Por Almir Cezar Filho | Série Limiar e Transformação Econômica
Apresentação Geral
O presente dossiê reúne três ensaios teóricos interligados que propõem uma releitura marxista contemporânea do desenvolvimento econômico brasileiro, articulando as contribuições de Evguêni Preobrazhensky, Michał Kalecki e Celso Furtado à realidade do capitalismo periférico do século XXI.
Os textos exploram, em sequência lógica, três dimensões estruturais do processo de acumulação:
1️⃣ a coerência entre crescimento e estabilidade;
2️⃣ as patologias da dependência e da estagnação; e
3️⃣ a reconstrução produtiva a partir do excedente nacional.
A trilogia forma o núcleo do que pode ser denominado Teoria da Acumulação Coerente, na qual o desenvolvimento não é visto como resultado espontâneo do mercado, mas como processo planejado de compatibilização entre setores, ritmos e proporções.
O Estado aparece, assim, não como mero gestor fiscal, mas como mediador racional da reprodução social, encarregado de alinhar excedente, investimento e capacidade produtiva.
Síntese: O primeiro ensaio propõe um modelo interdepartamental de crescimento garantido e não inflacionário, unindo Kalecki e Preobrazhensky. Defende que a estabilidade de preços não depende da austeridade fiscal, mas da compatibilidade estrutural entre os ritmos de expansão dos setores da economia. A inflação, nessa ótica, decorre de descompassos intersetoriais, e o crescimento sustentável surge quando o investimento produtivo se mantém proporcional à capacidade instalada.
Tese central: > “A coerência estrutural é a verdadeira âncora da estabilidade macroeconômica. A meta de inflação deve ser substituída pela meta de coerência interdepartamental.”
Conceito-chave: Taxa de crescimento garantido não inflacionário (gⁿᶦ = s / Σβᵢvᵢ)
Síntese: O segundo ensaio amplia a análise macroeconômica e introduz o conceito original de Doença Egípcia, definido como a síndrome de economias periféricas que nunca completaram sua industrialização, mas sofrem de estagnação e inflação crônica. Enquanto a Doença Holandesa é uma patologia do sucesso — excesso de divisas e valorização cambial —, a Doença Egípcia é uma patologia da carência, marcada pela dependência cambial e pelos gargalos produtivos.
Tese central: > “O subdesenvolvimento não é a ausência de industrialização, mas sua deformação permanente. A Doença Egípcia é o espelho da dependência: um sistema que vive de crises cambiais e de inflação estrutural.”
Conceito-chave: Ciclo da escassez e da regressão estrutural (queda das commodities → depreciação → inflação de custos → desindustrialização)
Síntese: O terceiro ensaio propõe o conceito de Acumulação Primitiva Nacional, reinterpretando Preobrazhensky sob as condições do capitalismo dependente atual. Defende que o excedente do agronegócio, quando coordenado por políticas públicas, pode financiar a reindustrialização verde e digital do país, inaugurando um novo ciclo de acumulação produtiva e soberania tecnológica.
Tese central: > “O campo, que historicamente foi a base da dependência, pode tornar-se a alavanca da soberania produtiva — desde que o Estado recupere o papel de mediador da acumulação e articulador da coerência nacional.”
Conceito-chave: Acumulação Primitiva Nacional – transferência planejada do excedente primário para investimento industrial, tecnológico e científico.
Integração Teórica da Trilogia
- Dimensão Conceito Problema Histórico Solução Proposta
- Macroeconômica Crescimento Garantido e Não Inflacionário Instabilidade de preços e descoordenação intersetorial Planejamento da coerência estrutural
- Estrutural Doença Egípcia Estagnação e inflação de custos em economias dependentes Superação dos gargalos produtivos e cambiais
- Estratégica Acumulação Primitiva Nacional Falta de base produtiva e de coordenação estatal Reindustrialização e investimento produtivo planejado
Em conjunto, os três ensaios formulam uma visão integrada de desenvolvimento, na qual o crescimento, a estabilidade e a soberania deixam de ser objetivos concorrentes e passam a ser dimensões complementares de uma mesma racionalidade econômica. Essa racionalidade — a coerência estrutural — é o que distingue o planejamento do improviso, o desenvolvimento da expansão cíclica e a autonomia da dependência.
Referência Geral do Dossiê
- CEZAR FILHO, Almir. A Teoria da Acumulação Coerente: Ensaios sobre Desenvolvimento, Planejamento e Soberania Econômica. Série Limiar e Transformação Econômica. Niterói–Brasília, 2025.