quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

'Caminho Niemeyer' de Niterói: uma revitalização; não a serviço dos trabalhadores

por Almir Cezar 

Panorâmica do trecho do Caminho Niemeyer do Centro de Niterói - grandes prédios brancos: Teatro Popular de Niterói,
Memorial Roberto Silveira e Fundação Oscar Niemeyer - fundo Cidade do Rio e esquerda campus do Gragoatá da UFF.

O complexo arquitetônico do "Caminho Niemeyer" de Niterói fez 15 anos e, com uma década de atraso, ganha mais uma promessa de conclusão com um novo prefeito. Criado sob a promessa de revitalizar a orla e o Centro de Niterói, o Caminho Niemeyer tem apenas alguns monumentos prontos: Praça JK, Maquinho (Módulo de Ação Comunitária), o Teatro Popular, a Fundação Oscar Niemeyer (FON) e o Memorial Roberto Silveira, os três últimos fechados ao público. O Museu Petrobrás de Cinema ainda está em obras e não há informações de quando ele será finalizado, embora tenha sido inaugurado oficialmente em 2011.

A genialidade de Oscar Niemeyer é inegável, mas, por uma série de questões, o complexo apresenta problemas. Além do fato, do seu projeto ter sido muito modificado com o passar dos anos, não é apenas preciso concluir o projeto, que está parado, como criar um novo modelo de gestão para dar vida aos prédios projetados por Oscar Niemeyer para Niterói, e principalmente, sua articulação com o entorno.

Até o ano passado, o gasto previsto com a construção do projeto superava em 85% (R$ 55 milhões) o investimento inicialmente previsto, de R$ 65 milhões. A época da divulgação do projeto em 1997 foi alegado que seria essencial para a revitalização do Centro, contudo apesar de ser apenas mais um elemento de revitalização dessa região, a requalificação desse bairro não é tão simples. 

Porém, além de se resolver os problemas de gestão, o Caminho Niemeyer finalizado ou não, demanda outras medidas para a verdadeira revitalização do Centro, que beneficie a população moradora e/ou circulante desse bairro, e não que vise lucros milionários para o setor imobiliário ou de construção civil.  Assim, o 'Caminho Niemeyer' de Niterói transformou-se em um modelo de como um processo de "revitalização" está a serviço de tudo, menos atender a população moradora e usuária da área a ser revitalizada.

MAC, o início de tudo

Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) - edifício
virou símbolo de Niterói e um dos cartões-postais do Brasil 
Foi com o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) que Oscar Niemeyer, o homem que idealizou o local, projetou a imagem da cidade para o mundo, uma história que começou em maio de 1991. Foi nessa época que Niemeyer recebeu do prefeito Jorge Roberto Silveira, ainda em seu primeiro mandato, o convite para projetar um museu. 

O lugar escolhido pelo arquiteto foi o Mirante da Boa Viagem. Cinco anos depois, em setembro de 1996, era inaugurado o Museu de Arte Contemporânea (MAC), um monumento em formato de flor de lótus, mas popularmente comparado a um disco voador.— A maior felicidade de um projeto é ver as pessoas desfrutando dele — disse Niemeyer, durante a inauguração do MAC. — É um museu diferente, não é um quadrado rígido.

O acervo permanente do MAC é constituído pela Coleção João Sattamini, um conjunto de mais de mil peças, reunidas desde a década de 1950 pelo colecionador de arte João Sattamini, constituindo a segunda maior coleção de arte contemporânea do Brasil. A ideia de criação do museu, segundo Roberto da Silveira, surge da intenção de João Sattamini de doar sua coleção de arte para a cidade. E o museu nasce precisamente para abrigá-la.

Maquete da 1ª versão do Caminho Niemeyer do trecho do
Centro. Torres empresariais e a 1ª versão da catedral católica
O prédio foi imediatamente considerado uma verdadeira obra de arte, que viria a ganhar projeção internacional. Tanto que, em 2000, chegou a ser eleito pela revista americana “Traveller”, da editora americana Condé Nast, uma das sete maravilhas do mundo moderno. Na época, a publicação descreveu a edificação como um monumento cujas “fotografias e vídeos não são suficientes para captar todo o seu esplendor”. 

Após a conclusão da construção do Museu de Arte Contemporânea em 1996, a prefeitura da cidade começou uma campanha para tornar o museu o principal elemento de propaganda da cidade, onde o MAC deveria passar a imagem de cidade moderna, globalizada e de futuro. A imagem do museu se transforma em símbolo da cidade. Essa imagem é utilizada/instrumentalizada para projetar a cidade no Brasil e no mundo.

Este fato foi transformado, pelo grupo no poder, em mote  para o marketing  político, rapidamente absorvido pelos empreendedores empresariais que acabariam adotando a imagem do MAC como o novo símbolo “oficial” da cidade. Este novo movimento acabou embalando o inconsciente coletivo da população local e ressignificando a representação dominante da cidade. De signo de marca indígena e funções complementares à cidade do Rio de Janeiro, Niterói se projetaria internacionalmente nos anos de 1990, por meio da obra de Niemeyer.

O complexo arquitetônico

O sucesso do MAC selou a parceria do arquiteto com Niterói. Em 1997, a Câmara dos Vereadores aprovava a lei de criação do Caminho Niemeyer, uma Área de Especial Interesse turístico, que vai da orla do Centro até a Boa Viagem, às margens da Baía de Guanabara. A faixa do Centro e outros terrenos ao longo orla da Zona Sul receberiam o segundo maior conjunto de obras do arquiteto carioca, perdendo apenas para Brasília. O complexo passou reiteradamente a ser anunciado como a peça central no processo de revitalização do Centro. Ocupando áreas de aterro efetuado entre fins da década de 1960 e década de 70 sobre as margens da Baía de Guanabara, na Orla de Niterói.

Essas áreas deram em parte lugar nos anos 1970/80 aos campi universitários da Universidade Federal Fluminense-UFF (Campus do Gragoatá e Campus da Praia Vermelha), com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), restando um trecho no Centro da cidade desocupado, que em parte fora ocupada durante curto período na década de 1980 por um parque chamado de Vila Olímpica, uma série de terminais de ônibus (demolidos para construção do Terminal Rodoviário João Goulart e a duplicação da Avenida Visconde do Rio Branco) e vários estacionamentos a céu-aberto. Justamente esse conjunto sub-utilizado é o perímetro que seria ocupado pela maioria dos equipamentos culturais do complexo projetado por Oscar Niemeyer e pela chamada "Área de Especial Interesse".
cartões-postais dos edifícios já prontos do Caminho Niemeyer

Dois anos depois, o arquiteto mostrava a maquete do denominado "Caminho Niemeyer". O evento de apresentação foi realizado num terreno no Centro, ao lado do Terminal João Goulart, que em alguns anos viria a reunir parte dos equipamentos arquitetônicos. "A intenção é que as pessoas voltem a querer morar no Centro" disse, na época, o prefeito Jorge Roberto Silveira, que dava prazo de dois anos para a conclusão do Caminho.

Originalmente, o complexo era composto por 13 monumentos, sendo cinco torres residenciais, com 20 andares cada. As vendas dos apartamentos serviriam para financiar as demais construções: o Memorial Roberto Silveira, a Fundação Oscar Niemeyer, o Teatro Popular e uma capela flutuante dedicada a Nossa Senhora do Líbano. Uma catedral católica e um templo batista também constavam no projeto. O conjunto pretendia ligar o Centro da cidade ao bairro da Boa Viagem, onde se localiza o MAC, até o Bairro de São Francisco onde está a Estação de Charitas perfazendo assim o “caminho” numa extensão de 10 km da orla, perfazendo uma espécie de exposição de arte à beira mar

Assim, em 2001, foi implantado o Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, com a responsabilidade de buscar parcerias com a iniciativa privada e com o governo federal para a realização de novas obras. Durante boa parte desses anos (e o é até 31/12/2012), o presidente do Grupo Executivo do Caminho Niemeyer foi Selmo Treiger (que também alternava com o posto de secretário de Fazenda e de Planejamento do município), dono da S. D. Treiger, incorporadora imobiliária que constrói, neste momento, oito novos edifícios na cidade. Por sua vez, nos últimos dois anos a Fundação de Artes de Niterói (FAN) publicou ou prometeu editais para concessão dos espaços à iniciativa privada, sem nada sair do papel.

Uma das primeiras obras concluídas foi a Praça JK ainda em 2001, no trecho entre os bairros do Centro e São Domingos, vizinha da Estação das barcas da Praça Arariboia, simboliza o pioneirismo do governo Juscelino Kubitschek. Na praça, com vista privilegiada das orlas de Niterói e do Rio de Janeiro, destaque para esculturas em bronze do próprio Oscar Niemeyer e de JK, um marquise sinuosa, tudo sobre um estacionamento subterrâneo.

Maquete da 2ª versão do trecho do Centro de Niterói -
 sem as torres comerciais e com inclusão da nova estação de
barcas e das catedrais católica e batista nas extremidades.
Em dezembro de 2003, o público passaria a conhecer o Memorial Roberto Silveira. Na área próxima ao Terminal Rodoviário João Goulart, a obra é abrigo de informações históricas e iconográficas, contendo terminal de computadores para consultas eletrônicas, espaço para exposições, auditório e painel do artista plástico Cláudio Valério Teixeira. Também chamado de Centro de Memória Roberto Silveira, o espaço oferece 300 mil itens digitalizados, contendo dados sobre Niterói, o estado do Rio de Janeiro e a vida do governador Roberto Silveira (1923-1961).

No ano seguinte, a Estação Hidroviária de Charitas, bairro da orla no final da Zonal Sul, que rapidamente se tornou uma atração turística da cidade, embora não conste oficialmente como integrante do complexo do Caminho Niemeyer. O prédio se destaca por um recuo em relação à linha d’água e pela construção de um píer sobre estacas. O edifício, com 700 metros quadrados de vidro para compor seu salão panorâmico de embarque, reserva também espaços para um restaurante e lojas de conveniência.

Planta da 2ª versão do trecho do Centro. Nota-se que 
o prédio da estação das barcas abrigaria um mega
estacionamento
Em abril de 2007, o Caminho Niemeyer ganharia nova composição com o Teatro Popular de Niterói, obra de traçado sinuoso e painéis que retratam mulheres. A plateia tem capacidade para 380 pessoas. O palco, com a  parte posterior reversível, pode ser aberto para uma área de 17 mil metros quadrados que abriga até 20 mil espectadores. O acesso ao teatro se dá através de uma rampa helicoidal, por onde se chega até um foyer de 580 m². Uma parede de vidro duplo com brises internos permite aos visitantes ver a Baía de Guanabara de dentro do espaço, construído em concreto armado e coberto por uma curva que se origina nas empenas do edifício, construído sob 4 mil metros quadrados.

Três anos mais tarde, a Fundação Oscar Niemeyer ganhou nova sede no complexo arquitetônico, ocupando 4 mil metros quadrados na região. A construção tem o formato de um caracol e guardaria (se funcionasse) todo o acervo do arquiteto, como esculturas, projetos, maquetes e trabalhos realizados ao longo de mais de 70 anos. Atualmente, a Fundação é considerada um importante centro de documentação, ao disponibilizar seu acervo bibliográfico e oferecer produtos e serviços de informação crítica voltada à reflexão e difusão do urbanismo, design e artes plásticas, além da valorização e preservação do patrimônio arquitetônico moderno do país.

3ª versão, sem as catedrais católica e batista, substituídas pela
Torre Panorâmica e Centro de Convenções (não construídas)

pela Torre Panorâmica e Centro de Convenções (2008)
Sétima e mais recente obra do Caminho, o Museu Petrobras de Cinema foi aberto à visitação pública em novembro de 2011. Com formato sugestivo de rolo de filme, a estrutura comporta um museu, um auditório para 700 pessoas, seis salas de projeção, além de lojas, bares e um café. Foi construído em um trecho remanescente da parcela sul do Aterro da Praia Grande, em frente ao Campus do Gragoatá da Universidade Federal Fluminense, no bairro de São Domingos.

Ministério do Turismo anunciou a cidade entre os 10 municípios incluídos na lista de roteiros turísticos no Estado do Rio para a Copa do Mundo de 2014, e por ser a cidade mais próxima da capital, uma das cidades-sede da competição – tem grande potencial para ser uma das mais visitadas, em grande parte pelo efeito atrator do Caminho.

Nova Estação do Metrô e das Barcas

Embora não constante na versão primeira do 'Caminho', Oscar Niemeyer projetou uma futura hidroviária nos fundos do atual Terminal João Goulart e dentro de um programa de integração com o projetado túnel submarino e o metrô. Mas o Estado teve outro, prevendo que o sonhado túnel sobre a Baía de Guanabara vindo do Rio sairia junto à atual Praça JK e teria uma estação defronte à atual Hidroviária, onde se iniciaria o percurso da Linha 3 do metrô, para São Gonçalo e Itaboraí. Depois surge a ideia de que o terminal substituto do Terminal Rodoviário João Goulart seja um terminal único e multimodal.

Maquete digital 3ª versão - inclusão do terminal multimodal
- viaduto e estação da linha 3 do metrô e a torre panorâmica
.
A mudança na estação de embarques e desembarques de Niterói teve vários outros projetos após a histórica estação destruída durante a revolta popular de 22 de março de 1959, contra o grupo Carreteiro. Da bela estação do início do século passado nada restou e seu espaço foi utilizado para o funcionamento da atual e precária estação existente, na Praça Araribóia.

Na década de 1970 chegou a ser projetada uma nova estação e inicia a sua construção, à beira mar do local no trecho do aterro onde funcionou a Vila Olímpica e hoje integra o Caminho Niemeyer. Além das estruturas de concreto que ainda estão à beira mar, foram construídas grandes peças de concreto que para lá seriam transferidas. Elas ficaram por muito anos à mostra, à beira mar, no local onde hoje existe a Praça JK.

Um detalhe tem passado despercebido por especialistas, autoridades e a imprensa, desde que prometeu construir a Linha 3, o governador Sérgio Cabral prometeu fazer da Estação Praça Arariboia uma estação multimodal, que interligaria metrô, ônibus e barcas.

Porém a estação do modo que foi divulgado não permite receber  metrô vindo do Rio de Janeiro à medida que a composição que chegaria à Niterói sairia da Estação Carioca passando há 40-50 metros abaixo do solo. Seu túnel sob a Baía de Guanabara precisa ser construído com a mesma profundidade e chegaria à Niterói também nesta distância da superfície. Contudo, o Governo pretende fazer a Estação Praça Arariboia em elevado, no mesmo nível do solo, impossibilitando o metrô de descer sob as águas. Cabral decidiu mudar a Estação Praça Arariboia de lugar para transformá-la em estação multimodal. Não haveria como este chegar ao Rio de Janeiro, a não ser que uma nova ponte seja construída e deixaria de ser subterrâneo.

Muitas mudanças no projeto e equipamentos fechados

Ao longo dos anos surge muitas mudanças no projeto. Com a falta de interesse das incorporadoras, as torres comerciais foram retiradas do projeto. Em 2004, outro impasse levou a mais modificações. Devido à falta de verba das igrejas, a catedral e o templo batista também foram excluídos, assim como a capela flutuante. Somente em 2007, oito anos após o início das obras, o primeiro equipamento foi apresentado, quando o então prefeito Godofredo Pinto inaugurou o Teatro Popular.

Hoje, o Caminho só conta com sete equipamentos erguidos, além do MAC. Apenas o Maquinho e a Estação de Charitas funcionam plenamente, assim como a Praça JK, que está finalizada. O Teatro Popular, fechado no início da atual gestão (2008) para reparos e adaptações no projeto, recebe eventos esporádicos. Recentemente (2012), passou a ser aberto também para visitações.

Terminal Multimodal - projetado (2010) em substituição ao
Terminal Rodoviário João Goulart, reunindo ônibus, barcas e
metrô em frente ao trecho do Caminho no Centro da cidade
A nova sede da Fundação Oscar Niemeyer, inaugurada em 2010, ainda está fechada. O prédio foi projetado como um centro de pesquisa e documentação das obras do arquiteto e abrigaria a Escola Oscar Niemeyer. O Memorial Roberto Silveira, que receberia todo o arquivo histórico da cidade também continua fechado.

Polêmicas recentes sobre o Caminho

Quanto ao Museu de Cinema, a prefeitura chegou a anunciar a licitação para a administração das salas de cinema e das lojas, mas o edital ainda não foi lançado. A concorrência só deve ser marcada na próxima gestão.

Em 2009, o projeto de uma Torre Panorâmica de 60 metros de altura também chegou a ser apresentado. A obra seria fruto de uma parceia entre Município, Estado e União. Pelo acordo, mais de R$ 60% dos recursos, cerca de R$ 12 milhões, seriam oriundos do Governo Federal, mas a liberação do valor foi cancelada no fim do ano passado. Segundo a Secretaria Estadual de Obras, o projeto deverá ser licitado novamente.

Este ano, o lançamento de um empreendimento privado, o Oscar Niemeyer Monumental, no Centro, gerou mais polêmica em torno do complexo arquitetônico. O projeto, aprovado pela prefeitura, prevê a construção de duas torres, que terão salas comerciais, quartos de hotel e lojas. A obra foi embargada a pedido do Ministério Público, por desrespeitar os padrões urbanísticos do Centro. Mas a prefeitura alega que a lei que institui a Área de Especial Interesse do Caminho Niemeyer, de 2006, prevê total liberdade para as criações do arquiteto.

projeto da 3ª versão com terminal multimodal (barcas, ônibus
 e metrô) e o viaduto da linha 3 do metrô  - maquete digital
 com visão completa por cima.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPERJ) instaurou Inquérito Civil Público para apurar suspeita de improbidade administrativa na venda de terreno onde deverá ser construído o Oscar Niemeyer Monumental, no Caminho Niemeyer, em Niterói, durante operações que podem ter lesado os cofres públicos em R$ 1,694 milhão. De acordo com a portaria que dá início às investigações, a propriedade pública foi vendida pela Prefeitura a “preços módicos” e “sem licitação”.

O objetivo do Inquérito é verificar se na transação houve dano ao patrimônio público praticado por agentes públicos. De acordo com o Ministério Público, o que motivou a instauração do Inquérito foi o fato de a Prefeitura de Niterói ter vendido três lotes, em fevereiro deste ano, a preços “considerados módicos” e “sem o devido processo licitatório”.

Segundo a Portaria, a Prefeitura vendeu os dois primeiros lotes a uma incorporadora por R$ 534 mil, que revendeu os mesmos terrenos por R$ 1,308 milhão. O terceiro lote foi vendido pela prefeitura por R$ 630 mil e revendido pela mesma incorporadora por R$ 1,550 milhão. Todos os lotes foram revendidos para a futura construção do empreendimento Oscar Niemeyer Monumental, no Caminho Niemeyer, em Niterói. O nome da incorporadora que comprou os terrenos não foi divulgado pelo Ministério Público, sob a alegação de que estaria sob sigilo investigativo.
Terminal multimodal em substituição ao Terminal João Goulart - não
constava no projeto do 'Caminho' a demolição do terminal de ônibus e sua 
integração ao complexo através de um projeto de Oscar Niemeyer

Após a morte de Oscar Niemeyer, a prefeitura publicou no Diário Oficial a convocação de uma audiência pública, para o dia 21, em que será discutido o projeto das torres. Esse é mais um passo rumo à liberação do empreendimento que, segundo declarações do prefeito Jorge Roberto Silveira na época da divulgação do projeto, seria essencial para a revitalização do Centro. As torres seriam mais um elemento de revitalização dessa região, apesar de que a requalificação do Centro não ser algo tão simples.

O Caminho Niemeyer será concluído, é o que afirma é o prefeito eleito, Rodrigo Neves. No entanto, disse que continua de fora dos planos o projeto da Torre Panorâmica de 60 metros de altura que seria erguida ao custo de R$ 20 milhões, próximo ao teatro popular e à estação das barcas. Apesar de garantir que irá terminar as obras inacabadas do caminho, como o Museu Petrobras de Cinema, o novo prefeito afirma que não tem nenhuma intenção de levar adiante a construção da Torre. Projetada por Oscar Niemeyer, a Torre Panorâmica - de 80 metros de altura, com visão de 360 graus - no seu topo a torre teria um restaurante e um bar com vista panorâmica e em sua base ficariam uma praça de alimentação, um centro de informação turística, além de lojas. A torre seria construída ao lado do Teatro Popular e do Memorial Roberto Silveira.

A obra foi orçada em R$ 20 milhões e a construção teria participação do governo federal, através do Ministério do Turismo. O primeiro prazo para conclusão foi estabelecido em dezembro de 2011. Mas, em agosto de 2012, a Secretaria de Estado de Obras, responsável pela licitação do serviço, informou que as obras seriam iniciadas ainda este ano, porém, até agora o projeto não saiu do papel.

Únicos prédios prontos do trecho do Centro (foto de 2011) 
- (a partir da direita) Fundação Oscar Niemeyer, Memorial
Roberto Silveira e Teatro Popular - prontos e fechados no
momento.
Rodrigo Neves também ressaltou que não utilizará recursos da prefeitura na conclusão do Caminho Niemeyer. Ele afirmou que tem "um bom relacionamento com o governo federal e com os dirigentes de estatais como Petrobras e Eletrobrás, que são empresas que têm interesse em investir na cidade e deverão reforçar as parcerias públicas privadas para concluir o projeto".

Em um de seus últimos atos de à frente da Prefeitura de Niterói, no dia 21/12, Jorge Roberto Silveira, e o arcebispo católico da cidade, Dom José Francisco Rezende Dias, assinaram a cessão de uma área no Caminho Niemeyer para a construção de uma catedral, conforme previa um dos projetos do conjunto arquitetônico. Coube à arquidiocese o compromisso de construir a igreja, no lugar da polêmica torre panorâmica. A catedral receberá o nome do padroeiro do município, São João Batista. Apesar da promessa, o prazo para o início e a conclusão da obra não foi informado à imprensa. 

Por sua vez, dias depois (27/12), Jorge Roberto Silveira garantiu a criação de uma praça ecumênica no Caminho Niemeyer, à medida que o prefeito e o diretor financeiro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Volnei da Rosa Porto, assinaram a cessão de um terreno para a construção de um templo evangélico no local, erguida seguindo o projeto de Niemeyer anteriormente tinha elaborado de um templo para a Igreja Batista.

Uma cidade com autoestima recuperada à serviço da especulação imobiliária

Vista do MAC da Praia da Boa Viagem - terrenos em encosta,
área de proteção  foi dada a indústria imobiliária (foto 2006,
atualmente vista com muitas mais edifícios de luxo cercando o 
museu,cobrindo as encostas verdes).
No centro da justificativa da implantação do Caminho Niemeyer está o fato de que Niterói precisaria de ações públicas para estimular uma revitalização urbana, especialmente das áreas de seu Centro e da orla dos bairros centrais. Isso porque a cidade por décadas passou por um processo de decadência e esvaziamento, e perda da autoestima de seus cidadãos. Mas nem sempre fora assim.

A economia niteroiense era na década de 1950 uma das mais importantes do país. Além de capital estadual, era um importante polo nacional da indústria naval, de pescado e têxtil. Sinais desse passado podem ser vistos nas grandes construções de perfil fabril e em centenas de bairros com feição operária concentrados na zona norte de Niterói, e se estendendo para vários bairros da cidade vizinha de São Gonçalo. Niterói até o fim da década de 1960 estava entre as 10 maiores cidades do Brasil segundo o censo.

Contudo, no início dessa década inicia-se um processo de esvaziamento econômico. O movimento portuário de Niterói, por exemplo, diminuiu em 50% no período de 1964-1967, em grande parte em decorrência da decadência da economia cafeeira do Norte Fluminense, e, por sua vez, setor têxtil, tradicional na economia fluminense, também foi perdendo a competitividade desde então. 

Também contribuiu à decadência econômica, a transferência da capital do Estado do Rio de Janeiro, de Niterói para a Cidade do Rio de Janeiro, com a fusão com o Estado da Guanabara em 1975, com a consequente mudança das repartições públicas e estatais estaduais e de escritórios regionais de empresas privadas. E ainda, a construção da Ponte Rio-Niterói, inaugurada um ano antes, em 1974, contribuiu para agravar a situação, à medida que, fez a região da Grande Niterói e o interior do estado passar a gravitar mais forte e diretamente entorno à Cidade do Rio de Janeiro. Que, por sua vez, também passava por um esvaziamento econômico no mesmo período.

Niterói hoje (vista do satélite): Centro e bairros centrais e parte da Zona Norte
 e Sul.
A consequência foi um claro processo de degradação urbana dos bairros industriais e do entorno do porto de Niterói com a deterioração e subutilização de muitos imóveis, que contribuiu para rebaixar a atratividade desses locais e negócios. 

Este cenário acelerou a degradação social local, com a expansão do subemprego e da informalidade (multidão de camelôs), com consequência na favelização e explosão da violência urbana (mesmo que em níveis abaixo da capital fluminense) e na migração de moradores para cidades vizinhas em busca de habitação adequadas a rendas menores - contribuindo para ampliar os problemas urbanos nas cidades vizinhas (Leste Fluminense Metropolitano: São Gonçalo, Itaboraí e Maricá), para a expansão de assentamentos precários e na pressão fundiária entre velhos e novos moradores.

A partir do final da década de 1980, a cidade de Niterói começa a recuperar competitividade. Há inclusive uma estratégia do governo municipal de então, aproveitada pelos empresários, de que cidade se voltaria à serviços e moradia, aproveitando-se da qualidade de vida da cidade - adquirida pela alta renda de seus moradores e pela presença dos equipamentos públicos e privados herdados do fato de ter sido décadas capital estadual - aliada a decorrência de menores custos com terrenos e despesas de localização, combinado ao fato da cidade ter boa logística e mobilidade urbana, ser próxima da Cidade do Rio e polarizar toda a região do Leste Fluminense. Assim, começa a proliferação de lançamentos e empreendimentos imobiliários, de projetos de serviços privados especializados e de comércio de alto padrão, concentrando-se no Centro e principalmente na Zona Sul e bairros da Região Oceânica.

Também contribuiu para essa reversão da dinâmica econômica geral da cidade, vários projetos públicos da administração municipal que mudaram a paisagem urbana, destacando-se melhorias viárias e empreendimentos voltados ao fomento do turismo, ou pelo menos, a melhoria e divulgação da boa imagem da cidade. Foram os anos da duplicação de avenidas, entre elas as avenidas Visconde do Rio Branco e Marquês do Paraná, a restauração do Teatro Municipal e do Solar do Jambeiro, da construção do Terminal Rodoviário João Goulart (o "Terminal"), do Museu de Arte Contemporânea e do "Caminho Niemeyer". 

Também, houve intensa propaganda, inclusive institucional, em torno à imagem de que a cidade deteria um alto padrão de qualidade de vida, usando para isso inclusive, a divulgação massiva e marqueteira de estatísticas e indicadores sociais e econômicos favoráveis. A consequência é que as décadas de 1990 e 2000 foram de grande verticalização no perfil da edificação urbana e de multiplicação do lançamento empresarial de estabelecimentos de serviços e comércio, com shopping centers, hospitais e clínicas particulares, colégios e universidades privadas. Tal situação legou a cidade evidente inchaço e saturação no trânsito e serviços públicos e privados.

Área Especial de Interesse do Caminho Niemeyer, Centro de Niterói: Estação
das barcas e Praça Arariboia, um shopping center, Terminal  Rodoviário,
prédios do Caminho Niemeyer, terreno que abriga circos em temporada, um
hipermercado e quadras vazias (estacionamentos particulares improvisados)
e Avenida Visconde do Rio Branco. Veja a desconexação com o restante do
Centro da cidade.
A consequência desse boom das décadas de 1990 e 2000 foi de grande verticalização no perfil da edificação urbana e de multiplicação do lançamento empresarial de estabelecimentos de serviços e comércio, com shopping centers, hospitais e clínicas particulares, colégios e universidades privadas. 

O efeito colateral foi a saturação dos serviços públicos (que receberam investimentos muito menores em proporção a expansão populacional) e simultânea a favelização e a pressão à migração dos moradores nativos às cidades do entorno ou a novos bairros, devido a elevação dos preços dos imóveis em bairros valorizados. 

De certa forma, pode-se dizer que, a qualidade de vida não se deu e se dá igualmente para todos os munícipes. Por sua vez, com a forte expansão imobiliária e o excessivo adensamento populacional,  a cidade exibe  fortes sinais de saturação urbana nos últimos anos, em vários bairros, e nas principais vias da cidade, impondo um forte dilema urbano a Niterói, entre prosseguir na sua forte expansão urbana e imobiliária e a manutenção das condições que asseguram seu atual padrão de qualidade de vida.

E ainda, também na década de 2000, a partir do início da recuperação industrial na cidade com a ascensão das atividades econômicas locais ligados à exploração off shore de petróleo e recém reativação da indústria naval, esse novo quadro de "cidade de serviços" começou a originar uma contradição na trajetória de desenvolvimento urbana entre seu perfil industrial versus de serviços, com implicações conflitivas, tanto sob a forma disputa fundiária, como localização de negócios e empreendimentos, definição de diretrizes nos planos urbanísticos, problemas ambientais, disputa jurídicas entre vizinhanças, etc.

Por sua vez, os lançamentos de empreendimentos de comércio e serviços concentrados nos bairros da Zona Sul e Região Oceânica (bairros cuja orla é fora da Baía de Guanabara), como o próprio novo perfil residencial desses bairros, levou ao colapso do comércio de rua tradicional, mais concentrado no Centro da cidade, reforçando a degradação dessa área.  E com autorização da Prefeitura se construiu 3 shoppings centers nesse bairro, que ajudaram a sufocar ainda mais o comércio de rua.

 E, por sua vez, esse bairro, que tem um perfil menos propício ao perfil imobiliário de "cidade dormitório de alta renda", não se beneficiou da expansão imobiliária imediata, e assim, também recebeu menos investimentos públicos, embora ainda recebesse diariamente enorme população flutuante, inclusive de outros municípios, tanto para acessar o comércio e serviços, como para usar os sistema de transporte (estação das barcas da Praça Arariboia, os ônibus do Terminal e os viadutos de acesso à Ponte Rio-Niterói), saturando o trânsito local e reforçando um perfil de "passagem" ao bairro.

Panorâmica do Porto de Niterói - visão da Ponte Rio-Niterói e 
viadutos de acesso, Morro da Armação da Ponta da Areia, ilhas
estaleiros e embarcações - área do porto é um aterro da orla da
 Zona Norte.
Por sua vez, o Porto de Niterói manteve-se até a metade da década de 2000 subutilizado e seu entorno esvaziado e degradado. A partir da década de 1970 com a construção da Ponte Rio-Niterói, uma parte do cais foi tomada por aterro e viadutos de acesso das vias da cidade à ponte, limitando e complicando as atividades portuárias locais, contribuindo para acelerar a decadência do porto.

A estagnação da atividade da indústria naval na década de 1980 e 1990, fez com que o Porto se limitasse as atividades de importação de trigo ao Moinho Atlântico fechado em 2001. Por sua vez, as enseadas dessa região acabaram criticamente assoreadas, com pontos onde a profundidade é de apenas 30 cm. Somente entre 2003-2006 o Porto passa a operar como terminais de apoio a atividades de produção de petróleo off-shore, inclusive incorporando terrenos de sua volta - está no momento entre os 10 portos mais movimentados do país em valor agregado (dados da Secretaria Nacional Especial de Portos).

E ainda, em virtude das décadas de esvaziamento econômico da cidade, as áreas de aterro do Aterro da Praia Grande - cuja construção coincidiu com início do esvaziamento econômico, sob o pretexto de que esta seria consequência justamente de uma saturação urbana - seguiram por anos desocupadas ou sub-ocupadas, mesmo atualmente, servindo meramente como estacionamentos improvisados. Formando uma grande área de vazio urbano.

Contraditoriamente, o Centro da cidade, carente de equipamentos culturais e áreas lazer, motivo alegado para construção do 'Caminho', viu com autorização da Prefeitura fechar dezenas de cinemas de rua, desaparecer áreas livres usadas como espaço de lazer e não desenvolver espaços culturais populares no aproveitamento de edifícios históricos fechados ou sub-utilizados. 

Dezenas de edifícios históricos e icônicos da cidade, como por exemplo, o abrigo dos bondes (restaurado somente 2008 restaurado em contrapartida por um hipermercado, convertido em um centro cultural, porém no momento parcialmente fechado), o antigo Mercado Municipal (fechado a 4 décadas e em obras a ritmo lento a mais de 2 anos pelo governo estadual), Palácio Arariboia (antiga sede da Prefeitura, em uma restauração que se arrasta a quase uma década), o casarão Notre Revue (Casa de Norival de Freitas - sem previsão de restauro), simplesmente estão fechados e abandonados a décadas.

Portanto, proliferou-se durante anos de volta do dinamismo da cidade o oposto no seu Centro: casarões e sobrados abandonados, comércio fechando, praças abandonadas e ruas e calçadões mal conservados, moradores que emigravam, tudo a espera de uma "revitalização" que nunca vinha. Essa situação abriu a região à especulação imobiliária, que aguardava incorporações a preços baixos e o momento oportuno futuro para fazer lançamentos na área, que parece que enfim chegou na região. Nos últimos dois anos surgiram vários lançamentos imobiliários justamente nessa região, embora ainda em ritmo lento, acompanhando a aparente saturação e restrições construtivas nos bairros da Zona Sul.

Assim, pode-se dizer que o Centro vem se tornando uma área ambicionada pelas grandes construtoras, e portanto alvo de seu controle, inclusive das intervenções públicas sobre a região, o que inclusive pode complicar, ao invés de facilitar, as medidas de revitalização. Prova disso, pode ter sido a crise política em dezembro de 2011 que culminou com a extinção da secretaria municipal de Planejamento. A mídia chegou a noticiar que era resultado de uma briga nos bastidores entre grandes construtoras. A construtora Odebrecht tentou emplacar seu projeto para a revitalização do Centro, e financiaria, em troca, obras como a do mergulhão, a abertura do túnel de Charitas e as intervenções urbanas necessárias à implantação do plano de transportes de Jaime Lerner. Só que a construtora Andrade Gutierrez também entrou no páreo, mas propondo via a secretaria de Planejamento o plano 'Centro Expandido', que liberaria gabaritos em 80% da cidade, até Pendotiba.
Praça JK (primeiro plano), Praça Arariboia e estação das barcas,
  um shopping center e o Terminal Rodoviário João Goulart - trecho
 da cidade que circula todos os dias mais de 1 milhão de pessoas indo
 e vindo.

O que deveria ser apenas um estudo técnico do Planejamento chegou ao Conselho de Política Urbana como a minuta de um projeto de lei, inclusive sem passar pela secretaria de urbanismo, e o protesto das associações de moradores e construtoras da cidade foi geral. 

As construtoras locais que já tinham adquirido terrenos como reserva de mercado, somente poderiam se beneficiar do aumento de gabarito caso comprassem Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac) recebidos pela megaconstrutora que fizesse as obras que dariam maior mobilidade urbana e, por conseguinte, valorizariam áreas da cidade. Após protestos da associação local dos empresários do ramo imobiliário, no final do dia, o prefeito Jorge Roberto Silveira enviou mensagem à Câmara extinguindo a Secretaria de Planejamento.

Por sua vez, contrariamente ao otimismo propagandeado pela mídia, políticos e empresários, esta nova situação por que passa a cidade de Niterói nas últimas duas décadas pode tornar-se ainda mais convulsiva, justamente com o início do funcionamento do COMPERJ (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, nos municípios vizinhos de São Gonçalo e Itaboraí), e com expansão da exploração de petróleo com início das atividades dos poços do pré-sal e da Bacia de Santos. Niterói obviamente absorverá uma parte do contingente populacional esperado para o complexo petroquímico e novos negócios petrolíferos, além da expansão da demanda por serviços por essa população, inclusive a dos municípios vizinhos, tal como já o faz atualmente.

Acresce-se a isso a Copa das Confederações e do Mundo em 2013 e 2014 (cuja cidade do Rio é cidade-sede) e as Olimpíadas do Rio em 2016 e o consequente afluxo de turistas. Contudo, oposto a isso, a administração municipal afirma apenas preocupar-se em "preparar" a cidade - sem debater o que é de fato "preparar-se".

A orla a ser revitalizada pelo Caminho Niemeyer


Aterro do Flamengo (trecho da Enseada e Marina da Glória) -
parque público a beira-mar na Cidade do Rio - abriga jardins,
quadras esportivas, museus e autopistas ligando o Centro à
Zona Sul.
No início da década de 1970 o governo estadual do antigo estado do Rio de Janeiro investe e inicia as obras em Niterói do Aterro da Praia Grande, que entre 1971 e 1974 estiveram a cargo da Companhia de Desenvolvimento e Urbanismo do Estado do Rio de Janeiro, criada pelo governador Raimundo Padilha, desmontando-se o Morro do Gragoatá, para fornecimento de terra para os aterros na orla da cidade proporcionando uma grande esplanada urbanizada na faixa litorânea compreendida entre a Ponta da Armação (bairro da Ponta da Areia) e a Praia das Flexas no bairro do Ingá, Zona Sul.

Os primeiros planos surgiram ainda na década de 1910 e retomado apenas na década de 1940 durante do Estado Novo, tendo como inspiração as obras da vizinha  cidade do Rio de Janeiro, a Esplanada do Castelo e o Aterro do Flamengo. A própria cidade já tivera passado por experiências parecidas, como a o erigimento do centro cívico estadual da Praça da República e a construção do Porto de Niterói e sua zona portuária (que também abriga o complexo da indústria naval) pelo aterro da extinta Enseada de São Lourenço na orla norte da cidade na década de 1920, ampliado no início dos anos 60 com a construção da Avenida Contorno, de acesso a rodovia Niterói-Manilha, expandido a área portuária-naval.

O Brasil e Niterói viviam uma época desde o início do século XX até a década de 1970 de industrialização e urbanização grande e acelerada, e a expansão das áreas centrais da cidade de fato era limitada pelo relevo da região, exprimindo-a entre os morros e a orla da Baía de Guanabara.
Planta-baixa completa do Aterro da Praia Grande no momento de sua construção (anos 1970). Veja a similaridade com o
Aterro do Flamengo no Rio. Combinação de parque linear arborizado e vias  de tráfego expressas, mas com edificações 
de uso coletivo de tipo bucólicos, gregários e culturais (porém, havia também algumas quadras residenciais e comerciais).

Na área aterrada previa-se a construção de um teatro grego, concha acústica, fontes sonoras e luminosas, playgrounds, restaurantes turísticos, aquários, praças de esporte, planetário, passarelas, auditórios ao ar livre, um bosque com 15.000 espécies, o Museu Monumento do IV Centenário de Niterói (supostamente a ser inaugurado em 1973, ano dessa celebração), um centro cultural e um hotel de convenções no remanescente do Morro do Gragoatá (único edifício construído), quadras residenciais e comerciais oferecido às incorporadoras privadas e um conjunto de autopistas de ligação entre o Centro e a Zona Sul.

O Aterro acabou com o antigo Mercado de Peixe São Pedro, que ficava em palafitas a beira-mar da Avenida Visconde do Rio Branco, que teve que se mudar para o final da mesma avenida, só que agora no bairro da Ponta da Areia.

Áreas aterradas na orla de Niterói ao longo do tempo
 (Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo)
Contudo, apenas 70% do aterro foi realizado, retirando-se terra do Morro do Gragoatá, que perdeu sua parte mais alta, que se transformou num platô que também seria ocupada e cujo arruamento foi aprovado pela Companhia Territorial Fluminense. O trecho inacabado (correspondendo a  atual enseada em frente a Estação das barcas da Praça Arariboia) era fundamental pois interligaria as partes sul e norte já concluídas.

Em 1975, com a saída da sede do governo estadual da cidade, pela mudança da capital em decorrência da fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, Niterói deixou de ser prioridade dos investimentos públicos, e as obras de implantação do Parque da Praia Grande sequer foram iniciadas.

Em 1977 o ainda vazio trecho sul do Aterro Praia Grande foi desapropriada pelo governo federal para a construção dos campi da Universidade Federal Fluminense, onde até então as suas várias faculdades estavam dispersos pela cidade - constituindo assim, porém,  edificados apenas no fim da década de 1980 e início dos 90, os atuais Campus do Gragoatá, na orla dos bairros de São Domingos e Gragoatá, e o Campus da Praia Vermelha, na orla do bairro de Boa Viagem (na extinta Praia Vermelha).

O prefeito Moreira Franco (1977-1982), como parte de grandes obras públicas em resultado de vultosos empréstimos disponíveis, implantou os Terminais Urbanos Juscelino Kubitschek de Oliveira e Agenor Barcelos Feio (respectivamente chamados de Terminal Norte e Sul), suprimindo e implantando novas vias e configurando assim, modificação no projeto de arruamento e criando em parte da área gigantescos estacionamentos públicos. O prefeito Waldenir Bragança (1983-1988), assumindo um município quebrado, implantou a Vila Olímpica, conjunto de quadras descobertas e uma quadra coberta, nos espaços ociosos do aterro onde atualmente é o Caminho Niemeyer. Contudo, ainda no fim de sua administração esse espaço já se encontrava degradado.

Na prefeitura de João Sampaio (1993-1996), sucessor do primeiro mandato de Jorge Roberto Silveira (1989-1992) e seu ex-secretários, deu continuidade ao projeto denominado Plano Urbanístico do Aterro Norte, em função do qual a prefeitura promoveu um reparcelamento da área do aterro, que permitiu a construção do Terminal Rodoviário Urbano de Niterói (Terminal Rodoviário João Goulart, ao lado da Praça Arariboia), do parque da Concha Acústica de Niterói (no bairro de São Domingos) e a duplicação da principal avenida do Centro, a Avenida Visconde do Rio Branco (justamente a via que outrora margeava a orla da extinta Praia Grande).

Foto: época da construção do Aterro da Praia Grande. Nota-se
que também não há ao fundo os viadutos de acesso a Ponte
Rio-Niterói (início dos anos 1970).
Na segunda e terceira administração do prefeito Jorge Roberto Silveira (1997-2002) foi concebido o Caminho Niemeyer, originalmente como um conjunto de obras, projetadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que se estenderiam desde o Museu de Arte Contemporânea de Niterói no Mirante da Boa Viagem (a exceção da Estação de Charitas) até o aterrado norte do Aterro, onde se localizava a Vila Olímpica, que se encontrava em avançado estado de degradação, abandonado e fechado pela administração municipal desde o fim da gestão Waldenir.

Ao longo da área aterrada, duas comunidades surgiram nos últimos anos. Uma se consolidou na faixa aterrada da orla, no trecho entre o Caminho Niemeyer e o estaleiro Setal. A outra, nos fundos do CIEP na Rua Dr. Alexandre Moura, em São Domingos. São cerca de 130 famílias vivendo em condições precárias.

O Caminho Niemeyer uma revitalização a serviço de quem?


Torres da discórdia: Oscar Niemeyer Monumental, mas já
apelidadas como torres gêmeas de Niterói.
O termo “revitalização” é largamente empregado em casos de  intervenção urbana, especialmente relacionadas a áreas que se apresentam aparentemente ou de fato empobrecidas, ou onde se verifique abandono da população residencial, comercial, ou mesmo  industrial. Esse processo é classificado por alguns autores como “gentrification”.

Nos últimos anos, com o fenômeno mundial de revalorização das áreas de frente de água, as alterações nas relações entre o indivíduo e o seu tempo de lazer, o crescimento do turismo cultural e temático, e a tendência à construção de fragmentos qualificados de cidade, destacaram as áreas portuárias por suas potencialidades paisagísticas, lúdicas, logísticas e imobiliárias, bem como pela revalorização midiática e mercadológica do seu capital simbólico.

O fator cultural certamente tem sido forte ponto de apoio para que esses projetos resgatem a imagem das cidades. Portanto, a construção de museus, cinemas, teatros, tem sido cada vez mais comum no intuito de reativar áreas ao mesmo tempo em que constrói uma nova imagem para a cidade legitimando a identidade da pessoa ao lugar, não esquecendo a importância da atuação efetiva do poder público no sentido de recuperar e melhorar a qualidade de vida através da valorização e do desenvolvimento das características únicas do lugar e de sua gente e a recuperação cultural do lugar através do desenho urbano e programas complementares.
Torre Panorâmica - projeto suspenso em 2012

Desta forma, diante de tamanha complexidade que as intervenções urbanas “pontuais” propõem, é necessário refletir sobre as conseqüências que a instalação de monumentos desse porte podem trazer a cidade e a população local, levando em conta quais seriam os pontos positivos e negativos desse processo, analisando se realmente os objetivos propostos com a instalação desses equipamentos culturais trariam qualidade de vida para os habitantes, desenvolvimento local, inclusão da população aos espaços criados e aos programas socioculturais, assim como resgate da imagem da cidade e da identidade de seus cidadãos.  

E preciso questionar os motivos que têm levado a cidade a se tornar uma mercadoria em busca de inserção no mercado mundial através de seu equipamento cultural e também o papel da cultura nesse processo que tem se adequado ao sistema capitalista.

Catedral Católica de Niterói projetada por Niemeyer.
Projeto abandonado (2007) agora anunciado retorno.
É impossível negar a importância que o MAC e conseqüentemente o Caminho Niemeyer tem hoje na cidade de Niterói. No entanto, raramente se analisa até onde a população do município está integrada com as obras e participou desse processo. Apesar de serem monumentos públicos, constata-se que a população local não tem como hábito frequentar esses lugares,  visto que grande parte da população pertencente às classes mais baixas e não se sentem, verdadeiramente, integradas às obras, pois receberam status de locais frequentados pela classe média alta e turistas.

Há, portanto, um constrangimento, por parte desse segmento popular no uso desse espaço, com exceção da Praça Juscelino Kubitschek, frequentada por população em situação de rua e, eventualmente, de vendedores ambulantes, o que inibe a presença de possíveis outros frequentadores  Assim, a praça tornou-se muito mais um local de passagem com elevado índice de assaltos aos pedestres.

Outro problema a ser colocado, que se constitui hoje num dilema para a cidade, é a da não integração do projeto ao centro de Niterói e demais bairros por ele atravessado. Contudo, como as obras projetadas por Niemeyer formam um conjunto arquitetônico em si – em tese com funcionalidade entre suas partes e as margens da Baía de Guanabara – estão, assim, mais voltadas para a sua integração com o terminal de barcas e com o Rio de Janeiro e com muito pouca ou nenhuma integração com as demais áreas da cidade, a começar pelo próprio Centro.

Centro de Convenções ainda não construído.
Tendo em vista o problema de falta de integração e o contraste da nova área urbanística valorizada pelo Caminho Niemeyer em relação à visível decadência do Centro, a prefeitura de Niterói chegou a lançar tardiamente apenas em 2006 o Programa 'Viva Centro' com o objetivo de promover a reabilitação do Centro de Niterói e regulamentar a Área de Especial Interesse Urbanístico do Caminho Niemeyer (Lei nº 2411/2006), integrando-a ao Centro. 

Porém, o programa não teve grandes consequências, limitando-se a ações pontuais, ao ponto de cair no esquecimento com a mudança da administração municipal em 2008. Resultando concretamente apenas na retomada do projeto de oferecer a iniciativa privada os terrenos vazios dentro do perímetro da área especial, usados como estacionamentos particulares improvisado, para construção de torres imobiliárias, e em algumas intervenções públicas nas áreas das quadras do miolo do Centro (remodelamento de praças e reabertura de ruas pedestres para o trânsito), na parte velha da cidade, sem, contudo, integrar ao 'Caminho'.

Ampliação da Estação Hidroviária de Charitas - edifício
inaugurado em 2004, mas com projeto de modificação (2010)
- melhoria no anexo, uma marquise ampla e mudança no
atracadouro
O mais próximo disso, foi em base a esse programa, a iniciativa de tirar do papel a finalização da Avenida 100, da via orla e da Avenida Litorânea, entre São Domingos e Boa Viagem, vias expressas que constavam no projeto original do Aterro da Praia Grande lá na década de 1970. Os trechos executados serão contudo justamente na área do Aterro fora do Centro da cidade, e portanto, fora do trecho que compõe o grosso do do 'Caminho', na área da antiga Vila Olímpica.

Porém, serão efetuadas tão somente agora em 2012, muito mais devido inquestionável saturação das atuais principais artérias tradicionais de ligação entre o Centro e Zona Sul (avenidas Marquês do Paraná e Roberto Silveira) e o fato da UFF iniciar uma duplicação da área instalada nos seus campi, implicando na ampliação da circulação de pessoas e veículos naquela região. Mas novamente, a Prefeitura o faz sem debater com a população da cidade e com especialistas, abrindo a via sobre terreno de dois campi da UFF e desalojando uma comunidade carente fronteiriça ao Campus do Gragoatá, e ainda sob suspeição de atender aos interesses imobiliários locais, de valorizar áreas e resolver o "nós" do transporte individual no sentido Zona Sul.

Vista da Praça da República de Niterói
Nesse sentido, o Caminho Niemeyer nasceu como um conjunto de obras estranhas ao cotidiano dos moradores de Niterói e à funcionalidade urbana reinante na cidade, só posteriormente, e quase dez anos depois de sua instituição pela prefeitura, é que foi se pensar, ainda que parcialmente, em sua integração com a área central da cidade, em virtude de suas conseqüências na paisagem, na circulação e na revalorização do espaço urbano na área atinente ao projeto, infelizmente esquecida.

Por sua vez, áreas do próprio Centro ficaram relegadas ao abandono sob o pretexto de uma revitalização resultante do Caminho e áreas na cidade com potencial turístico e de lazer são negligenciadas, como o entorno histórico da centro cívico da Praça da República, que abriga a biblioteca pública, o arquivo histórico da Câmara Municipal e o centro de memória judiciária estadual.

Por fim, a genialidade de Oscar Niemeyer é inegável, mas, por uma série de questões, o complexo apresenta problemas. Há também, a uma forte crítica estética e urbanística ao trabalho Oscar Niemeyer, tachando-os de áridos, desumanos, megalômanos, fixados apenas na estética - mas, nenhum artista gera unanimidade, inclusive em sua própria arte. 

Contudo, seu viés estético deve ser relativizado com seus propósitos artísticos e sua sensibilidade, como também os fins aspirados em suas obras. Seu faraonismo, por exemplo, deve ser contextualizado com a necessidade de atender as aspirações dos contratantes, e sua preocupação de fazer obras para as massas, tanto para uso e finalidade, como para provocar espanto e monumentalidade aos usuários delas  - não muito diferente do que um escola de samba faz em seus desfiles, por exemplo.
Projeto do templo protestante no Caminho Niemeyer - trecho
 do Centro

A obtenção de contratos milionários de governos burgueses tal como foi o Caminho Niemeyer junto a Prefeitura de Niterói, que tanto o tornaram alvo de violentas críticas, são apenas um dos vários traços de contradição desse gênio - e nenhum gênio é desprovido de contradições, de idiossincrasia, o que torna, e nos faz lembrar, que era um ser humano, especial, genial - mas nem por isso, nunca um idiota, como sugere, o autor idiota de uma coluna da revista em um artigo logo após sua morte. 

Niemeyer sempre se colocou nesse papel ao longo de sua biografia não por vaidade, oportunismo ou cobiça, mas por boa intenção, por paixão a arquitetura de uso ao povo comum e humilde.

Sua genialidade foi tamanha que até foi alvo da cobiça de governos burgueses sedentos, ou dos contratos com empreiteiras para edificação dos mesmos, ou no mínimo do prestígio em ter assinatura dele em uma obra durante seu mandato na administração pública. 

Porém, Niemeyer, usava isso como oportunidade para o acesso da população, principalmente mais pobre, a equipamentos arquitetônicos de uso público cheios de beleza. E acreditava, certo ou errado, que a monumentalidade dos edifícios e o espanto dos usuários e dos passantes atrairia turistas e mais usuários, logo proporcionaria a ampliação da circulação de pessoas em seu entorno, o que por si só reativaria a vida vizinha a suas construções.

Arte digital com o Caminho Niemeyer completo e entorno urbanizado.
Hoje, é urgente pensar uma solução ao complexo arquitetônico-cultural, além para sua gestão, para integrá-lo  a vida do entorno. E apesar do Caminho Niemeyer, finalizado ou não, demanda-se outras medidas para a verdadeira revitalização do Centro. Revitalização que beneficie a população moradora e circulante, e não que vise lucros milionários para o setor imobiliário e de construção civil. 

Por sua vez, de fato, não tem cabimento a cidade, com tantas demandas de investimentos na mobilidade urbana, saúde, educação e na segurança, investir recursos em um projeto desse (ainda que sejam em muitos casos recursos de contrapartida a financiamentos do governo do estado e do governo federal), muito menos, após o emprego de tantos milhões, que o 'Caminho' continue desconectado da vida do povo trabalhador da cidade.

Por fim, é necessário discutir democraticamente e em sua totalidade o uso do espaço urbano e o perfil das atividades econômicas, para que a população, preponderadamente os trabalhadores, e não os políticos, empresários e tecnocratas, decidam por uma ou outra opção para os rumos da vida comunitária local. Isto sim, permitirá resolver os problemas e dilemas urbanos e preparar a cidade para Copa, Olimpíadas, Comperj e pré-sal, etc, e principalmente revitalizar de verdade seu Centro.


(*) Almir Cezar de Carvalho Baptista Filho é economista graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pesquisador em orçamento público, planejamento econômico e desenvolvimento territorial

Leia também:
1ª atualização em 29/12/2012 
2ª atualização em 02/01/2013
3ª atualização em 07/01/2013
4ª atualização em 16/01/2013

Atenção! Queremos pedir desculpas aos leitores diante de tantas modificações no texto ao longo desses dias. A intenção é ir aperfeiçoando o mesmo, diante de novas informações e reflexões, e mesmo de críticas dos próprios leitores, à medida que o tema é profundo e multifacetado.

Referência:

Um comentário:

  1. Ele era maravilhoso e muito inteligente!

    http://www.valdeirvieira.com/oscar-niemeyer-monumental/

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