terça-feira, 18 de abril de 2017

Empreendedorismo, Liberdade econômica e Socialismo. Uma resposta à 'nova direita'

Ensaios sobre a Pós-Modernidade de Direita nº 24

por Almir Cezar Filho*
"Sentir muito pelos outros e pouco por si; conter o egoísmo e exercitar os afetos benevolentes constituem a perfeição da natureza humana." (Adam Smith, sobre a "natureza egoísta" humana) 
Nos últimos tempos começou a ascender o discurso sobre e em defesa da "liberdade econômica". Em muitos casos inclusive, uma nova direita avivada que abraçou também o "empreendedorismo", e os combinou com uma luta encarniçada em defesa da sociedade capitalista. Porém, o Socialismo tem muito mais a dizer sobre empreendedorismo e liberdade econômica e com propriedade, que o neoliberalismo e essa nova direita.

Ouve-se atualmente, por um lado, toda uma catilinária contra a intervenção estatal e mesmo com Estado - com seus impostos, regulamentação técnicas, exigências de alvarás e licenciamentos, inspeções e fiscalização e legislação trabalhista. Por outro lado, a apologia ao empresário - com geração de empregos, salários, renda, produtos, inovação. Que eleva o empresário, o empreendedor, à condição messiânica. Os sindicatos também são demonizados, com sua luta contra os empresários, suas exigências de regulamentação e custos trabalhistas, defesa de privilégios a segmentos de trabalhadores, em detrimento da geração de empregos.

Curiosamente, uma campanha ideológica abraçada, e mesmo de maneira entusiasta, pelos conservadores, não apenas pelos liberais - inclusive em um patamar avivado que nem os liberais convencionais fariam. Essa movimentação acompanha à ascensão no Brasil de nova direita avivada e de tipo novo, mais de acordo com a Pós-Modernidade do que com a tradição liberal clássica e neoclássica, com uma combinação de liberalismo apenas no plano econômico, mas com conservadorismo, e mesmo reacionarismo, nos planos político e moral e comportamental.

Essa campanha não se restringe a classe média, e alcança até os setores populares, com sua devida proporção. E se entrelaça com o conservadorismo do brasileiro em geral, com uma herança do escravismo colonial, com o patriarcado, o patrimonialismo, o racismo, o machismo, etc. Mas se combina com a pós-modernidade, com sua cultura de massa, relacionamentos líquidos, subjetivismo e identidadismo. Na classe média se deriva ao fato de ser uma classe proprietária, ao menos de bens de consumo duráveis e de imoveis, e co-gestora dos grandes meios de produção, portanto, baluarte em algum grau do sistema capitalista.

O processo de absorção desse messianismo em torno ao empresário, demonização do Estado e fetichização da liberdade econômica alcança seu ápice com um comportamento marcarthista em torno ao Socialismo. Embrulhado com pseudoinformação de indicadores de “liberdade econômica” são propagandeados com critério que atestam o desenvolvimento socioeconômico de países. As décadas dos desgovernos stalinistas e o colapso econômico do “socialismo real” falsearam e ajudaram nessa ideologia antissocialista.

Contudo, ao contrário dessa propaganda afirma, o Socialismo é o verdadeiro meio para a defesa da liberdade econômica, em suas dimensões reais, não as ilusórias lançadas à mão pelos liberistas. Primeiro, a garantia dos direitos humanos ao trabalho remunerado, emprego e renda. Em segundo, o direito de acesso e de consumo aos bens e serviços que atendem necessidades materiais e subjetivas. Terceiro, disposição de acesso aos recursos econômicos para diretamente exercer para produzir. Em quarto, e por fim, a livre associação de produtores.

O presente artigo tenta visitar o legado do Socialismo em torno a questão da garantia e do exercício da liberdade econômica e do empreendedorismo. Contudo, uma análise desideologizada e científica se chega a esta conclusão. E desfaz-se a capa de uma convergência de interesses entre todas as empresas no Capitalismo, mesmo contra o Estado e os sindicatos.

I - Empreendedorismo e o Brasil

Um dos principais critérios para os ultralibertarianos econômicos e dos liberistas é a questão do "empreendedorismo". Enfatizando a possibilidade de uma pessoa abrir um negócio e após seu trabalho, esforço e boa ideia conseguir transformar em uma grande empresa. Seus lucros gerariam empregos, tributos e riqueza. Mas a vida das pequenas e microempresas no Brasil não é exatamente como o conto de fadas dos ultralibertarianos.

Isoladamente, uma empresa representa pouco, mas juntas, são decisivas para a economia. No Brasil, os dados demonstram a importância de incentivar e qualificar os empreendimentos de menor porte, os Microempreendedores. Identifica-se ainda que o empreendedorismo praticado aqui, na maioria dos casos, parte por uma necessidade para sobrevivência econômica dos indivíduos e famílias, ao invés de vocação ou escolha profissional.

Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), de março de 2013, existem mais de 16 milhões de empresas ativas (isto é, abertas com registro legal). Sendo mais de 14 milhões delas micro e pequenas empresas (MPEs) ativas, portanto, mais de 93% do total. Desse total,  31% estão enquadradas no Simples Nacional, 28% Micro Empresas (ME), 38% Microempreendedor Individual (MEI) e 2% Empresa de Pequeno Porte (EPP).  Quase 90% desses estão no setor de serviços (47,5%) e comércio (42,4%), com baixa presença na indústria (8,1%) e no agronegócio (2%). As grandes empresas representam um pouco mais de 2% do total de empresas, com faturamento mínimo legal para se enquadrado nessa categoria acima de R$ 48 milhões anuais.

Mais de 84% da mão-de-obra está empregada nesses tipos de empresa. Os pequenos negócios também empregam, segundo o SEBRAE, 52% da mão de obra formal no País e respondem por 40% da massa salarial brasileira (dados de 2012). Porém, a parcela do PIB em posse das MPEs é de apenas 27% , um percentual muito pequeno, se comparado a outras nações, e que demonstra que ainda há muito espaço para o crescimento dessas empresas. O que demonstra a força econômica das MPEs, e o quanto são oprimidas pelo grande capital.

As micro e pequenas empresas são as principais geradoras de riqueza no Comércio no Brasil, já que respondem por 53,4% do PIB deste setor. No PIB da Indústria, a participação das micro e pequenas (22,5%) já se aproxima das médias empresas (24,5%). E no setor de Serviços, mais de um terço da produção nacional (36,3%) têm origem nos pequenos negócios.

Há um fenômeno de inclusão produtiva por meio do empreendedorismo. Segundo dados de 2012, 55% dos novos empresários são oriundos da nova classe C. Na Europa, de 70% a 80% das empresas têm origem nas classes A e B, enquanto no Brasil, apenas 37%. Até 2012, os com formação de segundo grau já haviam saltado para 47% do total, e os de primeiro grau ainda eram 39%.

Mais recentemente aumentou o percentual de brasileiros a empreender por oportunidade e não mais por necessidade. Antes as pessoas abriam um negócio próprio quando não encontravam emprego. Hoje, de sete a cada 10 pessoas iniciam um empreendimento por identificar uma demanda no mercado, o que tende a gerar empresas mais planejadas e com melhores chances de crescer.

Em 2015, a fatia da economia subterrânea em toda a riqueza gerada no país foi 16,2%, aponta o Índice de Economia Subterrânea (IES). O fato de a empresa estar no Simples não quer dizer que ela tenha 100% da operação formalizada. Sempre temos visto no noticiário e na vida real que empresas que são aderentes ao Simples também têm uma cota de informalidade nas suas operações.

De cada 100 micro e pequenas empresas (MPEs) abertas no Brasil, segundo o Censo do Sebrae (2014) com base em dados da Receita Federal, após 2 anos de funcionamento, 76% dos micros e pequenos empreendimentos mantêm suas atividades.

Muitos segmentos da força de trabalho são marginalmente inseridas no mercado, por discriminações sociais diversas, baixa escolarização, idade considerada avançada, etc. Além disso, a alta rotatividade, as péssimas condições e de relacionamento no ambiente de trabalho (em especial entre chefe e chefiados) estimulam a abertura de um negócio próprio para geração de renda e emprego para si, familiares e conhecidos.

Se não houvesse interesses políticos particulares por parte do governo e desses órgãos responsáveis por planejamentos e projetos, com certeza teríamos mais sucesso e não teríamos tantas empresas fechando suas portas.

Portanto, os verdadeiros inimigos das MPEs são as grandes empresas, e não os trabalhadores sindicalizados e o Estado em si.

II - O Estado interventor em defesa da liberdade econômica.

Em vários discursos e textos são reproduzidos a categoria liberdade econômica e o tal Índice de liberdade econômica, em que corriqueiramente se relaciona o nível de desenvolvimento de um país à sua “liberdade econômica”. O emprego da categoria é sempre em uma perspectiva neoliberal, ou ultralibertariana e liberista. O índice de liberdade econômica empregado com maior frequência é o elaborado pelo think tank neoliberal Heritage Foundation. Seu ranking de países utiliza 10 indicadores para o cálculo, que são eles:
  1.  Direito de propriedade (Property Rights)
  2. Ausência de corrupção (Freedom from Corruption)
  3. Liberdade Fiscal (Fiscal Freedom)
  4. Gasto Governamental (Government Spending)
  5. Liberdade Empresarial (Business Freedom)
  6. Liberdade Trabalhista (Labor Freedom)
  7. Liberdade Monetária (Monetary Freedom)
  8. Liberdade Comercial (Trade Freedom)
  9. Liberdade de Investimento (Investment Freedom)
  10. Liberdade Financeira (Financial Freedom)
O ranking, contudo, máscara interesses de propagandear determinados modelos de desenvolvimento ou mesmo falsear a história econômica de determinado país, colocando-o como suposto modelo. Diante de uma análise criteriosa, os rankings de "liberdade econômica", comumente utilizada pela direita (neo)liberal, demonstram diversas incoerências que comprometem sua credibilidade. Curioso que países como Suécia, sempre lembrada pela sua experiência socialdemocrática, estão rankiada no topo da lista, seja anunciada ao contrário disso, como modelo de liberdade econômica. Em verdade, um índice de liberdade econômica meramente mede a liberdade corporativa e empresarial.

Porém, a intervenção constante do Estado na economia, para além da defesa e proteção da propriedade privada, a chamada "intervenção no domínio econômico", ao contrário do que pregam os liberistas, é fundamental à liberdade econômica, a despeito de solapar o livre mercado. Essa intervenção se dá de três maneiras centrais, isto é, por meio da supervisão pública, a proteção da propriedade privada, o garantismo (impositor de condições mínimas nas relações), e mesmo até provisão de alguns bens e serviços.

1- Provisão pública

Tomemos o exemplo da legalização das vans, como transporte rodoviário alternativo às empresas de ônibus. A despeito da antipatia pública do passageiros brasileiros com o péssimo serviço dos ônibus, que operam sob a condição de permissionária ou de concessão por parte das autoridades municipais ou estaduais (nas linhas intermunicipais). 

O transporte é um direito fundamental, e não uma mercadoria. Não pode ficar nas mãos do livre mercado; deve ser operado pelo Estado. É nessa condição, igual a saúde e educação, deve ser provido prioritária ou exclusivamente por ente público ou sob a supervisão integral pública, no mínimo na forma de concessão ou permissão.

As vans vão querer operar as rotas e os horários com mais passageiros em detrimento das necessidades básicas dos usuários. Além de poder servir de concorrência predatória com os ônibus. Pretexto inclusive para novos ataques das empresas aos seus funcionários e aos usuários, em razão de possíveis prejuízos. Também há fato de que são mais unidades econômicas com divisão entre patrões (donos das “cooperativas”) e os funcionários (motoristas e cobradores).

A saúde e educação são operadas diretamente pelo Estado por seu alto custo ao consumidor direto e alta externalidade positiva. Quanto mais pessoas vacinadas (as vacinas são caras), menor circulação de doenças, logo inclusive menos chances de pessoas não vacinadas pegar a respectiva doença. E quanto mais gente vacinada, menos doentes, logo menos custos com remédios, leitos e médicos, recursos economizado que pode ser destinado a outro consumo.

Além disso, seu financiamento pode ser cruzado, captando o excedente de outra área, sob impacto positivo da externalidade, e o transferindo para o setor, procedimento mais facilmente realizável pelo Estado, por meio de impostos. 

E a operação desse tipo de “serviço” é não fracionável, portanto, sua provisão ao público em geral deve-se dar coletivamente, e não a cada consumidor, logo seu preço não é individualizável.

Por sua vez, em muitos casos, a operação desse tipo de serviço para ocorrer de maneira eficiente, efetiva e eficaz, ao menos do ponto de vista do usuário, deve se dar em prejuízo. Isto é, mesmo que se cobre pelo uso, o preço cobrado seria muito caro ou acima do que o usuário poderia ou se disporia a pagar, resultando em déficit econômico. Assim, viria o excedente de outro setor para cobrir a diferença entre o arrecadado e o gasto.

2- Supervisão pública

Digo isso porque foi muito vergonha-alheia ler um post do tal Movimento Brasil Livre (MBL), em típico discurso de pós-verdade, culpando o tal "Estado-malvadão" pelo escândalos das carnes podres.
Segundo eles, tudo ocorreu porque as empresas são obrigadas a ser fiscalizadas e logo seriam pressionadas à corrupção. E também, por houver a fiscalização obrigatória (logo, custosa e burocrática) impede que empresas honestas operem no mercado.

Para um liberista e mercadista nunca é culpa das empresas e dos empresários, sempre do Estado-malvadão. O Livre-mercado é um “deus”, a render culto e infalível. Curioso é que o Liberalismo clássico, e o neoclássico, não esses talibãs pós-modernos que se dizem “libertarianos”, sempre argumentou que o Estado era o gendarme da propriedade privada. O Estado somente existia para a proteção da propriedade privada.

É verdade que os grandes empresários conseguem "capturar" a regulação estatal a seu favor, ao ponto de inclusive expulsar concorrentes. O problema não é a regulação, mas a captura. Por um lado, expulsar os concorrentes, bem verdade, não é de todo ruim ao mercado se estes em suas práticas oferecem potencial perigo a confiança geral do consumidor ou se podem deflagrar uma concorrência predatória.

Por sua vez, por outro lado, a captura ou não da regulação pública é um jogo de gato e rato entre empresas e instituições governamentais. No Estado Burguês é inevitável, pois é uma arena sob controle dos grandes proprietários dos meios de produção. 

Nem por isso, deve-se descuidar de impor regulação, não apenas pelo bem dos produtores, mas especialmente dos consumidores. Diante de um certeza, as grandes empresas sempre serão tentadas a priorizar os lucros em detrimento da qualidade e da vida dos seus consumidores e funcionários. O que está errado, na verdade não é a regulação estatal das atividades econômicas. Mas que a intervenção do domínio econômico seja exercida por um Estado controlado pelas grandes empresários.

3- O Estado como última barreira à barbárie do livre mercado

Não se discute, hoje, a existência do Estado, mas sua função. Como diria um amigo, na lógica deles é mais barato e custa menos para o "pagador de imposto" uma bala de fuzil na cabeça do moleque do que bancar educação e saúde pública e gratuita a todos.

Obviamente que aí não é Estado mínimo, é Estado máximo; pois é o Estado que tem o poder de matar. Eles defendem não o Estado mínimo, mas a cidadania mínima. Para garantir a propriedade privada na bala, o Estado deve ser gigante. É isso o que eles pensam.

A maior intervenção do Estado na economia é a existência da propriedade privada. Sem ele não tem milícia de rednecks capaz de impedir a fúria dos 99% contra os 1%. Dizer que propriedade privada se contrapõe ao Estado é alucinação. 

Ao contrário que dizem os liberianos e libertarianos e anarcocapitalistas, a extinção do Estado se dá apenas com a extinção da propriedade privada. A acumulação de capital e desigualdade social corrompem os laços de solidariedade e tornariam o mundo um "Mad Max" sem Estado.

4- Impositor de condições mínimas nas relações econômicas

O Estado é em via de regra impositor de condições mínimas na relações econômicas, inclusive na patrão-empregado, sendo essas benéficas às empresas, apesar destes acharem o contrário.

Para os políticos apoiadores da medida e/ou as lideranças empresariais, manifestada em várias entrevistas, declarações, etc., a liberação da terceirização irrestrita, inclusive em atividades fins da empresa, trata-se algo muito positivo ao conjunto das empresas, em especial as chamadas pequenas e microempresas (MPEs). Segundo esses, a terceirização irrestrita além de supostamente adequar os contratos de trabalho "às modernas relações que a CLT não contempla e traz insegurança jurídica", proporciona a especialização produtiva das empresas, permitindo que as micro e pequenas empresas participem de cadeias produtivas como prestadoras de serviços especializados de outras empresas. 

Mas, ao contrário do que se alega, agora uma empresa grande liberada legalmente de ter todos os seus funcionários contratados diretamente para suas atividades fins pode simplesmente fatiar sua produção em dezenas de outras empresas subsidiárias, abertas por ela justamente para isso, correspondendo exclusivamente cada etapa da produção, passando agora a prestar "serviços" à empresa final-mãe, e dispensando de contratar legitimas MPEs de prestação de serviço.

Por sua vez, a lei ultrapassa o objetivo declarado de proporcionar a especialização produtiva das empresas e abre grandes brechas para que a terceirização seja utilizada como forma de substituição permanente dos trabalhadores de cada empresa, com o objetivo apenas reduzir custos para as empresas, sem levar em conta o capital humano. Terá consequências sérias, por exemplo, o aumento dos acidentes de trabalho e da rotatividade da mão-de-obra.

Além disso, as economias com especialização devido o fracionamento de cada etapa produtiva assumida por empresa de terceirização pode não ser proporciona. Em decorrência de vantagens ocultas de escala e escopo de uma empresa integrada. Não a toa que ao longo do século XX, desenvolveu-se grandes empresas integradas vertical e horizontalmente, onde até o setor de contabilidade e jurídico são internos a organização, por exemplo. Por sua vez, as perdas de produtividade e eficiência com o fracionamento teriam de ser compensados com a redução salarial dos trabalhadores da função terceirizada. Porém, novamente com mais prejuízos ao capital humano. 

Essa maneira é o que já acontece com a terceirização limita a área meio, em que os trabalhadores sob contratos terceirizados recebem em média 30% a menos do que os contratados diretamente pela empresa em mesma função. E são a principais vítimas de acidente de trabalho, inclusive pela maior rotatividade e menor controle e rigor de procedimentos de segurança do trabalho, à medida que essa mão-de-obra está sob uma fiscalização difusa entre empresa contratante e contratada.

Portanto, apesar dos aparentes benefícios iniciais, os custos sociais envolvidos em uma terceirização sem limites serão pagos, em longo prazo, por todos, incluindo os próprios empregadores. Como, por exemplo, a necessidade de ampliar a arrecadação de tributos para o Seguridade Social ou mesmo o pagamento do prêmio-de-risco para as seguradoras privadas.

Por fim, de maneira geral, o mercado herdará com a terceirização irrestrita consumidores com salários menores, e portanto, com menor poder de compra, situação que as MPEs são mais suscetíveis a prejuízos em decorrência do poder aquisitivo dos seus consumidores do mercado interno ou das variações de demanda.

Por outro lado, as grandes empresas com seus salários reduzidos podem simplesmente exportar à custos menores aos consumidores externos, que não têm os mesmos baixos salários, ou ainda podem dispor de mercados e produtos no mercado interno não tão suscetíveis a esse problema. E também, em geral as grandes empresas operam com margens de lucro menos comprimidas, podendo absorver melhor as eventuais perdas subsequentes.

Assim, quem obterá vantagens de fato com a lei serão as grandes empresas. Esta é a razão porque elas tanto instigam às instituições de representação da classe empresarial e patrocinam esse tipo de proposta junto a governos e legislativos. Porém, em suma, as grandes empresas são as verdadeiras inimigas das MPEs e não os trabalhadores sindicalizados que lutam contra a medida.

III - A burguesia e as microempresas

A burguesia é o principal algoz das micro e pequenas empresas, tanto por meio da concorrência capitalista pura e simples, como por meio do conluio e do uso do Estado. Como também, pelo uso desse setor social enquanto massa de manobra aos seus interesses.

Apesar da concentração e centralizações de capitais, a economia sob o prisma do padrão produtivo atual  não dispensa uma vasta gama de bens e serviços seja ofertados (produzidos e comercializados) por pequenos e microestabelecimentos. Ainda hoje temos padarias, açougues, armazéns, mercearias, quitandas, mercadinhos de bairro, ateliê de reparos de roupas, alfaiatarias, bancas de jornais e revistas, peixarias, oficinas de automóveis, bares, restaurantes, fábricas de cervejas artesanais, oficinas de artesanato, laticínios artesanais

Cada uma se enfrenta com sua variante de grande porte. Uma rede de supermercados estabelece que tenha em cada uma de suas unidades tenha um setor de vendas de pães de fabricação própria, um açougue, peixarias, hortifrutigranjeiros, etc.

Além disso, há os bancos e os grandes fornecedores (monopsônios). Os bancos, que se apresentam sempre como grande empresa, e praticam taxa de juros e tarifas escorchantes. Os monopsônios e os grandes compradores.

1- A concorrência e o Estado

A Economia Política, ciência criada por burgueses, nos ensina desde o início do século XIX, que é o processo de acumulação capitalista executado no livre mercado que vai desenvolvendo as condições para o desaparecimento das pequenas empresas. Pela falência de tantas, o agigantescamento de poucas e o aparecimento de barreiras para eventuais novas a ingressar no mercado.

O mercado opera em base a interação de agentes atomizados que produzem e trocam mediados por moeda, por uma divisão de trabalho e em desigualdade de posse de ativos. A fixação de preços funciona como parâmetro nas operações de troca. A chancela do preço se dá pela compra/venda ou não venda/não compra, no qual formasse sobre-estoque, que pode resultar em déficit entre receitas e despesas, logo prejuízo.

O desaparecimento de empresas, principalmente as pequenas e microempresas, se processa desse processo. O desaparecimento de muitas, o agigantescamento de algumas e o impedimento de novas conforma na oligopolização progressiva do mercado e na formatação das grandes em corporações empresariais. Em alguns casos, essas corporações tornam-se de propriedade de outras corporações, de bancos, de corporações estrangeiras e mesmo do Estado.

Por sua vez, o uso de barreiras extraeconômicas, inclusive usando o Estado é sempre aplicado pelas grandes empresas, pelos oligopólios e monopólios. Nenhuma IBM quer o aparecimento de uma Apple. De uma pequena empresa que com uma inovação lhe rouba o mercado. A menos que essa lhe seja parceira e/ou possa ser absorvida depois.

Uma alegação dos políticos pró livre-mercado, das lideranças empresariais e dos grandes empresários é que a concorrência e decorrente especialização produtiva das empresas permitiria que as micro e pequenas empresas participem de cadeias produtivas, inclusive como fornecedoras de insumos e serviços às grandes empresas.

Porém, as economias com especialização decorrentes ao fracionamento de cada etapa produtiva, assumidas por empresas diferentes, podem não ser proporcionais às vantagens ocultas de escala e escopo de uma empresa integrada. Assim, explica-se o porquê do advento das grandes corporações empresariais, integradas vertical e horizontalmente, dispensando de contratar MPEs fornecedoras.

Nessas condições as MPEs para se manter competitivas, tanto para oferecer preço, como manter sua margem de lucro, inclusive na qualidade de fornecedor às grandes empresas, são obrigadas a compensar com a aumento da exploração de seus funcionários, por meio salários menores em comparação ao de postos equivalente ou outras modalidades, com grandes prejuízos aos trabalhadores.

E uma corporação empresarial em muitos casos fatia sua produção em dezenas de outras empresas subsidiárias, abertas por ela justamente para isso, correspondendo exclusivamente cada etapa da produção, passando agora a prestar "serviços" à empresa final-mãe. Dessa maneira, libera que legalmente todos os seus funcionários não sejam contratados diretamente para suas atividades fins e ainda permita que essas subsidiárias concorram com as legítimas MPEs.

2- MPEs como massa de manobra

Os  tratam como algo muito positivo várias medidas para o conjunto das empresas, em especial as chamadas pequenas e microempresas, como a desregulamentação do mercado de trabalho, etc. Segundo esses, a reforma trabalhista, a terceirização irrestrita, supostamente adequaria os contratos de trabalho "às modernas relações que a CLT não contempla e traz insegurança jurídica".

Na verdade, a reforma trabalhista, serve para legalizar a precarização das relações de trabalho e para rebaixar os salários. Enquanto as MPEs podem praticar sob forma ilegal, pois parte de sua operação frequentemente é amadora ou informal, as grandes pela visibilidade e porte de sua operação, precisam legalizar essas práticas, alterando a legislação para isso.

Assim, as grandes empresas, por meio das lideranças e entidades empresariais, políticos e instituições e pesquisadores ideólogos, oferecem uma gama de propagandas que põe os pequenos e microempreendedores no colo das ideologias mercadistas e dos projetos neoliberais de contrarreformas sociais.

Pedem a desregulamentação do mercado, que aparentemente favorecem a todos. Mas sem regras oficiais fitossanitárias e de metrologia e as fiscalizações públicas obrigatórias, somente os grandes podem pagar selos de qualidade de entidades privadas de acreditação ou construir com marketing marcas com reputação que induzem a confiança ao consumidor.

Portanto, ao serem seguidistas dos grandes empresários, as MPEs prejudicam sua força de trabalho e os consumidores de seus produtos, enquanto ajudam a implantar a pauta dos grandes empresários que apenas os beneficiam.

 IV– O Socialismo e a pequena empresa

Tomamos como referência o debatido até aqui: as grandes empresas são as verdadeiras inimigas das MPEs, não os trabalhadores sindicalizados; nem o Estado, ao menos por si só, a não ser que seja “capturado” pelas grandes empresas. Por sua vez, o Socialismo é conveniente às pequenas empresas.

E até para as grandes empresas. A menos que não exproprie todo o capital acionário da burguesia e lhe preservasse os lucros decorrentes desse capital de sua propriedade. Por isso, em muitos casos, apesar de falsas chiadeiras, a grande burguesia adora a nacionalização e o advento da economia mista, do capitalismo monopolista de Estado. O advento na Venezuela após o chavismo da chamada "boliburguesia" (burguesia bolivariana) é um exemplo recente disso.

Mas, como em via de regra é impossível acontecer o Socialismo sem a expropriação, ao menos das grandes empresas, a grande burguesia torna-se sua inimiga. Sabe disso, e portanto, incentiva (e paga) a pregação antissocialista.

O advento da revolução proletária socialista resulta no conversão legal dessas grandes empresas para propriedade do Estado. E este sob o controle de instituições novas, de matriz operárias-popular. Assim, o controle das empresas estatizadas passa à gestão de um comitê de funcionários da empresa, sob a supervisão de instâncias governamentais ou por uma gerência nomeadas pelo governo.

O processo de gestão das empresas passa por uma evidente reorientação. Não mais pela vontade dos donos ou do conselho de representante dos acionistas, em busca de lucros máximos ou estratégias comerciais de domínio de mercado, mas sob a orientação decidida pela Estado.

Nas primeiras fases do Socialismo não é possível a expropriação universal, convivendo assim, e ao contrário, frutificando as pequenas empresas, à medida que não há os cem números de inconvenientes da ação nefasta das grandes empresas privadas, da intervenção estatal capturada e da pressão livre-mercadista, combinada a existência de consumidores com mais recursos.

Foi o que aconteceu em dois momentos nas etapas iniciais da Revolução Russa. Logo, após a Revolução de Outubro e o início da Guerra Civil e depois sob a NEP (Nova Política Econômica).

No começo como mercado socialista, em que as empresas operam (paralelamente as grandes empresas estatizadas), sob uma forma que lembra o mercado capitalista, mas o controle da empresa está sob a direção do Estado, ou de conselho eleitos de funcionário ou co-gestão desses dois (Estado e funcionários). As MPEs não são expropriadas, quanto muito as de maior porte, ficam sob a direção de conselho de co-gestão.

O planejamento central vai sendo paulatinamente implementado, combinado ou não de tabelamento de preços, definindo metas e indicadores. As empresas vão por tentativa e erro ou por planejamento interno de cada empresa, ajustando seu estoque, volume produzido, margens e custos à tabela de preços da junta central de planejamento.

REFERÊNCIA
(*) em homenagem a Josiane Maria Macedo, bacharel e profissional em Administração, musa inspiradora deste artigo, e de tantos outros aqui no blog.


Artigo atualizado em 18/04/2017

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