segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Ciclos econômicos e papel da política: "ondas longas" ou regulação pela lei do valor e direção do desenvolvimento.

Por Almir Cezar Filho

Marx e Engels, assim como Lênin e Trotsky sempre mostraram a inter-relação causa-efeito-causa entre os fenômenos econômicos e políticos. Kondratiev, em sua teoria das “ondas longas” [1], apesar de partir acertadamente de Marx e Engels, de temas como os ciclos econômicos, a relação entre a luta de classes e os movimentos do capital, o recrudescimento dessa luta em momentos de crise, porém conclui, considerando equivocadamente, os fenômenos políticos como mero sintoma ou reflexo do ciclo econômico. Marx não fala da fase de crise como um momento de perturbação do "equilíbrio" do Capitalismo, mas como momentos da dinâmica desse sistema; componente obrigatório do processo temporal de acumulação.

Não há uma oposição entre equilíbrio e desequilíbrio, entre momentos sucessivos de equilíbrio e desequilíbrio. Mas há sim a ideia de dinâmica regular ou normal (na perspectiva de auto e retro-acumulação do capital), sendo que periodicamente adicionados por momentos de crise da acumulação e da necessidade de destruição do capital excedentário, que permitirá quando superados a própria retomada da trajetória de acumulação. Isto é, momentos que a dinâmica se torna irregular e/ou instável. Com esta abordagem, há um sentido lógico na dialética da acumulação ao ciclo, que é ignorado por Kondratiev.

Embora Kondratiev parta da ideia acertada que o ciclo econômico tem determinações endógenas, a partir do próprio processo de acumulação do capital, confunde-se, estendendo tal abordagem ao desenvolvimento capitalista no longo prazo, onde esse sim, os fenômenos extra-econômicos, principalmente os políticos, especialmente o Estado, atuam determinando a dinâmica do desenvolvimento, como uma espécie de "direção", tal como Engels diria.

Na Carta a Walther Borgius de 1894 e na Carta a Conrad Schmidt de 1890 Engels [2] expressava em ambas uma preocupação de responder aos economicistas e aos críticos do marxismo, que acusam de ser determinista e economicista, à medida que ele e Marx reafirmavam o caráter central da determinação econômica nos processos sociais, muito embora ambos sempre reafirmaram, e com esses dois textos Engels destaca isso, que a situação econômico não é a "única causa ativa e todo o resto, apenas efeito passivo", mas sim, que a necessidade econômico sempre se impõe, em "última instância". Assim as relações econômicas - muito embora possam também ser influenciadas pelas demais relações políticas e ideológicas - são, porém as relações determinantes.

Como também, por outro lado, o efeito do poder, por exemplo, do Estado sobre o desenvolvimento econômico manifesta-se de três maneiras: operar indo na mesma direção do desenvolvimento, tornando-o mais rápido; pode ir de encontro, o que, porém, destrói mais a frente o próprio poder do Estado; e pode truncar certas direções do desenvolvimento prescrevendo outras.

Nesse sentido, Trotsky quando fala, nas "determinações extra-econômicas", isto é, nas determinações exógenas, ou melhor, não-econômicas, da dinâmica de longo prazo do capitalismo, não viola a explicação marxista sobre o caráter endógeno do processo de acumulação e sua manifestação sobre os ciclos. Expressa, pelo contrário, com clareza dialética, que as flutuações cíclicas da dinâmica capitalista podem ter sua causa no próprio processo de acumulação (e logo, das crises), como a explicação de Kondratiev tenta expressar.

Porém as variações na regularidade do ciclo, como também, as fases de como o ciclo está configurado são pautados pelas determinações extra-econômicas. Como, por sua vez, a dinâmica de longo prazo não é pautada pelo próprio ciclo, mas pela configuração estrutural do capitalismo, onde as determinações extra-econômicas atuam de maneira mais forte. Dessa forma modelando o que seria assim as sucessivas “fases” (períodos) do capitalismo enquanto sistema histórico, de concorrencial ao monopolístico, dando forma ao desenvolvimento do capitalismo.

Quanto especificamente, os ciclos econômicos seriam determinados pela lei do valor, em termos expressos por Richard B. Day [3] e Evgueny Preobrazhensky. Dessa maneira a dinâmica da acumulação sofreria uma regulação pela lei do valor. Porém a regulação seria delimitada pela direção do desenvolvimento, pautada esta pelas determinações extra-econômicas, especialmente a luta política entre as classes. O que o sociólogo brasileiro Álvaro Bianchi, estudando o pensamento de Trotsky, caracterizou de “primazia da política”[4], isto é, sob certas circunstâncias e momentos, a Política torna-se fator determinante no desenvolvimento social.

Quanto à dinâmica econômica de longo prazo, mais sujeita as delimitações estruturais, i.e., as possibilidades do desenvolvimento, seria, portanto mais pautada pela direção, enquanto que a dinâmica de curto prazo, conjuntural, pautada em grande parte pela regulação pela lei do valor.

Isto porém, não invalida, pelo contrário, reafirma o que Preobrazhensky disse em A Nova Econômica [5] (publicado originalmente em 1926), que a “lei do valor” é a lei fundamental do desenvolvimento capitalista. Em verdade, a culpa da crise é a lei do valor, i.e., ela explica a crise, como algo intrínseco ao Capitalismo, à economia de mercado. A lei do valor é como se fosse o núcleo explicativo desse sistema. A crise é resultado da própria operação da lei do valor. “A lei do valor é então incapaz de evitar a crise, a instabilidade. Num certo sentido é ela mesma motor da contradição, do movimento que gera a interrupção do processo de acumulação, conseqüência da ação da lei do valor”[6].

E o é sim também, à medida que as determinações extra-econômicas apenas aceleram, freiam ou truncam as direções do processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Processo esse realizado a partir dos próprios imperativos do processo de acumulação de capitais, i.e., a lei do valor. Que levam o capital a desenvolver-se, a desenvolver as forças produtivas e as respectivas relações de produção (mas não automaticamente ao primeiro), e por sua vez a pressionar pelo desenvolvimento da superestrutura social correspondente, em suma, a desenvolver o capitalismo.

A ideia de “regulação pela lei do valor” de Preobrazhensky reforça o entendimento marxiano que o processo de acumulação, e o seu respectivo ciclo econômico, têm causas endógenas, ou melhor, as determinações econômicas têm maior peso, e resgata que o centro da análise marxiana parte dos fundamentos econômicos da sociedade e daí para o restante dos aspectos da vida social.

O ciclo é nada menos que a manifestação do caráter temporal (e recorrente) da própria dinâmica regular do capitalismo. Assim, como também a dinâmica pode ficar instável e/ou irregular, dessa maneira, a crise, a depressão e o auge aparecem como parte, momentos, da dinâmica do capitalismo.

Contrariando a lógica da burguesia quando fala em “regulação”, o Direito, o Estado, a Moral, as instituições, as políticas econômicas, as tarifas alfandegárias, as políticas monetárias, etc, são efetivadas como mecanismos que apenas reforçam a regulação exercida pela lei do valor, como mecanismos auxiliares a ela. Visam fazer com que a dinâmica regular do capitalismo se dê estável, diante do próprio caráter irracional e disruptivo da própria acumulação capitalista.

A lei do valor é o mecanismo de regulação da dinâmica e do desenvolvimento capitalista e, portanto as determinações extra-econômicas seriam o mecanismo de “direção” do desenvolvimento.

Tal qual o desenvolvimento do capitalismo não é exclusivamente econômico, a dinâmica capitalista também não o é. Ela também é constituída pela dinâmica política e pela dinâmica das relações internacionais ou entre Estados (ver o texto Situação Mundial de Trotsky [7]). O desenvolvimento do capitalismo é definido pela dinâmica de longo prazo e este na dialética entre os ciclos industriais, a luta de classe e as possibilidades de longo prazo do capitalismo.

Nesse sentido as determinações do Capitalismo - sistema histórico e mundial – advêm da acumulação, enquanto que, por outro lado, sua dinâmica de longo prazo está também condicionada pelas determinações extra-econômicas, à medida que as causas das crises econômicas são endógenas a esfera econômica, mas a superação dessas (e não reversão, à medida que a reversão do ciclo sim pode e/ou se dá autonomamente) é exógena ao processo de acumulação, muito embora, resida ainda sim na necessidade econômica.

A crise capitalista que vivemos - enquanto crise econômica que o mundo parece recém imerso, apesar de parecer termos superado o auge do projeto político neoliberal, e como crise da humanidade (manifesta em desemprego, miséria, injustiça social, opressão política, cataclismo ecológico, guerra, estresse, alienação, etc) - é, portanto uma crise na direção do desenvolvimento.

A revolução é isso, a construção de uma nova direção. É preciso a adoção pela superestrutura social de um novo projeto político-estratégico para reorganizar a produção e a vida em nossa sociedade. O socialismo, a ditadura do proletariado, nunca se fez tão necessário economicamente.

[1] KONDRATIEV, Nicolai. Los ciclos largos de la coyuntura economica. México D.F.: UNAM, 1992.
[2] http://www.scientific-socialism.de/FundamentosCartasMarxEngels250194.htm
[3] DAY, Richard B. "La teoría del ciclo prolongado de Kondratiev, Trotsky e Mandel". IN: Criticas de la Economía Política n° 4, México, El Caballito, fevereiro 1982.
[4] BIANCHI, Álvaro. "O primado da política: revolução permanente e transição". In: Outubro. Revista do Instituto de Estudos Socialistas, nº 5, 2001.
[5] PREOBRAZHENSKY, Eugênio. A nova econômica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
[6] PAULA, PAULA, J. A. "Ensaio sobre a atualidade da lei do valor". IN: Revista de Economia Política, 1984.
[7] TROTSKY, León. Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky, 1999

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