulo da monografia de conclusão de curso de graduação.
(**) 1ª atualização em 15 abril 2013,  2ª em 03 de maio de 2013 e 3ª em 24 de dezembro de 2013.

Notas:
1- HILFERDING, 1985
2- SWEEZY, 1967
3- como também expressa o setor oriundo do racha da III Internacional pós-Lênin, a trotskista Oposição de Esquerda, que em 1938 dará origem com vários grupos a IV Internacional
4- Refere-se aos governos encabeçados por partidos operários em alianças/frente com partidos burgueses convencionais. Sua primeira grande manifestação ocorreu no governo francês formado em 1935. A coligação política de socialistas, comunistas e radicais. Formada em Dezembro de 1935, ganhou as eleições parlamentares de Maio de 1936 sendo eleito primeiro ministro Léon Blum. Manteve-se no poder até 1938. As "frentes populares" foram concebidas em um movimento de "giro" da Internacional Comunista. Na década de 1920 até a ascensão do Nazismo, o órgão máximo dos partidos comunistas aplicou uma política tida por muitos como ultra-esquerdista, a qual negava qualquer tipo de aliança entre os partidos comunistas e os partidos da social-democracia (partidos socialistas). Esta posição foi adotada no VI Congresso da Internacional Comunista, a qual abandonou a linha da frente única, proibindo qualquer aliança com a social-democracia, caracterizada como "ala esquerda do fascismo". Após 1933 e a proscrição política do Partido Comunista Alemão, a Internacional Comunista, em nome de "barrar o fascismo", gira 180º em sua política, adotando a linha das frentes populares.
5- SWEEZY, 1983
6- SWEEZY, 1967 e MANDEL, 1985:232

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