quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Para Encontro da Indústria a culpa da crise são contas públicas. E o vilão disso é tudo, menos os juros

por Almir Cezar

Ministro do Desenvolvimento fala na abertura do 10º ENAI,
que reuniu a nata da economia nacional. De novo, governo e
empresários erram o "vilão" das contas públicas. (Foto: EBC)
Não é a Previdência, nem os programas sociais, muito menos o gasto com folha de pessoal. O que não para de crescer é com os juros da dívida interna, que já ultrapassarão os R$ 520 bilhões este ano. Na contramão dessa obviedade foi o discurso dominante no 10º Encontro Nacional da Indústria (Enai), que aconteceu dias 11 e 12, em Brasília, que reuniu as lideranças empresariais, comentaristas da grande mídia e até autoridades governamentais.

Esse evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), foi o mesmo que a mídia deu repercussão ao painel que estava o ministro da Fazenda Joaquim Levy e o virtual possível novo ministro, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles (leia AQUI). O discurso geral que ser preciso para retomar a trajetória de crescimento no país "arrumar as contas públicas (ajuste fiscal), privatizar e mais reformas neoliberais, como da Previdência (de novo?)".

Nessa mesma toada, o Ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, já na abertura do Encontro disse que a Previdência alcançará um déficit de R$ 200 bilhões em 2016. Confunde, da mesma forma que a mídia propositalmente faz, a previdência social, que é superavitária, com o sistema de seguridade, que necessita de aportes da União por atender a uma gama de cidadãos que não contribuíram para a Previdência, inclusive os trabalhadores rurais mais antigos.

Em equívoco similar incorre a Carta do Guarujá, lançada pelas associações comerciais do Estado de São Paulo (Veja AQUI). Em meio a críticas à classe política e defesa de valores éticos, defende a revisão da Previdência e cortes nos gastos públicos, mas não traz uma linha sobre a bomba-relógio representada pelo pagamento dos juros. Até mesmo os altos impostos pagos, com pouco retorno, merecem apenas uma linha, instando que a tributação seja “simplificada, reduzida e racionalizada”.

Negando as afirmações desse pessoal, o pouco divulgado pela mídia conservadora - bem diferente do badalado Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo - Jurômetro, mantido pela Fiesp, bateu este mês a marca de R$ 450 bilhões em juros pagos pelo governo este ano. (Veja AQUI) No ritmo em que vai, o país pagará mais de R$ 523 bilhões em juros até o final do ano. E, nesse ritmo, a dívida mobiliária interna bruta dobrará de valor nos próximos três anos.

Com esta montanha de dinheiro seria possível construir 430 mil escolas, construir 6,9 milhões de casas populares, realizar 118 milhões de ligações de esgoto, conceder 1,7 bilhão de benefícios do Bolsa Família ou construir 277 mil quilômetros de rodovias (a malha rodoviária brasileira pavimentada soma pouco mais de 213 mil quilômetros). 

Os números são impressionantes, ainda mais quando comparados com os anos anteriores: até 2 de dezembro de 2014, haviam sido torrados com juros R$ 253 bilhões. Na mesma data de 2013, eram R$ 226 bilhões. Somente a diferença entre um ano e outro, de R$ 27,2 bilhões, daria para comprar, na ocasião, mais de 90 milhões de cestas básicas, pagar 37,6 milhões de salários mínimos ou 102 milhões de bolsas-família.

Se admitíssemos que o governo repetisse a já abusiva conta de 2014, somente a diferença que sobraria daria para construir, em 2015, algo em torno de 300 aeroportos, ou 82 mil quilômetros de ferrovias, ou realizar 100 milhões de ligações de água.

O ministro Monteiro, antes de tudo é um representante dos empresários, e mais especificamente da indústria, tendo saído da presidência da CNI para ocupar o Ministério. Ninguém vai achar que ele e seus colegas dirigentes do grande comércio e industriais não entendem de números. Só se pode atribuir essas declarações sobre o crescimento dos gastos públicos um desconhecimento de Economia, uma visão ideológica distorcida ou mesmo interesses ocultos.

Por sua vez, foi de um silêncio ensurdecedor a (ausência de) repercussão nas páginas dos grandes jornais das declarações do Nobel de Economia Joseph Stiglitz sobre o BNDES (veja AQUI sobre a entrevista). Solitariamente na mídia poucos e os de sempre, repercutiram esses comentários. E insistiram não serem os juros do banco estatal que são subsidiados; e sim, os juros pagos pelo governo é que são absurdamente altos e fora da realidade mundial, num autêntico subsídio aos rentistas. 

Negando assim, as poucas vozes aqui no Brasil, ligadas geralmente ao mercado financeiro, que quando se dignam a dar sua versão sobre essa anomalia, culpam o fato que há uma ampla oferta de juros direcionadas, como a dos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas diferentes da praticada pelo mercado financeiro e vinculadas a Selic (taxa básica do Banco Central), a mesma remunera os títulos da dívida pública, o que "desequilibraria" a taxa de mercado. Também para eles, as altas da Selic usadas pelo Banco Central para combater a inflação também dessa forma não teriam efeito imediato, obrigando-o a elevações ainda maiores. 

Ainda a expansão dos empréstimos subsidiados do BNDES foi acusada de ter "agravado" as contas públicas. Pois teriam tido a cobertura do Tesouro, bancada ao final com emissão de títulos. Por outro lado, o "excesso de gasto público", por isso e pelo desarranjo geral das contas, exigiria emissão de títulos, o que elevaria os juros no mercado.

Contudo, o governo usa o subterfúgio dos juros direcionados justamente para proteger, especialmente os industriais, os grandes comerciantes e o agronegócio da taxa de juros de mercado, que para os consumidores comuns já está chegando em média a quase 400% ao ano no cartão de crédito e cheque especial. Com esse juros os empresários não querem investir e empregar ninguém e o consumidor não pode comprar nada. Não há como o país voltar a crescer assim.

De fato, o desinteresse dos empresários com a questão dos juros deve-se que no final não são atingidos diretamente por essa questão, ao contrário do consumidor da classe trabalhadora. E, ainda possuem parte de seus capitais invertidos em aplicações financeiras, quando não são dependentes da sociedade com os bancos e fundos de investimento. Quem de fato ganha mais com tudo isso. Em suma, apesar da recessão, os lucros estão assegurados.

Uma última observação: apenas enquanto você lia este texto, a conta com juros aumentou em R$ 1 milhão.

Contém ainda informações:
Jornal Monitor Mercantil | 10 e 11/11/2015


Artigo atualizado em 13/11/2015

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