sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

A Agricultura do Rio de Janeiro é muito maior e importante do que se imagina

A fraqueza da agroindústria familiar e de políticas públicas que a apoiem levam ao seu esvaziamento.

por Almir Cezar Filho

Se é verdade que o RJ passa pela sua maior crise econômica em sua história, a Agricultura pode ser uma boa tábua de salvação. A Agricultura do Rio de Janeiro, ao contrário que induz o senso comum, é muito maior e importante do que se imagina; a fraqueza da agroindústria familiar e das políticas públicas que a apoiam é que levam ao seu esvaziamento.

A crise atual da economia fluminense é em parte pela dependência regional à indústria e especial a indústria de extração mineral e a indústria de construção pesada que a apoia. Quando o ciclo de preços dessas commodities entrou em crise em 2015, levou junto toda a economia e ao colapso dos cofres públicos. Por outro lado, enquanto em 2017 a Agricultura puxou a retomada da economia brasileira, o RJ ficou para trás.

A fragilidade da indústria fluminense é a fragilidade da indústria de transformação, em especial de produtos alimentícios e/ou ligado a agricultura. Ao contrário que diz o senso comum, enquanto os números da Agricultura são proporcionalmente pouco significativos, os do Agronegócio são muito maiores e importantes. Porém mesmo assim são relativamente atrofiados ao tamanho de próprio público consumidor regional. Portanto, apoiar os empreendimentos familiares rurais pode ser uma tática eficiente, efetiva e eficaz para esse processo. Mas, para tal é preciso uma série de ajustes nas políticas públicas agrárias, que em geral não estão formatadas ao atendimento desse segmento do público da agricultura familiar.

Passados mais de 20 anos da reconstituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA (desde 2016 Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Presidência da República - SEAD/PR), os sinais de melhorias nos indicadores econômicos e de bem-estar do meio rural em geral e dos agricultores familiares seguem pequenos no Estado do Rio de Janeiro, acompanhando o número geral da Agricultura e do meio rural fluminense.  Portanto, é preciso revisar as políticas públicas agrárias praticadas no RJ.

O Agronegócio fluminense mostra números significativos.

O PIB Agrícola regional tem participação ínfima de 0,5%  no PIB Estadual geral. Por sua vez, como também aponta o IBGE, a população rural segue declinante (Censo 2010) e o número de estabelecimentos Agropecuários (EAP) no Estado do RJ cresce a uma porcentagem muito baixa, enquanto os estabelecimentos do segmento patronal decrescem (Censo Agro 2006).

Apesar do diminuto PIB Agrícola no Rio de Janeiro, verifica-se que, em base a análise da Matriz Insumo-Produto da economia regional, forte encadeamento e conexão deste setor com o restante do PIB14, muito maior do que em estados com grande PIB Agrícola ou com % desse sobre o PIB Estadual total. A explicação reside no peso agroindústrias fabris ou artesanais no conjunto da cadeia produtiva regional. Porém, as fragilidades atuais dos empreendimentos familiares rurais fluminenses, mesmo na vertente associativa, comprometem a Indústria de Transformação. Por sua vez, essa mesma fragilidade, prejudica o desempenho dos produtores agrícolas familiares, aos deixá-los sem os devidos canais de escoamento e de agregação de valor a sua produção.

Parte desse segmento empresarial não atua apenas na Agricultura em si ou nos serviços correlatos, ou no comércio, prestação de serviços e demais atividades essenciais à qualidade de vida das comunidades rurais, mas é exercido, ou mesmo se esparrama, para formas rudimentares, artesanais e microfabris da Indústria de Transformação. O complexo agroindustrial (CAI) é uma unidade de análise na qual a agricultura se vincula com a indústria de uma dupla maneira: com a indústria de bens de capital e bens intermediários; e com a indústria processadora de matérias-primas agrícolas. A primeira, indústria para a agricultura, a segunda, indústria da agricultura15.

Nos cálculos do CEPEA, em 2008, se no Brasil a agropecuária responde por 5,3% da economia, no Rio de Janeiro essa fatia é de apenas 0,5%. Mas o PIB do Agronegócio fluminense, a soma das riquezas geradas não apenas no primário (“dentro da porteira”), mas incluídos os segmentos de insumos, de processamento, de distribuição e de serviços essencialmente rurais foi, em 2008, cerca de R$ 12,2 bilhões, o que teria representado 3,4% da economia do estado. Essa participação é bem maior que o 0,4% até então estimado pelo IBGE para o setor agrícola regional.

Conforme esses cálculos, o Agronegócio do Rio de Janeiro representou, em 2008, aproximadamente 4% do PIB geral do Brasil – o agronegócio de todo o País participou com 24%. Os segmentos da indústria que processa matéria-prima e de distribuição geraram 46% e 38% da renda do agronegócio fluminense, respectivamente. No segmento primário (dentro da porteira), a renda total gerada foi de R$ 1,7 bilhão. As atividades agrícolas participaram com R$ 952 milhões. O agronegócio industrial gerou R$ 5,6 bilhões, sendo o segmento de maior participação no valor agregado ao agronegócio estadual. Destaca-se a produção de alimentos, com cerca de 64% do valor adicionado.

Com a segunda maior economia entre os estados brasileiros (11,8% de participação), o Rio de Janeiro ostenta um acanhado sexto lugar no ranking da indústria de transformação brasileira: sua fatia é de meros 6% do total. São Paulo lidera de forma absoluta (38,6%), mas o Rio fica bem atrás também de Minas Gerais (10,3%), Rio Grande do Sul (9%), Paraná (8,4%) e até Santa Catarina (7,1%), apontam os dados das Contas Regionais do Brasil para 2013, do IBGE. Se até os anos 1980 o Estado do Rio ainda era a segunda maior base industrial do país, hoje o segmento é pequeno diante do tamanho de sua economia, apontam especialistas. A indústria extrativa é maior que no resto do país, mas a concentração cobra seu preço, o que se observa agora, em um momento de crise no setor do petróleo e aço. O peso da indústria de transformação na economia brasileira é de 12,3%, enquanto no RJ é de 6,2%, em 2015. Já o peso da indústria extrativa no Rio (15,7%) é quase quatro vezes ao da média brasileira (4,2%).

Por sua vez, a indústria de transformação tem o protagonismo maior da Micro e Pequena empresa (MPE) do que a indústria de extração (petróleo e gás, mineração, etc): respectivamente 23% do pessoal ocupado contra 0,5%; 19% do número de empresas contra 0,4%; 20,5% do valor adicionado contra 1,6%. Por sua vez, é na indústria de transformação que estão os empregos com mais qualidade, carteira de trabalho e renda maior. E a indústria é importante para desenvolver serviços mais qualificados e para a inovação tecnológica. O encolhimento da indústria de transformação indica um relativo empobrecimento da estrutura econômica do Rio de Janeiro. O que ocorre na indústria fluminense não é apenas reflexo de um processo de esvaziamento da indústria que ocorre em todo o país, já que o Rio perde espaço para outros estados. A recuperação econômica do Rio das décadas de 2000/2010 não foi acompanhada por uma reestruturação de sua indústria, que é muito concentrada em siderurgia, petroquímica e refino.

A indústria tem capacidade de articular outras atividades, como o setor de serviços, um efeito multiplicador. Além disso, a indústria pode levar o desenvolvimento para o interior. O potencial grande de sinergias quando indústria, serviços e agricultura estão fortalecidos. Mais do que isso, o desafio de interiorização e maior integração econômica do estado como um todo exige maior preocupação com o processo de industrialização e agroindustrialização. Foi e é inadequado se pautar em estratégias que só valorizem restritas parcelas do território. A capacidade de interiorização do setor de serviços sozinho é bastante limitada, é preciso consolidar os polos industriais.

Outro "veneno" à Agricultura regional é a dependência de fornecer às grandes marcas de fora do estado, revelando a carência fluminense da agroindústria fabril ou artesanal, especialmente a de base familiar. Combina-se a isso outras características debilitantes debilitantes,  não há grandes fabricantes de maquinários e de defensivos, por exemplo; a outra é o tamanho diminuto dos lotes dos agricultores e o fato de serem imprensados pela expansão urbana e o baixo associativismo e

Os números do agronegócio do Rio de Janeiro, apresentados nesse relatório demonstram a importância das etapas produtivas e a geração de renda em cada um dos segmentos que compõe o agronegócio estadual. Essa importância pode ainda ser expandida devido a possibilidade de maior oferta de produtos primários e de processados no próprio estado. A demanda local é, em geral, bem superior a atual capacidade de oferta do agronegócio estadual.

A própria unidade estadual da SEAD vem investigando em seus materiais internos e de planejamento a respeito do caráter predominantemente não convencional do espaço rural, da agricultura em geral e da agricultura familiar em específico no território do Estado Rio de Janeiro. Em resumo são sete características principais seriam:
a) território em mosaico: alternando-se sucessivamente ao longo do espaço e em curta distância zonas rurais, urbanas e áreas de conservação ambiental.
b) forte desruralização relativa e zoneamento legal que não corresponde a variedade de tipos de espaços territoriais: o grosso da população migrou às cidades ou zonas inteiras acabaram convertidas em urbanas. A metade da população se encontra na região metropolitana e com municípios nominalmente sem nenhuma zona rural. Temos localidades classificadas legalmente como em zona urbana apesar de intensa presença de características rurais ou rurbanas.
c) forte desagriculturalização relativa: o peso no PIB Estadual do setor agrícola é muito pequeno (o RJ é o 2º maior PIB do país, a Agricultura representa meros 0,5% dele). Entre as possíveis causas estão o colapso da agricultura patronal centrada no modelo de plantation e na debilidade secular da agricultura familiar regional. Os imóveis agrários patronais se converteram em empreendimentos imobiliários urbanos ou para pecuária pouco intensiva. Os familiares em moradia, sítios de recreação ou pequenos negócios, porém uma parte se mantém praticando inclusive uma agricultura urbana ou agroindústria rudimentar.
d) imóveis agrários familiares muito pequeno ou minifúndio.
e) pluriatividade intensa das famílias: as limitações econômicas dos estabelecimentos agrários são compensados com parte da renda das famílias obtidas com atividades não agrícolas ou mesmo não agrárias que podem vir de fora do estabelecimento, favorecidas com a vizinhança urbana.
f) foco no beneficiamento, processamento ou comercialização: a atividade econômica principal do estabelecimento, a fim de agregar valor aos produtos ou ampliar a renda, passa a ser não a exploração agrícola direta, mas a transformação, o comércio direto ao consumidor ou atividades rurais complementares.
g) concorrência de terras: entre agricultura com áreas de conservação ou fronteira imobiliária urbana ou grande projetos industriais

O público agrário fluminense

O público potencial no Rio de Janeiro à política agrária é muito maior do que os dados oficiais demonstram, ao utilizar como referência apenas o registrado na base de dados nas Declarações de Aptidão ao PRONAF (DAPs) emitidas.

O RJ apresenta o maior diferencial entre o total de DAPs Titular-Pessoa Física em comparação o número de Estabelecimentos Agropecuários do tipo familiar (EAP-F) apurado pelo Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), perfazendo apenas 33% - isto é, supondo que não houve nenhum aumento no número EAP-F no Rio de Janeiro entre 2006-2017 e que para cada estabelecimento haveria o direito ao menos um agricultor ou agricultora familiar com uma DAP. Além dos dados, há a queixa do público - vários movimentos sindicais e populares regionais e mesmo agricultores familiares individualmente vêm apresentando a questão diretamente à SEAD e a sua unidade estadual do RJ.

Esse descompasso entre DAPs e EAP-F compromete o raio de ação das políticas agrícolas e agrárias no Rio de Janeiro. Portanto, 2/3 dos agricultores familiares não são atendidos diretamente por essas políticas e seus serviços públicos adjacentes, à medida que a DAP é considerado “porta de entrada” da série de ações e programas oferecidos com foco nesse segmento, haja visto que a DAP é empregado como reconhecimento de que o possível beneficiário atende os requisitos para se enquadrado na condição de agricultor familiar.

Apesar da DAP ser um instrumento de identificação do agricultor familiar, um dos principais critérios que norteiam os emissores da declaração é a chance de acesso ao crédito rural do PRONAF, a despeito da existência de 21 outros programas e ações do MDA (e atual SEAD) voltados ao vários tipos de agricultores familiares e silvicultura, aquicultura, extrativistas florestais, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. O aparecimento do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), ainda em fase de implantação pode resolver essa lacuna.

Algumas explicações para esse descompasso podem ser atribuída a rede regional de emissores de DAP. A maioria das entidades credenciadas da sociedade civil (sindicatos e federações sindicais) não vêm realizando esse serviço, como comprovam os números de emissão. Uma possível explicação está na fragilidade institucional dessas mesmas entidades. A emissão da DAP envolve uma avaliação técnica, com a disponibilidade de uma equipe de profissionais técnicos contratados entre seus quadros laborais da entidade, o que envolve recursos para custeá-los. A entidade ainda precisa de confiança técnica para transpor o marco legal para os casos concretos que se deparam e um fluxo de público demandante disposto a solicitar junto à entidade. A fragilidade da agricultura familiar que compõe a base dos quadros filiados das entidades explica essa fragilidade institucional e retroalimenta esse fenômeno.

Outra explicação reside em outra medida nas entidades emissoras, cuja maior parte é composta por os órgãos públicos de política agrária estaduais5, que não conseguem compensar. Todas essas entidades reconhecem o déficit, mas as justificam serem ocasionadas não em suas deficiências (monopólio virtual e ser um órgão estatal, com carência de orçamento e pessoal), e sim que os demandantes não cumprem eventualmente os requisitos técnicos e legais para receber a DAP.

A resposta individualizada da rede emissora se sustenta em uma série de argumentos, os principais são:
(a) unidade familiar de produção agrária com renda inferior a 50% + 1 não proveniente de atividade agrícola da propriedade;
(b) propriedade com superfície territorial menor que a fração mínima;
(c) ou maior do que o máximo de 4 módulos fiscais;
(d) empreendimento familiar rural com dificuldade de ser enquadrado como atividade agrária;
(e) imóvel localizado em perímetro urbano e com dificuldade de caracterizar-se como produção agrária; ou
(f) localizado no perímetro de Unidade de Conservação;
(g) cooperativas e associações com problemas de ser identificada como de agricultura familiar ou de predominantemente de agricultores familiares; e
(h) estabelecimentos cuja atividade finalística não é a produção agrícola direta mas o beneficiamento, processamento e comercialização, cuja matéria-prima não provém necessariamente do imóvel.

A despeito das deficiências técnicas da rede emissora, o amplo alcance dessas características no conjunto do público pode ser o fator determinante na baixa emissão de DAP. Em verdade, explicam que os agricultores familiares no Rio de Janeiro em muito consistem predominantemente em um público não convencional àquele tratado pelas políticas agrárias em vigor.

Os dados fundiários, agrícolas e agrários em geral no território fluminense explicam. No Rio de Janeiro em razão do desenvolvimento histórico regional há o predomínio do minifúndio ou de propriedade com baixa extensão territorial. Apesar da eventual necessidade de atualizar os índices de produtividade e os indicadores de módulo fiscal regionais, uma parcela considerável das propriedades estão abaixo da fração mínima ou entre 1 a 2 módulos fiscais e, portanto, com volume de produção em termos econômico-financeiro muito baixo.

O baixo dinamismo da atividade agrícola regional em geral e em seu próprio estabelecimento obrigam que as famílias agricultoras se dediquem a outras formas a complementar a renda do que a produção agrícola em si, a chamada pluriatividade, isto é, a capacidade de membros da unidade familiar de produção exercerem mais de uma ocupação e fontes de renda. Algumas com atividades agrícolas diretas como manejo florestal, outras indiretas como beneficiamento, processamento ou comercialização, outras tipicamente rurais não agrícolas como artesanato ou turismo rurais.

O recente debate sobre o reconhecimento de agricultores familiares àqueles que produzem em ambiente urbano, suscitam dúvidas e questionamentos sobre os critérios definíveis tanto para a categoria “familiar”, mas também para a própria categoria “agricultor”, especialmente para os casos urbanos. Evidentemente que os critérios classificação não seriam o mesmo para a zona rural, ante as especificidades de uma agricultura na cidade, mas as diferenças entre urbanidade e ruralidade são na sociedade contemporânea e pós-industrial ainda mais difíceis de se distinguir.

Haveria, a partir desse ponto de vista, um empreendedor familiar distinto entre o rural do urbano, merecedor de um enquadramento especial. Não apenas por encontra-se espacialmente em um território zoneado como rural, com dificuldades inerentes as atividades para além das agrícolas, mas que sua atividade é em si essencialmente rural. Portanto que o elemento distintivo do empreendimento fica assim delimitado e ancorado a um conteúdo espacial funcional.

Os técnicos da rede emissora de DAP encontram dificuldades empíricas ou de interpretação legal para caracterizá-las de acordo com que se convencionou no meio agrícola. Apesar dos casos extremos e específicos apresentados pelos técnicos das entidades credenciadas como exemplos para justificar a negativa para emissão de DAP, ignoram-se tanto outros casos que em base menos convencionais nos julgamentos, a critérios mais resilientes poderiam ser alvos de emissão ou sob pequenos ajustes nos critérios, a despeito ou não de atender as condições de obtenção ao crédito agrícola, deveriam ser concedidos.

As instituições públicas agrárias não se adaptaram a reconhecer esse fenômeno. Não se encontram preparadas a lidar com essa agricultura familiar não convencional, tão heterogênea e em mosaico. Paralelo a esse fenômeno, tem-se o da hipertrofia dos empreendedorismo familiar rural. Em vista as carências da atividade agrícola e típicas no estado e características rurais da região, a maioria das famílias rurais acabam pressionadas a desenvolver forte traços de pluriatividade. 

O empreendedor familiar rural

Uma parte dos EAP-F no RJ não registrado com DAP, tanto pelos relatos que chegam a unidade estadual da SEAD, como pelo cruzamento de dados com o Censo Agropecuário, não se enquadram na figura stricto sensu de Agricultor Familiar, de acordo com os critérios agronômicos em referência a Lei nº 11.326/20068 que, no sentido de produtor agrícola, mas podem ser classificados como Empreendimento Rural Familiar, aquele que pratica no meio rural atividades agrícolas complementares ou agrárias não agrícolas. Atende, simultaneamente, os mesmos requisitos de enquadramento em “familiar” do agricultor, como a dimensão da propriedade, o tipo de gestão e de mão de obra e o percentual mínimo e o valor máximo de renda gerada no estabelecimento/empreendimento.

O empreendimento familiar rural é a forma associativa ou individual da agricultura familiar instituída por pessoa jurídica. O Decreto nº 9.064/20179, que “dispõe sobre a Unidade Familiar de Produção Agrária, institui o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar e regulamenta a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006”, pela primeira vez define o que se trata o Empreendimento Familiar Rural, no Art. 2º, Inciso VI, apresentando-o como “forma associativa ou individual da agricultura familiar instituída por pessoa jurídica”, opondo-se a Unidade Familiar de Produção Agrária (UFPA).

Na sequência admite como arranjos possíveis de empreendimento familiar rural, a cooperativa singular de agricultura familiar, a cooperativa central de agricultura familiar, a associação produtiva de agricultura familiar e a empresa familiar rural. Em via de regra, as formas associativas de Pessoa Jurídica (PJ), as cooperativas e as associações produtivas, não se vocacionam à produção agrícola direta, ao contrário, praticada pela UFPA sem necessidade de tornar-se uma PJ.

Igualmente a essas formas associativas o Decreto, na alínea “a”, apresenta a Empresa Familiar Rural expressamente como aquela PJ não associativa “com a finalidade de beneficiamento, processamento ou comercialização de produtos agropecuários, ou ainda para prestação de serviços de turismo rural”. Delimita assim as empresas familiares rurais apenas aquelas que praticam atividades agrárias, ao contrário das demais empresas familiares (ou microempresas) em zonas rurais. Em caráter complementar, delimita a empresa familiar rural das demais tipos de empresas afirmando “desde que formada exclusivamente por um ou mais agricultores familiares com inscrição ativa no CAF”.

O Decreto, com isso, expressa que a empresa para ter esse caráter específico de “familiar rural” deve dedicar-se a produção e venda de produtos cuja matéria-prima de origem agrícola foi explorada no estabelecimento agrário do empreendimento, ao menos a sua maior parte (em quantidade ou valor); e por agricultores são reconhecidos pela Autoridade Pública como “familiares”, por isso a exigência de CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar), sucessor da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP). Assim, comprova-se duplamente o caráter agrário da atividade secundária foco do empreendimento.

Ao longo das últimas décadas o espaço rural vem passando por profundas transformações. Delimitar o que é espaço rural e urbano tem se tornado uma tarefa cada vez mais complexa. No Brasil, se usa o critério da delimitação administrativa, que classifica como área urbana toda sede de município e de distrito, independente de seu tamanho e características socioeconômicas. Todo o resto compõe as áreas rurais. A partir da Constituição Federal de 1988 o zoneamento em urbano é determinado pelo Plano Diretor Municipal, com valor de lei.

Contudo, durante a década de 1980 e acelerada nas duas décadas seguintes houve um extraordinário crescimento de pessoas com domicílios rurais ocupadas no comércio, na indústria da transformação e nos serviços, ou seja, nas atividades rurais não-agrícolas (RNA), proporcionando novas oportunidades de trabalho para a população que reside no campo e ainda tem gerado alternativas de se obter remunerações mais elevadas aos agricultores que somente tem exercido atividades agrícolas.

A possibilidade de combinar atividades agrícolas com atividades não-agrícolas fora do estabelecimento familiar se deve a um procedimento de “desdiferenciação” ou “desespecialização” da divisão social do trabalho que tem na sua origem a modificação do próprio processo de trabalho, tanto na agricultura moderna como na indústria de base fordista. As famílias vieram a ser conhecidas como pluriativas, já que exerciam mais de uma atividade econômica.

As atividades rurais não-agrícolas são divididas em três grandes áreas de atuação: (a) atividades relacionadas com o crescimento das indústrias, especialmente as agroindústrias; (b) a crescente urbanização do meio rural em que são desenvolvidas atividades ligadas à moradia, turismo, lazer e a preservação do meio ambiente; (c) a rápida proliferação dos sítios de recreio.

Nesse sentido, as empresas familiares em meio rural foram se constituindo e desenvolvendo nessas vertentes, muitas das quais essencialmente rurais e sem equivalentes a do meio urbano. Com forte vínculos agrários ou com teor de agrariedade, embora não diretamente agrícola. Em alguns casos, com alcance mais amplo do que o mero beneficiamento, processamento ou comercialização de seu próprio produto ou de terceiros locais. Porém, apesar da importância da empreendedor familiar rural há dificuldades em ser contemplados com a DAP, créditos e demais apoios das políticas agrárias.

O desempenho recente da agropecuária familiar e do agronegócio a ela articulada vem sendo bastante positivo, superando, inclusive, as taxas de crescimento relativas ao segmento patronal – apesar da insuficiência de terras, as dificuldades creditícias, o menor aporte tecnológico e a fragilidade da assistência técnica, entre outros fatores. Há um espaço considerável para a agregação de valor nos cultivos e criações desenvolvidas pelos agricultores familiares, significando uma participação ainda mais expressiva das cadeias produtivas articuladas com a agricultura familiar.

Portanto, as fragilidades atuais dos empreendimentos familiares rurais fluminenses, mesmo nos empreendimentos associativos, não apenas comprometem o desempenho dos produtores agrícolas familiares, ao deixá-los sem os devidos canais de escoamento, de agregação de valor a sua produção e de suprimentos de insumos, prejudicam a economia como um todo.

Medidas propostas

Apoiar os empreendimentos familiares rurais pode ser uma tática eficiente, efetiva e eficaz para esse processo. Aproveitar esses hiatos de oportunidade, com melhoramento de técnicas produtivas e intensificação tecnológica, crédito facilitado, desburocratização, pode ser um caminho para garantir mais renda ao setor agropecuário estadual assim como para toda a cadeia produtiva envolvida.

Dessa maneira propõe-se como medidas a serem adotadas:
a) As entidades locais têm mais propriedade a resolver o problema endêmico de emissão de DAP aos empreendimentos rurais familiares e agricultores urbanos, pela melhor possibilidade de verificação in locus que comprovam a atividade e finalidade econômica-social do imóvel agrário e dos fatores de produção explorados pelo empreendimento e estabelecimento agrária.
b) Recomenda-se pela constituição no âmbito local de departamentos, autarquias ou empresas públicas ou de economia mista municipais ou em consórcio intermunicipais de apoio à agricultura, de pesquisa agropecuária e/ou de assistência técnica e extensão rural.
c) Ações municipais e intermunicipais de estímulo ao desenvolvimento local de atividades econômicas por empreendimentos familiares para beneficiamento, processamento, comercialização, produção e fornecimento de insumos e serviços essencialmente rurais.
d) Com o advento do Decreto nº 9.064/2017, que extingue a DAP e cria o Cadastro Nacional de Agricultores Familiares (CAF), o banco de dados das Declarações emitidas pode compor um cadastro municipal territorial multifinalitário, combinando perfil das pessoas, imóveis e estabelecimentos/empreendimentos, que se converge o cadastro municipal de imóveis do IPTU e ITR, e ainda o CNIR, CADÚnico, banco de dados da Receita Federal (CPF e CNPJ) e inscrição estadual de contribuintes. Servindo assim de ferramenta ampla ao município para o ordenamento territorial local e às suas políticas de desenvolvimento econômico, rural e agrário.
e) Melhoria emissão de DAP (e CAF) para empresas rurais familiares que se configurem do tipo “essencialmente rural”, apesar de localizadas em zona urbana, especialmente nos municípios que estejam em aglomerados enquadrados em Territórios Rurais pelo PRONAT.
f) As entidades emissoras de DAP sejam orientadas e capacitadas a emitir com características de busca ativa e no caso especial dos empreendedores familiares rurais.
g) Projetos contemplados em convênios e/ou contratos de repasse, entre os quais de PROINF, visem desenvolver instalações públicas ou de atendimento público de suporte econômico e técnico às atividades dos agricultores familiares e dos empreendimentos rurais familiares.
h) Desenvolvimento de ações que completem a infraestrutura rural local em mobilidade e logística, co-priorizando os empreendimentos familiares rurais.
i) As ações públicas de regulação, inspeção e fiscalização contemplem as especificidades dos empreendimentos familiares ou atividades artesanais e/ou rudimentares em comparação com as empresas de grande e médio porte. Incluindo a implantação de unidades de SIM (Serviço de Inspeção Sanitária Municipal) ou intermunicipais vinculados ao SUASA (Sistema Único de Atenção e Sanidade Agropecuária).
j) Nos planos municipais (e intermunicipais) e estaduais de desenvolvimento rural e nas respectivas Políticas Agrícolas dessas esferas contemplem também como objetivo o fomento aos empreendimentos familiares rurais.
k) O planejamento para as políticas públicas precisam estimular os atores privados a completar a cadeia produtiva agrícola e rural, por meio do desenvolvimento de empreendimentos familiares rurais cujo negócio sejam beneficiamento, processamento, comercialização, armazenagem e logística de produtos agrícolas, como também o fornecimento de suplementos e intensivos agrícolas por empreendimentos do segmento familiar.
l) Generalização de compras públicas vocacionadas à aquisição de produtos fornecidos por empreendimentos familiares rurais.

Artigo revisado em 16/02/2018 

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