quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A quarta fase da dependência econômica do Brasil e o renascimento da Teoria Marxista da Dependência

por Almir Cezar
Economista pela Universidade Fed. Fluminense (UFF) e mestre pela Univ. F. de Uberlândia (UFU)

Atualmente vem ocorrendo na intelectualidade crítica da América Latina da área de Economia e Estudos Sociais um renascimento da Teoria Marxista da Dependência, que na década de 1980 e 90 foi considerada morta. Como desdobramento surge uma interpretação da fase atual da trajetória de desenvolvimento sócio-econômico iniciada na década de 1990, associando-a os estudos sobre o capitalismo nacional desses países à globalização, ao neoliberalismo e à financeirização, entendendo a fase atual como uma quarta fase na dependência econômica.

Toda uma vertente de autores sobre desenvolvimento econômico, divergindo da linha mais tradicional da Economia, defendem a ideia que o subdesenvolvimento da maioria dos países do mundo é fruto da subordinação das economias nacionais aos dos países ditos "desenvolvidos" e uma contrapartida ao desenvolvimento desse punhado de países, uma espécie de relação de dependência do país subdesenvolvido a um país desenvolvido. Desse ponto de vista, portanto, a superação do subdesenvolvimento teria de ser buscada em outros métodos à evolução desses países avançados, abandonando portanto a ideia de um processo  econômico-histórico evolutivo que levaria naturalmente "do subdesenvolvimento ao desenvolvimento", mas apenas por meio do fim dos elementos estruturais que condicionam internamente o país a sua conformação enquanto dependente, logo subdesenvolvido. É o que proporá geração teórica da Teoria da Dependência.

A Teoria Marxista da Dependência, ou simplesmente, teoria da dependência, é uma formulação teórica desenvolvida por intelectuais como Ruy Mauro Marini, André Gunder Frank, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Orlando Caputo, Roberto Pizarro e outros, aparecida na década de 1960, que consistia em uma leitura crítica e marxista não-dogmática dos processos de reprodução do subdesenvolvimento na "periferia" do capitalismo mundial (América Latina e Caribe, África e Ásia), em contraposição tanto às posições marxistas convencionais dos partidos comunistas (PCs), como à visão estabelecida pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

A explicação sobre desenvolvimento econômico em termo de “dependência” e a produção intelectual dos autores influenciados por essa perspectiva analítica entrou na cena acadêmica e político-partidária especialmente latino-americana no paulatinamente pós-Segunda Guerra Mundial e obtive ampla repercussão nesses países no final da década de 1960 e começo da década de 1970. Nesse período, por uma série de episódios históricos vivenciados naqueles países, ficou evidente que o desenvolvimento econômico deles não se daria de maneira linear e gradual, de que não atingiriam apenas pela ação do livre-mercado em um momento futuro o padrão de vida e o parque industrial dos países europeus e norte-americanos, nem se dava por etapas históricas sucessivas, um caminho que bastaria ser trilhado para que os resultados pudessem ser alcançados. Mas que se precisava era amplas rupturas com o padrão social e econômico vivente nesses países, à medida que haveria laços invisíveis e históricos de ligação e subordinação econômica e política entre essas economias e os países ricos, que determinariam o seu atraso econômico e subdesenvolvimento capitalista.

A dependência expressa subordinação, a ideia de que o desenvolvimento desses países está submetido (ou limitado) pelo desenvolvimento de outros países. Seu atraso no desenvolvimento não era forjada pela condição agrário-exportadora ou pela herança pré-capitalista, mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista do país e por sua inserção no capitalismo mundial dada pelo imperialismo, como centro ou periferia. E que no desenrolar da trajetória histórica capitalista latino-americana desenvolveu-se uma forma histórica da dependência, caracterizada, principalmente, pela transferência de recursos ("valor", nos termos marxistas) às economias centrais através das "trocas desiguais" do comércio internacional, transmutada no decorrer da industrialização para também na remessa de lucro e dividendos das transnacionais e no pagamento de dívidas e outras formas financeiras.

Assim, para a teoria da dependência a caracterização dos países como "atrasados" decorre da relação do capitalismo mundial de dependência entre países "centrais" e países "periféricos". Países "centrais", como centro da economia mundial, são identificados nos territórios em que ocorrem a manifestação do meio técnico científico informacional em escala ampliada e os fluxos igualmente fluam com mais intensidade. A periferia mundial (países periféricos) se apresente como aqueles espaços onde os fluxos, o desenvolvimento da ciência, da técnica e da informação ocorram em menor escala e as interações em relação ao centro se deem gradativamente.

Por sua vez, os autores recorriam como sua fonte e base analítica no estudo sistemático do livro O Capital e à teoria marxista do imperialismo, especialmente às obras de Vladmir Lênin, Rosa Luxemburgo, Nikolai Bukharin e Leon Trótski, como também, as novas contribuições sobre desenvolvimento capitalista surgidas no marxismo norte-americano, em destaque Paul Baran, Paul Sweezy, etc, e europeu ocidental, entre a décadas de 1920 e 50, e aplicando a realidade latino-americana. Portanto, a superação do subdesenvolvimento passaria pela ruptura com a dependência econômica, as amarras econômicas que ligam e subordinam a economia nacional aos países ricos e ao sistema mundial, e não pela mera industrialização da economia e a modernização política e econômica nacional, o que poderia implicar inclusive a ruptura com o próprio modo capitalista, responsável de fundo pelo subdesenvolvimento e pobreza. 

A industrialização por que passava vários países latino-americanos não superaria o subdesenvolvimento, muito menos a dependência, muito pelo contrário, aprofundava-a, à medida que, esse parque industrial estava vinculado ao investimento das empresas transnacionais e suas estratégia de mercado.

As outras teorias da dependências

Essa vinculação entre explicação do subdesenvolvimento através da dependência e da necessidade de sua superação e ruptura pela via de uma grave mudança estrutural, ou mesmo ruptura com o capitalismo, tão estreita na Teoria Marxista da Dependência, fez com que apenas essa vertente passasse a ser chamada de teoria da dependência. Contudo, antes, e simultaneamente a Teoria Marxista da Dependência, havia um conjunto de vertentes acadêmicas e autores que citavam a dependência sócio-econômica como elemento explicativo, os quais lhe contribuíram, porém com estas romperam.

Nessa época o pensamento crítico e de esquerda latino-americano e brasileiro era dominado pelo cepalino e pelo comunismo dos PCs. O pensamento cepalino desenvolveu-se sob influência e no interior da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU). Sob influência do Estruturalismo metodológico, da Macroeconomia keynes-kaleckiana e do advento da moderna Economia do Desenvolvimento (Arthur C. Lewis, W. W. Rostov, Rosenstein-Rodan, etc), que ainda dava seus primeiros passos, pautava-se em um forte crítica a teoria do comércio internacional de tradição da teoria econômica neoclássica, na degeneração dos termos de trocas relativas, na periferização da inserção econômica no desenvolvimento capitalista dos países pobres aos países centrais, plenamente desenvolvidos pelo ponto de vista capitalista.

Nos países dependentes desenvolveu-se uma estrutura produtiva dedicada à exportação de tais produtos, gerando aquilo que a CEPAL qualificou de “desenvolvimento voltado para fora”. A pobreza seria uma herança do passado colonial e da preservação de elementos, como o predomínio da agroexportação de gêneros tropicais pelo latifúndio monocultor. Teoria mostra como os países dependentes (periféricos) só conseguem crescer à medida que os mercados dos países centrais se expandem.

Simultaneamente, os Partidos Comunistas, ligados e centralizados pelo regime soviético, detinham outra forma de análise da história e da dinâmica econômica. Transpondo mecanicamente a teoria do imperialismo e as teorias de Marx e Engels sobre o advento do capitalismo na Europa para a trajetória histórica latino-americana, entendendo os países pobres  absorvidos ao capitalismo mundial como colônias e semi-colônias de impérios, em decorrência de uma herança feudal agrária.

Prestígio e desprestígio da teoria da dependência

A Teoria da Dependência no decorrer da década de 1970 entrou em uma crise, a produção autoral ligada a ela diminuiu, principalmente a partir do fim dessa década. Sofreu um primeiro baque com o golpe do Chile (1973). Foi muito criticada porque teria influenciado o governo chileno de Salvador Allende. Seus críticos dizem que assim como a experiência fracassou, a teoria da dependência teria tido o mesmo destino.

Ainda segundo os críticos, ela também não teria captado as mudanças que ocorreram na década de 1980, a partir dos dois mandatos do presidente dos EUA Ronald Reagan (1980-1988) - a consolidação do neoliberalismo na América Latina, e nos anos 1990 a globalização. Outros, por sua vez, dizem que a teoria da dependência não processou essa fase porque já estava em baixa.

No fim da década de 1970 encerra-se o ciclo de desenvolvimento a partir das experiência de industrialização planejadas pelos governos locais. A economia desses países ficaram mergulhados na hiper-inflação e na crise das dívidas externas. Nesse contexto o espaço do debate em torno ao desenvolvimento ficou limitado. Também, houve um “vendaval neoliberal” que afastou o interesse da intelectualidade e dos formuladores das políticas públicas por essa perspectiva, inclusive entre as novas gerações. O debate acadêmico e político na região durante a década de 1980 e 1990 ficou impregnado e dominado pelos temas e perspectivas derivadas da Macroeconomia, e esta por sua vez, pautada pelo debate das correntes mais conservadoras que o keynesianismo original, como o monetarismo, o novo-keynesianismo e a escola novo clássica, todas frequentemente taxadas como de inspiração neoliberal.

Apesar do retorno do exílio com a re-democratização nos países sul-americanos os autores da teoria da dependência tiveram grande dificuldade de ocupar o espaço no debate nas ciências sociais locais. No caso brasileiro, ajudou a limitar seu espaço acadêmico o advento da "Escola de Campinas", no decorrer da década de 1970, inclusive ganhando popularidade na intelectualidade acadêmica e nas autoridades das políticas públicas, ainda mais por sua ligação aos temas macroeconômicos, caros a uma época de sucessivas crises inflacionárias e da balança de pagamentos. Houve, particularmente no Brasil, apesar da anistia política aos inimigos da Ditadura, uma grande dificuldade dos intelectuais da 'dependência' em re-inserir-se em universidades e centros de pesquisa importantes, que se combinou-se a uma campanha de críticas contra a Teoria, em que colaborou antigos membros, especialmente o próprio Fernando Henrique Cardoso.

No decorrer da década de 1970 com a fuga do Chile e ascensão em quase todos os países de governos autoritários houve uma dispersão do grupo e uma baixa articulação entre os mesmos, além de uma perseguição as suas ideias, dificultando a divulgação de seu pensamento. No Brasil, acresce-se dois fatos: a expulsão precoce dos fundadores pela Ditadura Militar entre 1964 a 1967 e as poucas edições em língua portuguesa das obras dessa corrente, mesmo após a redemocratização. A principal obra de Marini, "Subdesenvolvimento e revolução" de 1967, só foi publicada no Brasil em 2012.

Os próprios autores ligados a teoria da dependência também em parte contribuíram para essa situação de baixa. Houve dificuldades desses intelectuais após a redemocratização em seus países em se reinserirem nos movimentos sociais mais dinâmicos e em organizações política de maior influência de massas, o que poderia ter ajudado na sua popularidade.

Novos rumos na teoria da dependência

Também, parte da dificuldades pode ser atribuída aos próprios autores da teoria da dependência, em medida dos seus próprios novos rumos intelectuais e na direção da produção autoral tomada a partir do fim da década de 1970 e início da década de 1980.

Ruy Mauro Marini faz reflexões atualizando e aperfeiçoando suas análises sobre o capitalismo latino-americano em vários artigos, mas não há uma análise profunda e sistemática do neoliberalismo e da globalização, embora estabelecerá no México um importante centro de investigação sobre a América Latina.

Theotonio dos Santos faz um trânsito sem rupturas à Teoria do Sistema mundo. O mesmo fará André Gunder Frank, que em Reflections on the World Economic Crisis (1981) explica isso com as seguintes palavras "embora a teoria da dependência esteja morta, na realidade está viva, porque não há como substituí-la por uma teoria ou ideologia que negue a dependência; seria necessário substituí-la por uma teoria que fosse além dos limites da teoria da dependência, incorporando esta, juntamente com a dependência em si, numa análise global da acumulação."

Nessa nova fase acadêmica, a partir das bases estabelecidas pela teoria da dependência, dedicam-se à elaboração de uma da teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação que vislumbra como uma fase superior da teoria da dependência para o qual retoma o trabalho já iniciado no CESO (Centro de Estudos Sociais da Universidade do Chile) e que havia sido, em grande parte, destruído pela repressão chilena na sequência do golpe militar de 1973.

Theotonio dos Santos e André Gunder Frank passam tratar a ideia de desenvolvimento de longo prazo nos termos do sistema mundial capitalista, combinando com os ciclos de longo prazo de Nikolai Kondratiev (as ondas longas ou ciclos de Kondratiev) e os ciclos históricos de Fernand Braudel, aproximando assim da teoria do sistema mundial, também trabalhada por Giovanni Arrighi, Samir Amin e Immanuel Wallerstein.

Neoliberalismo e financeirização: a novíssima fase da dependência

Ao final da década de 1990 e início da década de 2000 um conjunto de novos autores, principalmente brasileiros e hispano-americanos, como Marcelo Dias Carcanholo, Carlos Eduardo Martins, Adrián Sotelo Valencia, Jaime Osório, etc, começam a analisar a recente trajetória de desenvolvimento e os novos fenômenos do capitalismo nacional latino-americano retomando as teses da Teoria Marxista da Dependência, e presente nos trabalhos tardios desses pensadores, identificando uma nova fase da dependência.

Essa nova fase se configuraria especialmente a partir da década de 90, quando se torna hegemônica a estratégia neoliberal de desenvolvimento – imposta pelos países do centro do capitalismo mundial aos países da periferia do sistema e abundantemente incorporada por estes últimos –, apoiada no discurso globalizante que se desenvolve e dissemina a partir de então, com uma presença de um intenso processo de financeirização da economia, que se exacerba ao ponto de tornar a lógica especulativa predominante sobre a lógica produtiva, sob a chancela do chamado "Consenso de Washington", essa perspectiva emerge como uma forma de superação da crise do capitalismo mundial ocorrida nos anos 70, atravessa os anos 80 e se exacerba enormemente na década de 90.

O argumento apresentado é o de que, num período mais recente tem se firmado uma nova fase do capitalismo, que representaria uma nova forma histórica da dependência caracterizada, principalmente, pela transferência de recursos ("valor", nos termos marxistas) na forma financeira, através do pagamento de juros e amortizações em razão de endividamentos externos crescentes públicos e privados e a especulação em bolsa de valores e privatizações.

Assim, seria possível portanto, identificar quatro formas históricas da dependência. A primeira delas seria a dependência colonial, com tradição na exportação de produtos in natura e na qual o capital comercial e financeiro, em aliança com os estados colonialistas, domina as relações entre a Europa e as colônias.

A segunda fase seria a dependência “financeiro-industrial” que se consolida ao final do século XIX, sendo caracterizada pela dominação do grande capital nos centros hegemônicos, cuja expansão se dá por meio de investimentos na produção de matérias-primas e produtos agrícolas para seu próprio consumo.

E a terceira fase, consolidada na década de 1970, seria a dependência tecnológico-industrial, baseada nas corporações multinacionais que investem na indústria voltada para o mercado interno dos países subdesenvolvidos, forçando a que estes importem maquinário e peças para o desenvolvimento de suas indústrias e que lhe enviem royalties por sua utilização. Consequentemente, a quarta fase seria esta "neoliberal", surgida na década de 1990.

Bibliografia
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