quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

As tríades do Marxismo ou as "três finalidades": método, programa e teoria

por Almir Cezar Filho*


O Marxismo acadêmico contemporâneo está imerso em um embate conceitual. Ele é frequentemente abordado sob duas óticas distintas: como um método investigativo e interpretativo, ou como uma teoria científica. No entanto, podemos argumentar que o Marxismo é, na realidade, uma fusão dessas abordagens, além de ser também um programa tanto científico quanto político.

Para entendermos essa tríade essencial do Marxismo, é útil revisitarmos as "Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo", conceito popularizado por Vladimir Lenin no clássico artigo de 1913. Segundo Lenin, o Marxismo se originou de três fontes do pensamento ocidental burguês do século XIX: o Socialismo francês, a Filosofia alemã e a Economia Política britânica. A combinação dessas influências gerou as três partes constitutivas do Marxismo: o Materialismo histórico, a Crítica à Economia Política (ou Economia Política marxista) e o Materialismo dialético.

Essas partes fundamentais do Marxismo estão enraizadas na análise dialética, método e compreensão inicialmente desenvolvidos por Hegel, que foram posteriormente criticados por Marx como idealistas. Além disso, o Marxismo incorpora elementos do materialismo filosófico, principalmente a partir da contribuição de Ludwig Feuerbach, e realiza uma análise crítica das ideias e experiências dos socialistas utópicos franceses, bem como das teorias econômicas dos britânicos Adam Smith e David Ricardo.

O embate entre as abordagens de Gyorgy Lukács e Louis Althusser também é crucial para entender o Marxismo contemporâneo. Lukács enfatiza a importância da assimilação crítica da herança hegeliana pelo Marxismo, enquanto Althusser argumenta que o pensamento de Marx representa uma ruptura epistemológica radical. Ambos têm seus méritos, e essa tensão intelectual enriquece o desenvolvimento do Marxismo.

No entanto, é fundamental reconhecer que não há uma rivalidade real entre método e teoria no Marxismo, pois ambos são partes integrantes e complementares do seu corpo de conhecimento. O método científico é a base de técnicas para investigar fenômenos, adquirir conhecimento e integrar descobertas anteriores. Ele é fundamentado na observação sistemática, medição e experimentação, bem como na formulação, teste e modificação de hipóteses.

A teoria, por outro lado, é o conhecimento descritivo puramente racional. Em ciência, uma teoria científica é um conjunto de fatos naturais, evidências verificáveis e hipóteses que explicam esses fatos de maneira coerente e testável. A teoria e o método estão intrinsecamente ligados, com a teoria fornecendo as respostas para as perguntas formuladas pelo método e ambos sendo informados pela realidade e pelos sujeitos envolvidos.

Além disso, o Marxismo também se manifesta como um programa, abrangendo tanto um programa de pesquisa científica quanto um programa político. Um programa de pesquisa é um conjunto de teorias e técnicas usadas por uma comunidade científica para investigar questões específicas. Ele consiste em ideias fundamentais e hipóteses adequadas à descrição de fatos naturais, sendo produtivo quando leva à descoberta de novos conhecimentos e técnicas mais precisas.

No campo político, o Marxismo influenciou a criação de partidos socialistas e sociais-democratas europeus no século XIX. Esses partidos formularam programas políticos orientados pelas bases ideológicas do Marxismo, mesmo que tenham passado por revisões ao longo do tempo. Esses programas orientaram as atividades desses partidos e continuam a ser influentes na política contemporânea.

Em resumo, o Marxismo é uma tríade composta por método, teoria e programa, que juntos formam a base do pensamento Marxista. Esses elementos estão interligados e são cruciais para entender a abordagem Marxista em relação à sociedade, economia e história.

As três fontes e as três partes constitutivas, as duas primeiras tríades do Marxismo

Em um artigo clássico de 1913, Vladímir Íllitch Ulíanov, mais conhecido como Lênin, apresentou a ideia das "Três Fontes e as Três Partes Constitutivas do Marxismo". Ele explicou que o Marxismo tinha suas raízes em três correntes de pensamento do Ocidente burguês do século XIX: o Socialismo francês (que representava o pensamento político francês), a Filosofia alemã e a Economia Política britânica (representando o pensamento econômico britânico). Ao combinar essas influências de maneira lógica, Lênin argumentou que o Marxismo se desenvolveu em três partes essenciais: o Materialismo histórico, a Crítica à Economia Política (também conhecida como Economia Política marxista) e o Materialismo dialético.

Lênin sustentou que as bases do Marxismo foram estabelecidas a partir da análise dialética, um método e uma forma de compreensão inicialmente desenvolvidos por Hegel, mesmo que Marx tenha posteriormente criticado essa abordagem como sendo idealista. Além disso, a filosofia materialista desempenhou um papel crucial, com uma avaliação crítica dos avanços na concepção de Ludwig Feuerbach. O Marxismo também incorporou uma análise crítica das ideias e experiências dos socialistas utópicos franceses, bem como das teorias econômicas dos britânicos Adam Smith e David Ricardo.

Esses elementos fundamentais, conforme propostos por Lênin, serviram como alicerce para o Marxismo, proporcionando uma base sólida para a compreensão da sociedade, da economia e da história.

Por sua vez, Lênin argumentou que essas três partes do Marxismo eram interdependentes e constituíam a essência da doutrina. O Materialismo Histórico enfatizava a importância das condições materiais na formação da sociedade e das relações de classe, enquanto a Crítica à Economia Política explorava as dinâmicas do capitalismo e a exploração econômica. O Materialismo Dialético, por sua vez, oferecia um método de análise dinâmica e uma abordagem para compreender as mudanças históricas e sociais. Juntas, essas três partes forneceram os fundamentos teóricos e metodológicos para o Marxismo, tornando-se uma ferramenta poderosa para a compreensão das complexidades da sociedade e da busca pela emancipação social.

Marxismo: Althusser vs. Lukács

O Marxismo acadêmico atual enfrenta um embate, derivado de uma controvérsia que ganhou contornos nas décadas imediatas do pós Segunda Guerra Mundial, à medida que os movimentos políticos de ideologia marxista, especialmente na Europa, ganhavam poder (como o stalinismo na Europa Oriental) ou influência social significativa (como a socialdemocracia na Europa Ocidental). De um lado, é visto como método investigativo e interpretativo, e, por outro, como teoria científica no campo da História, Ciências Sociais e Humanas.

Destaca-se, entre os primeiros, o Marxismo como método científico, sendo o mais célebre o pensador húngaro Gyorgy Lukács (1885-1971), e entre os segundos, como teoria científica, o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990). Evidentemente, embora relacionados, método e teoria são diferentes, mas ambos são válidos.

Durante o período stalinista, o Marxismo enfrentou pressões que limitaram seu desenvolvimento teórico. Atualmente, superadas as condições que o tornaram fortemente escolástico, a filosofia marxista se revitalizou e autocriticou, redescobrindo os problemas que as concepções imediatistas e as necessidades de combate haviam ignorado anteriormente.

Um dos problemas teóricos fundamentais que foi deficientemente tratado durante a época de Stálin é a relação entre a dialética marxista e a dialética hegeliana. Qual é o verdadeiro alcance da ruptura de Marx com Hegel? Quais são as dificuldades reais para a assimilação crítica do núcleo racional da dialética de Hegel a uma perspectiva materialista oposta ao idealismo de Hegel? Dependendo das respostas a essas questões, os marxistas contemporâneos podem ser classificados em duas tendências opostas: a tendência que preconiza o aprofundamento da assimilação crítica da herança hegeliana pelo marxismo e a tendência que exige o aprofundamento da ruptura de Marx com Hegel.

A primeira tendência, frequentemente associada aos Cadernos Filosóficos de Lênin, tem seu principal representante no filósofo húngaro Georg Lukács. Na segunda tendência, encontramos o francês Louis Althusser e o italiano Galvano della Volpe, que, embora tenham diferenças em suas posições individuais, compartilham a ideia de uma ruptura mais profunda com Hegel.

Althusser apresenta uma análise das relações do jovem Marx com Hegel e Feuerbach, submetendo os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 a uma vigorosa crítica. Ele conclui que a obra juvenil de Marx é substancialmente prejudicada por um humanitarismo abstrato e moralista. Althusser contrapõe o Marx da maturidade (de O Capital) ao Marx da juventude (dos Manuscritos), destacando com ênfase a descontinuidade em sua evolução teórica. Althusser vê na metodologia de tipo estruturalista a principal fonte da moderna cientificidade do marxismo, mas também alerta para o risco de des-historicização decorrente da rejeição estruturalista da ligação indissolúvel do homem à história.

Por sua vez, é importante compreender as razões pelas quais os Manuscritos continuam a ser relevantes até hoje, mais de cento e cinquenta anos após sua escrita. A perspectiva contida nas intuições dos Manuscritos possui sua própria verdade, que se integra à verdade científica mais ampla desenvolvida no sistema de O Capital.

György Lukács foi um filósofo húngaro, esteticista, historiador literário, crítico e marxista. Ele foi o fundador do marxismo ocidental, uma tradição interpretativa que se afastou da ortodoxia ideológica da URSS. Ele desenvolveu a teoria da reificação e contribuiu para a teoria marxista com a evolução da consciência de classe de Karl Marx.

No primeiro capítulo, "O que é o marxismo ortodoxo?", Lukács define a ortodoxia como a fidelidade ao "método marxista", não aos "dogmas". Ele enfatiza que a ortodoxia refere-se exclusivamente ao método e à convicção de que o materialismo dialético é o caminho para a verdade, cujos métodos podem ser desenvolvidos, ampliados e aprofundados ao longo das linhas estabelecidas por seus fundadores. Lukács também dedicou parte de sua vida a uma exposição sobre a ontologia do ser social, uma abordagem sistemática da filosofia dialética em sua forma materialista.

Por outro lado, Louis Althusser desenvolveu uma concepção distinta. Ele argumenta que o pensamento de Marx foi fundamentalmente incompreendido e subestimado. Ele condena várias interpretações das obras de Marx - historicismo, idealismo e economicismo - por não reconhecerem que, com o "materialismo histórico", Marx construiu uma visão revolucionária da mudança social. Althusser acredita que esses erros resultam da ideia de que o corpo de trabalho de Marx pode ser compreendido como um conjunto coerente. Em vez disso, Althusser argumenta que o pensamento de Marx contém uma "ruptura epistemológica" radical.

O projeto de Althusser é ajudar a compreender a originalidade e o poder da teoria de Marx, dando atenção ao que não é dito, bem como ao explícito. Ele sustenta que Marx descobriu um "continente de conhecimento", a História, que é análogo às contribuições de Thales para a matemática, Galileu para a física e Freud para a psicanálise, mas cuja estrutura teórica é única e diferente de seus predecessores.

Marxismo: Método + Teoria

Não há rivalidade entre método e teoria no Marxismo; ambos são igualmente importantes. O método científico é um conjunto de técnicas para investigar fenômenos, adquirir novo conhecimento ou corrigir e integrar o conhecimento anterior. Para ser considerado científico, um método de pesquisa deve ser baseado em evidências empíricas mensuráveis e sujeitas a princípios específicos de raciocínio.

O Dicionário de Inglês Oxford define o método científico como: "um método ou procedimento que tem caracterizado a ciência natural desde o século XVII, que consiste na observação sistemática, medição e experimentação, bem como na formulação, teste e modificação de hipóteses". A característica distintiva do método científico é que os cientistas buscam deixar a realidade falar por si mesma, apoiando uma teoria quando suas previsões são confirmadas e desafiando a teoria quando suas previsões se mostram falsas.

O método científico é um conjunto de regras básicas para produzir conhecimento científico, seja um novo conhecimento ou a evolução de conhecimentos pré-existentes. Na maioria das disciplinas científicas, envolve a coleta de evidências empíricas verificáveis por meio de observação sistemática e controlada, geralmente resultante de experimentos ou pesquisa de campo, e sua análise usando lógica. Muitos autores consideram o método científico simplesmente como a aplicação da lógica à ciência.

A teoria, por outro lado, é o conhecimento descritivo puramente racional e é aplicada em diversas áreas do conhecimento. Em ciência, a teoria científica é o conjunto de fatos naturais, evidências verificáveis e hipóteses adequadas à descrição desses fatos, formando uma explicação coerente e testável. Portanto, o método permite sistematizar, organizar e escrutinar as perguntas, enquanto a teoria fornece as respostas. Ambos estão interligados pela realidade e pelos sujeitos, e a teoria pode ser aprimorada e modificada com base na aplicação do método à realidade.

Marxismo como "Programa"

Além disso, o Marxismo, como um movimento político, também se configura como um programa, tanto como programa científico (ou programa de pesquisa) quanto como programa político. Um programa consiste em um conjunto sistematizado de necessidades para orientar as decisões, especialmente nas fases iniciais de um projeto ou empreendimento, ou como um conjunto de instruções que descrevem uma tarefa a ser realizada por um ente.

Um programa de pesquisa é um conjunto de teorias e técnicas utilizadas por uma comunidade científica. Foi introduzido na filosofia da ciência por Imre Lakatos e inclui ideias perenes (hard core) e hipóteses que respondem a observações empíricas, podendo variar (hipóteses auxiliares). Cientistas podem escolher diferentes programas de pesquisa, preferindo os "produtivos" aos "degenerados". Um programa de pesquisa é produtivo se leva à descoberta de novos fatos, técnicas mais precisas ou teorias mais avançadas, enquanto um programa se torna degenerado se não oferece mais avanços significativos e sobrevive apenas com a adoção de teorias ad hoc para "salvá-lo" de refutações empíricas.

Alguns marxistas criticam a institucionalização acadêmica do Marxismo, pois a veem como muito separada da ação política. Quando os partidos socialistas/social-democratas europeus se constituíram nas décadas de 1870/80, suas bases ideológicas eram predominantemente marxistas, e seus programas políticos refletiram essas bases, mesmo com revisões ao longo do tempo, orientando as atividades desses partidos.

BIBLIOGRAFIA

LÉNINE, V. L.. As Três Fontes e as Três partes Constitutivas do Marxismo (N67). Março de 1913. Obras Escolhidas em seis tomos, Edições "Avante!", 1977, t.1, pp 35-39. Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo.


( * ) Artigo atualizado em 15/03/2013, 13/05/2013 e 11/01/2024
Queremos pedir desculpas aos leitores diante de tantas modificações no texto ao longo dos dias. Optou-se por socializar o texto antes mesmo de estar concluído para eventuais colaborações e críticas. A intenção é ir aperfeiçoando o mesmo, diante de novas informações e reflexões, e mesmo de críticas dos próprios leitores, à medida que o tema é profundo e multifacetado. 

Um comentário:

  1. Muito bom e audacioso seu texto "em porjeto" Almir. Anseio por vê-lo concluído.

    bjos

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