quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Geo-história, Annales e Braudel

A História e a Geografia não compartilham apenas assuntos e métodos. Além de contribuir em muito para muitas ciências sociais, especialmente a Economia, a Antropologia, a Sociologia, Ciência Política e Relações Internacionais e quando tratadas combinadas como Geo-história são a primeira tentativa efetiva de transdisciplinariedade no pensamento social, e apesar de tal visão parecer bem moderna, é praticada desde o início do século XX.

Sob a influência da Escola dos Anais, a academia brasileira estruturou inicialmente ambas ciências sob um só curso, o que perdurou nas universidades por aqui até a metade do século passado. Mas também sob a influência dessa visão comum herdada dos Annales, Fernand Braudel, grande inspiração da moderna Teoria dos Sistemas-mundo, concebeu a temporalidade histórica de maneira distinta da História convencional, sendo os fenômenos sociais vistos sob o ângulo da temporalidade histórica-cultural e territorial.

Leiam abaixo parte da matéria da Revista História da Biblioteca Nacional.


Irmãs quase inseparáveis

História e a Geografia partilharam temáticas semelhantes até meados do século XX. Influenciadas pelos Annales, universidades brasileiras reuniam as duas disciplinas em um único curso.

Alexandre Camargo

História e geografia são frequentemente lembradas como áreas muito próximas, em especial quando se abordam assuntos como industrialização, urbanização e globalização. As duas disciplinas também são responsáveis por apresentar aos jovens a organização do homem em sociedade e o clássico problema da relação entre liberdade e condicionamento das ações. Questões já presentes no horizonte da primeira geração dos Annales, movimento historiográfico francês do início do século XX cuja “idade de ouro” se confunde com o apogeu da simbiose entre história e geografia.


Fugindo da importância positivista atribuída aos documentos, o historiador Lucien Febvre (1878 - 1956) foi buscar na geografia de Vidal de La Blache (1845 – 1918) as noções que permitiram à História incorporar a noção de estrutura como um fator de explicação dos fenômenos humanos. Fundador da escola conhecida como “possibilismo”, La Blache entendia o meio natural como um mero fornecedor de possibilidades. Assim, a vida dos grupos sociais não seria um resultado inevitável de condições ambientais, como queria o determinismo geográfico, mas de um “acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiriam utilizar os recursos naturais disponíveis”. Não havia necessidades, apenas possibilidades.

Febvre foi um simpatizante de primeira hora desta visão, que se harmonizava com sua noção de historicidade da cultura e das mentalidades. Um de seus exemplos favoritos diz que um rio pode ser tratado por uma sociedade como uma barreira e, por outra, como um meio de transporte. Mesmo as atitudes religiosas aí se incluíam, pois Febvre não se esqueceu de discutir a importância dos rios nas rotas dos peregrinos na Idade Média e Moderna.

Herdeiro dos Annales, o historiador Fernand Braudel (1902 - 1985) levou adiante este projeto com o livro “O mediterrâneo e o mundo mediterrânico à época de Filipe II”. No título, os termos estão propositadamente invertidos. O mediterrâneo é o sujeito da história, restando ao monarca espanhol um papel secundário. O objetivo é demonstrar que todas as características geográficas são parte da história. Por exemplo, as montanhas como fato geográfico dão lugar a uma discussão sobre o conservadorismo dos montanheses ou as barreiras sócio-culturais que separam os homens da montanha e os da planície.

Braudel idealizou ainda uma tipologia dos tempos históricos com ritmos de evolução distintos, tal qual um edifício de três pisos. A parte mais alta seria o tempo das conjunturas, dos acontecimentos, da política e dos homens. A seguir, o tempo das estruturas, da formação da sociedade, da economia e dos impérios. Na base, o ritmo mais lento, uma “história quase imóvel”, chamada por Braudel de “geo-história”. Este é o tempo da civilização mediterrânica, do seu berço greco-romano à Europa da renascença e dos Estados nacionais. Braudel consagra ao “tempo geográfico”, com sua longuíssima duração, a primazia na hierarquia das causas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário