sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Teoria da Crise no Marxismo (5) - De novo a questão da reprodução nos esquemas de Marx

Parte II 
O ESTATUTO ONTOLÓGICO DAS CRISES EM MARX E ENGELS

CAPÍTULO 5
DE NOVO A QUESTÃO DA REPRODUÇÃO NOS ESQUEMAS DE MARX


No pós-Segunda Guerra, ainda sob o impacto da crítica keynesiana a Escola Neoclássica, aparece um autor de inspiração marxista, o italiano Piero Sraffa, que a partir do re-exame da problemática clássica da determinação da taxa de lucro pelos esquemas de reprodução, soluciona matematicamente os teoremas de preços e valores de David Ricardo, propiciado a solução do problema do equilíbrio, o que pelo próprio poderia ser aplicado nos teoremas marxianos, embora colocando os coeficientes expressos em unidades físicas, e não mais contidos em valor. O que invalidaria a teoria do valor-trabalho, embora asseguraria a resolução da velha questão que atormentava o marxismo, sobre a harmonia e determinação dos preços no processo de reprodução capitalista.

Tal teoria abalou a ortodoxia marxista, principalmente no Partido Comunista Italiano, pois teria sido provado que Marx errara na formulação dos teoremas e que não haveria necessidade analítica da teoria do valor, que se "comprovou" equivocada. Assim um dos pilares do marxismo vulgar do século XX, a resposta de Hilferding a crítica marginalista de Böhm-Bawerk da não validade da teoria do valor-trabalho com base a não-harmonia dos esquemas de reprodução, o que foi interpretado como uma das causas da crise do marxismo, a partir dos anos de 1950, à medida que essa resposta era considerada praticamente a refutação oficial a qualquer crítica à lei do valor marxista.

Em verdade, a lei do valor sempre teve no marxismo, mesmo no revisionismo grande importância, considerada como central na explicação do processo de reprodução do sistema econômico, ao descrever o ciclo de valorização (e acumulação) do capital, e para comprovar a harmonia do desenvolvimento capitalista, embora ao basear nos esquemas apenas comprovam possibilidade de haver desequilíbrios momentâneos ou acumulativos ao longo do tempo.

Ressurge assim no movimento marxista uma nova polêmica sobre a validade da lei do valor e da harmonia ou não dos esquemas de reprodução e seu caráter explicativo do capitalismo, como também se a abordagem de Sraffa era acertada, ao trazer progressos analíticos à teoria ricardiana[1].

Consequentemente, retomava-se a polêmica antiga da II Internacional sobre a harmonia ou não do capitalismo via o modelo do esquema de reprodução, incluindo os questionamentos levantados por Rosa Luxemburgo a respeito das variações dos coeficientes técnicos de produção e da taxa de mais-valia nos teoremas do esquema, o que de fato, trazia instabilidade - o não equilíbrio entre os setores produtivos e desequilíbrio entre os preços de produção (iguais por hipótese aos valores trabalho) e os preços de mercado, até mesmo acumulativa, na reprodução, produzindo, por sua vez, um colapso.

A explicação em termos de reprodução - compartilhado na Escola da Regulação, embora com adendos - pressupõem equilíbrio, mesmo que não permanente, nos teoremas do esquema, o que gerava um alinhamento com a validade absoluta do modelo (o que inclui a validade do valor-trabalho), e assim a possibilidade de explicar o capitalismo pela reprodução, uma tentativa de não seguir a abordagem neoricardiana. Entretanto, a própria origem regulacionista, questionadora do caráter imutável da reprodução, preconizava a incorporação da hipótese não-determinista na questão da transformação de valores em preços, e que a concorrência diferentemente da tese de Hilferding gera desequilíbrios, pois sua existência conduz a constante mudança dos coeficientes técnicos ("composição orgânica média da indústria") na tentativa de igualação das taxas de lucro inter-indústria.

Com sua tese não-determinista que não utilizam o conceito normativo de equilíbrio e consideram que a concorrência capitalista é um processo que gera uma instabilidade intrínseca; há uma distribuição aleatória das taxa de lucro e não existe um sistema de preços reguladores de longo prazo. Nesta perspectiva, o conceito de equilíbrio nos preços de produção e de mercado tem que ser substituído pelo de regulação - via instituições sociais, modalidades de regulação historicamente determinadas permitem conter os desequilíbrios e as disfunções do sistema, ou seja, assegurar a reprodução do sistema. O que, entretanto, configura claramente numa solução ad hoc, à medida que seriam elementos e mecanismos extra-sistema ou determinados assim, os responsáveis pela coerência interna, estabilidade e manutenção do sistema.

Definitivamente, na visão de Marx, as formas históricas pelas quais o sistema capitalista, em suas várias etapas, da concorrencial à monopolista, vai resolvendo, tanto a perequação da taxa de lucro, quantos nos problemas da distribuição da renda entre salários e lucros, não dependem - o que ocorre similarmente entre os neoricardíanos e nos regulacionistas - de uma "luta de classes" abstrata que se realiza ao nível do político, senão das próprias mudanças da estrutura técnica do capital e de sua forma de organização social enquanto "poder de comando sobre o trabalho". Não pode, portanto ser objeto de um estudo teórico equivalente ao de uma estrutura abstrata (como por exemplo, o esquema de reprodução), de qualquer natureza estática ou dinâmica, sem a necessidade de mostrar o desenvolvimento das relações sociais e a identificação da incompatibilidade progressiva do capitalismo verificado pelas crises.

Na perspectiva de Marx as mudanças de etapas no capitalismo referem-se apenas a forma que o sistema se "re-equilibra" nas crises, isto é, o modo pelo qual o sistema se re­ajusta, se livra do "excesso de capital" existente, enquanto barreira ao potencial expansão do capital em seu conjunto, recompondo a tendência à equalização dos coeficientes técnicos intra-capitais de um mesmo Departamento e entre os dos diferentes Departamentos, por meio de se livrar dos capitais definidos enquanto débeis.

Os capitais débeis são aqueles que são considerados tecnicamente abaixo da composição orgânica média entre Departamentos e intra-departamento do respectivo capital, mas também se enquadram aqueles que são configurados politicamente como tal, o que implica muitas vezes que os capitais bem avançados tecnologicamente, mas que seu capitalista tem pouco força política junto ao Estado ou no arranjo competitivo[2], podem ser penalizados, e que implica afirmar, por outro lado, que aqueles que tenham forças podem sobreviver à crise pela intervenção estatal ou apoio dos concorrentes e fornecedores.

Assim, a lei do valor-trabalho (e da mais-valia) além de valida teoricamente, é o princípio regulador do capitalismo, pois no processo de valorização do capital são criados e determinados a estrutura técnica e a social, isto é, as composições orgânicas de capital intra e entre Departamentos, e paralelamente, os elementos contrarrestadores, definidos por sua vez, a partir das relações de produção[3], criadas colateralmente pela própria lei do valor.

Quer dizer, é a lei do valor que conduz o processo de acumulação do capital, e, colateralmente, por um lado, cria as crises, isto é, desenvolve os elementos limitantes ao pleno processo capitalista de produção, mas também, por outro lado, os mecanismos contrarrestadores da tendência ao rebaixamento da taxa de lucro, embora, a sua utilização ou impedimento, se dê de maneira consciente pelo capital e somente sob uma correlação social e política favorável.

NOTAS:

[1] por isso, os sraffianos são frequentemente chamados de neoricadianos. Ver:  BELLUZZO, 1980
[2] O arranjo competitivo refere-se como os capitalistas concorrem entre si, muitas vezes utilizando-se de meios imorais e ilegais (concorrência desleal), além dos bem conhecidos de acordos e cartelização ou dos mecanismos de centralização e concentração vertical e horizontal.
[3] Por um lado, um número maior ou menor de capitalistas, em decorrência da prosperidade que conduz a entrada de novos capitalistas ou da crise que conduz a centralização e concentração no setor ou mercado, e pelo outro lado, uma ampliação ou redução no número de proletários, pelo emprego e desemprego, a proletarização de novos setores sociais e a miserabilização ou transformação em aristocracia operária de camadas das classes trabalhadoras.


Amanhã
Capítulo 6 - CRISE CRÓNICA DO SISTEMA CAPITALISTA E AS CONTRA-TENDÊNCIAS

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