quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Teoria da Crise no Marxismo (10) - Limite do capital, contradição e superação da crise

Capítulo 10
LIMITE DO CAPITAL, CONTRADIÇÃO E SUPERAÇÃO DA CRISE

A fundamentação marxista aponta para a superação do capitalismo e o advento de uma sociedade onde, à base da posse comum dos meios de produção, os homens livremente associados produziriam, de modo planejado, as condições de suas vidas. Tais conclusões têm por base o argumento de que produção capitalista se desenvolveria aguçando as suas contradições, sem contar com nenhum organismo institucional especializado na regulação da sua vida econômica, buscando amenizar os seus efeitos danosos. Por isso, a evolução do capitalismo de livre-concorrência ao monopolista faria parte do andamento lógico desse processo de superação.
À medida que diminui o número dos magnatas capitalistas que usurpam e monopolizam todas as vantagens desse processo de transformação, aumentam a miséria, a opressão, a escravização, a degradação, a exploração; mas cresce também a revolta da classe trabalhadora, cada vez mais numerosa, disciplinada, unida e organizada pelo mecanismo do próprio processo capitalista de produção. O monopólio do capital passa a entravar o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho alcançam um ponto em que se tornam incompatíveis com o envoltório capitalista. (MARX. O Capital, L. 1, V.2, p. 881)
A recorrência da crise econômica que impregna a "Globalização" e o "pós-fordismo", isto é, a etapa atual de transnacionalização do capitalismo monopolista, demonstra que o atual desenvolvimento das forças produtivas não permite que o valor, cada vez mais, seja produzido e acumulado estavelmente, que, com a aplicação por um lado da robótica e da micro- eletrônica, e por outro, da mundialização e financeirização da produção, tendem a "tumultuar" o processo produtivo. Portanto, a moeda e a mercadoria começam a perder seu fundamento, fica "sem pé nem cabeça" e a crise se agrava ininterruptamente. Doravante, acelera-se ainda mais um caráter do capitalismo, que a sobrevivência do capital é sua autofagia, sua autodestruição - ele já não pode dar um passo sem tropeçar nas próprias pernas.

Desse modo, a luta pela abolição revolucionária da exploração do trabalho, da apropriação do trabalho pelo capital, hoje uma necessidade óbvia, não pode mais ser acusada de utópica, uma vez que o capitalismo mal sobrevive à lembrança espectral dos "tempos prósperos". No atual estado de coisas, toda reforma é simples maquiagem da crise do capital.

É o próprio capitalismo que torna sua condição de possibilidade, o trabalho assalariado e as demais modalidades de capital, impossível. Portanto, a revolução social socialista é a única perspectiva, além de humanista, realista e necessária. Trata-se, nada mais nada menos, de o ser humano se auto-instituir como única medida de todas as coisas, abolindo a moeda, a mercadoria, a propriedade e o Estado. Trata-se, pois, de efetivar a comunidade humana mundial, na qual as forças produtivas disponíveis serão direcionadas para realizar concretamente os seres humanos em suas atividades, como tais: poesia, gozo, arte, inseparáveis entre si e da vida como um todo. A economia e a política serão extintas, juntamente com as demais esferas separadas, alienadas e especializadas, com a destruição do Estado e a supressão do capital. A essência humana será a comunidade dos indivíduos livremente associados, na cotidiana atividade de transformação das circunstâncias e de si mesmos, atividade que enfim lhes permitirá tornarem-se seres humanos, com e para os outros.

Há em todo o social-reformismo uma coerência na demonstração que o capitalismo se mantém e manterá estável ou que há possibilidade de sua perpetualidade, e tentar tecnicamente, isto é, no plano da economia política, justificar tal concepção, possível por sua interpretação economicista da teoria marxiana. O revisionismo tenta demonstrar que a dinâmica do capitalismo dá-se estável ou cadenciada, sem margem para crises endógenas, apoiando acertadamente na conclusão de Marx que "o limite do capital é o próprio capital", e quanto a possibilidade de manifestação das crises há no próprio capitalismo mecanismos que o contrabalançariam[1] ou que permitiriam conciliar os interesses dos trabalhadores e capitalistas, e que caberiam aos primeiros, de ante da não inevitabilidade da ruína do capitalismo ou da dificuldade de fazer cumprir o "prognóstico" de Marx, aplicá-los a fim de minimizar os prejuízos e de maneira a que possam atender aos trabalhadores.

Entretanto, com o regulacionismo há uma mudança, o centro do social-reformismo, a crítica a problemática marxiana da crise - sua origem (causa), o papel para o capitalismo e para o movimento revolucionário socialista -, passa da possibilidade de perpetuação e estabilidade do capitalismo, apesar de períodos em contrários, para as possibilidades de mutabilidade e dos mecanismos internos de manutenção do sistema, que garantem a sobrevivência tardia do capital.

O princípio fundamental do economicismo, e seu maior erro, é a ideia do crescimento e da socialização neutros das forças produtivas no interior do invólucro das relações capitalistas de produção. Segundo tal concepção, estas forças produtivas intimamente "socialistas" são a base objetiva da sociedade futura e tornam possível e legítima (conforme as variantes) a transformação gradual ou a eliminação revolucionária do invólucro jurídico-formal das relações de produção. As forças produtivas são, portanto, o sujeito profundo do movimento histórico, a classe e o partido são a sua expressão consciente.

A necessária crítica dessa ideologia burguesa, enraizada no marxismo vulgar, não pode limitar-se a restituir o desenvolvimento das forças produtivas pelo desenvolvimento do movimento das classes como sujeito da história. Ao se sustentar - e justamente - que as relações de produção não têm uma existência meramente jurídico-formal, que elas transformam internamente as forças produtivas, aceita pelos regulacionistas em sua exaltação do movimento operário, exaltação que, entre outras coisas, não só esquece o "componente" intimamente capitalista do movimento, mas também a existência da burguesia como classe, a sua capacidade hegemônica e coercitiva. Isso que os regulacionistas evitam é exatamente o problema do nexo entre reprodução e revolução.

A iniciativa proletária a é necessariamente - por um lado - interna ao mecanismo da acumulação. A luta na reprodução deve, portanto, ser transformada em luta pela revolução, devendo o proletariado constituir-se em sujeito revolucionário, e isto só pode ocorrer na forma de um rompimento com a sua existência imediata como classe operária. Imediatamente, a classe operária produz ideologias burguesas (de forma específica) e ideologias tendencialmente comunistas: o discurso revolucionário não pode, assim, limitar-se - como quer o revisionismo - a sistematizar a ideologia da classe, mas só pode fazê-lo depois de ter distinguido os seus diversos aspectos: disso também decorre a necessidade da separação de princípio entre classe e partido.
Uma das principais acusações dirigidas pelo marxismo vulgar ao marxismo ortodoxo é a de haver cultivado a ilusão de poder transformar as relações de produção através de uma nova forma de poder político. Tal ilusão já estaria presente no ato da tomada do poder, representando, assim, um ulterior elemento de continuidade entre a primeira experiência revolucionária e aquela stalinista.

Vêm-se expressa, como efetivamente ocorre, sem os devidos esclarecimentos, esta tese reproduz uma ideia largamente difundida na "nova esquerda" europeia, ou seja, a afirmação tautológica segundo a qual a revolução - que é, substancialmente, transformação das relações sociais - deve realizar-se como processo social antes, e depois como processo político. Eis de novo em funcionamento o dispositivo de inversão: o politicismo, consequência natural do economicismo, está sem dúvida presente na ideologia do marxismo ortodoxo, mas a necessidade da conquista do poder político de Estado como ato de abertura da transição é alguma coisa que decorre, de novo, de uma consideração nem economicista, nem subjetivista, do funcionamento do capitalismo.

De fato, a crise do capital - como forma de reprodução conflituosa da relação capitalista - gera ao mesmo tempo a tendência para uma nova organização da exploração e a possibilidade, sob determinadas condições, de uma ruptura revolucionária. Mas, nessa crise, não amadurecem os elementos já ativos de um novo modo de produção, nem como resultados do desenvolvimento das forças produtivas, nem como efeitos da luta de classes, do crescimento do "contra-poder" ou da "vontade socialista" do proletariado. O que se modifica é, antes, uma determinada correlação de forças entre as classes nas "instâncias" ideológica e política, que pode permitir a conquista do poder de Estado e o início da transição. A revolução "política" é, portanto, efeito da mudança "social", mas essa mudança não diz respeito, imediatamente, às relações de produção, que estão materialmente inscritas nos "papéis" técnicos da divisão capitalista do trabalho. Somente quem reduz as relações de produção a relações ideológicas - e o marxismo vulgar tende constantemente a fazê-lo e, em verdade, frequentemente tendem a se desenvolver desigualmente - pode crer que a transição para um novo modo de produção tem início muito antes da conquista do poder.

Chega-se assim à segunda conclusão. É bem evidente que a vitalidade do capitalismo depende também da sua capacidade, não apenas de reprimir a luta operária, mas também, de absorvê-la, fazendo-a se tornar um elemento da sua reprodução. Esse processo se dá por concessões econômicas e políticas as massas populares (particularmente a alguns setores do operariado e das classes médias assalariadas) em momentos muito específicos da história, a compra das lideranças políticas proletárias e o iludimento aos intelectuais da classe em base a expectativas otimistas sobre o sistema. Esses dois últimos permitem concluirmos que o pensamento social-reformista tem origem nessa absorção social pelo capital das lideranças políticas e intelectuais do proletariado: esse mesmo fenômeno sobre o marxismo dá origem ao revisionismo, que por sua vez, deu garantia de continuidade ao próprio capital.

Menos evidente é o fato de que a mesma coisa possa ocorrer também quando a luta operária alcança o seu cume, e se transforma em revolução proletária. Quando consegue vencer uma tentativa revolucionária inicialmente eficaz, o capitalismo não pode reapresentar-se com as vestes clássicas da "livre concorrência" ou da "economia mista". Apoiando-se em tentativas parciais de planificação e nas estruturas estatais que dela derivam, o capitalismo só pode apresentar como capitalismo de Estado, como domínio aparentemente "político" e "arbitrário" do capital total sobre as suas frações individuais. Tal qual, não há capitalismo sem Estado, e a concorrência entre os capitalistas para o mercado está sempre intimamente ligada à luta para o controle da administração estatal, a exemplo da penalização de um setor do capital sobre outro (ou sobre os trabalhadores) - quem será protegido ou assistido, sofrerá intervenção ou coordenação.

Exatamente por isso, as revoluções proletárias do século XX, consideradas do ponto de vista de seu resultado, foram apenas um momento da transformação do capitalismo em 'capitalismo de Estado', sob a batuta do stalinismo ou da social-democracia, consistindo não mais que uma convergência artificial e parcial, isto é, não definitiva, do caráter das relações de produção com o caráter das forças produtivas.

O stalinismo e a social-democracia implantaram apenas um "capitalismo de Estado", respectivamente, com uma estatização maior (quase, mais não total, e que não quer dizer socialização) ou menor da economia, permitindo a manutenção das relações econômicas capitalistas em seu interior e um controle burocrático estatal da administração da produção, consistindo assim, num freio a necessária revolução econômico-social (a expropriação total da burguesia) e, seus desdobramentos óbvios, a gestão democrática operário da produção, a socialização geral do trabalho abstraio e a planificação e integração mundial da economia.

Pelo lado stalinista foi consequência da degeneração do regime político (de uma ditadura revolucionária do proletariado para uma ditadura burocrática do proletariado) resultado do poder que adquiriu a burocracia sobre a economia, consequência explicada pelo atraso econômico dos primeiros países que implantaram o Estado Proletário, o isolamento pela derrota ou aposta na desnecessidade da revolução mundial e o uso do capitalismo de Estado, como uma tática equivocada de transição econômica, com o objetivo de assegurar a manutenção da situação imediata após a revolução por parte da burocracia partidária, estatal e das empresas e do apoio social dado pela pequena e média burguesia sobrevivente. E, pelo lado social-democrata, foi consequência do consciente ato de impedir ou revogar a deflagração da revolução político-social, impedindo assim a transformação da forma do Estado burguês para o proletário (único que permite um regime político - a democracia operária revolucionária (ditadura revolucionária do proletariado) - que requeira a revolução econômica-social) e a socialização dos meios de produção, um claro reflexo da sua base social, a pequena burguesia e as burocracias empresarial, estatal e sindical, francamente dependentes do capitalismo moderno, e, não menos importante, da influência da grande burguesia[2]. Em outras palavras, todas foram revoluções interrompidas.

A não superação do capitalismo nessas sociedades as manteve abertas às crises, num sentido de não apenas ser superada mas estendida.

É precisamente esta importante mudança na relação entre produção e consumo que habilita o capital a se livrar, por enquanto, dos colapsos espetaculares do passado, como a dramática queda de Wall Street em 1929. Por esta via, no entanto, as crises do capitai não são radicalmente superadas em nenhum sentido, mas meramente "estendidas", tanto no sentido temporal como em sua localização estrutural na ordenação geral. É preciso admitir que enquanto a relação atual entre os interesses dominantes e o Estado capitalista prevalecer e impuser com sucesso suas demandas à sociedade não haverá grandes tempestades a intervalos razoavelmente distantes, mas precipitações de frequência e intensidade crescentes por todos os lugares (ARCARY, 2004)

Por outro lado, permitiu o reaparecimento de antagonismos do capital com o limite do Estado Nacional, tal como o transbordamento e expansão do mercado para o exterior, e principalmente com o gerenciamento pelo Estado, por fim, o fim ou diminuição dos mecanismos de welfare state das formações capitalistas, a privatização e a liberalização internacional financeira e comercial e na própria restauração do capitalismo nas formações sociais do "Leste".

Assim, a conclusão do marxismo ortodoxo, que as novas relações de propriedade estabelecidas pela revolução estão vinculadas indissoluvelmente ao caráter do Estado, tornam-se mais relevantes. No caso de uma revolução socialista, o predomínio de tendências socialistas estaria assim assegurado não por um desenvolvimento automático da economia e sim pelo poder político da Ditadura do Proletariado. "O caráter da economia, como um todo, depende, pois, do caráter do poder estatal", concluirá Trotsky em A Revolução Traída (2001). E contrariando os argumentos economicistas próprios do marxismo vulgar define a política como o fator decisivo da economia soviética: "A política é a economia concentrada. Na presente etapa, a questão econômica da República Soviética resolve-se mais do que nunca do ponto de vista da política" (TROSTKY. A Revolução Desfigurada) ou como Lênin "socialismo é eletrificação de toda a Rússia mais Poder Soviético" (STALIN, 1985).

A crise do modo de produção capitalista se resolve do ponto de vista da política, da tomada do Estado pelo proletariado, isto é, a constituição da Ditadura do Proletariado, que se efetuará pela ação direta das massas proletárias em liderança do setor consciente da necessidade de transformação, a vanguarda revolucionária (o Partido Revolucionário), que dará inicio a implantação da sociedade de transição ao comunismo por medidas político-econômicos e político-jurídicos que mudem as relações de propriedade dos meios de produção.

Para tal empreendimento, ainda mais na época atual, pressupõe a defesa dos princípios da teoria marxista e do seu método, como da atualização de seu programa político, em suma, a necessidade da defesa do Marxismo. A defesa da ortodoxia frente ao ecletismo revisionista, como de sua nova versão, o regulacionismo, como por outro lado, de qualquer dogmatismo - defesa esta feita pela própria capacidade explicativa do marxismo.A crise é um ajuste traumático e espontâneo sobre a contradição básica do desenvolvimento do capital deste sobre a sociedade, que permite apenas uma re-adequação temporária das condições de acumulação, como das estruturas que condicionam a apropriação do capital. Re-adequando parcialmente as relações de produção ao caráter social das forças produtivas. Nesse sentido, as reformas se limitam a ser nada mais que intervenções conscientes sobre o ajuste a fim de facilitar a convergência, minimizando os efeitos traumáticos de um ajuste espontâneo, entretanto ao não agir a fundo acaba retroalimentar a tendência a crise.Se o limite do capital encontra-se no próprio capital, a capacidade de resolver sua limitação, quer dizer, sua crise, conclui-se então, residir no seu pólo oposto, o trabalho.

A solução da crise passa pela superação do modo de produção capitalista, superação que se dá pela ação consciente da classe trabalhadora, quando esta supera sua consciência capitalista. Assim do ponto de vista teórico a controvérsia marxista da Economia Política (principalmente, as crises cíclicas e estruturais, a transformação nas formas do capital e a regulação da produção) não são resolvido pelo seu estudo independente, quer dizer nela própria, mas conjuntamente com as análises da teoria marxista da História e esta pela teoria da Revolução, e num círculo virtuoso, na teoria da Economia Política.

Assim, o trabalho procurou resgatar a capacidade de explicação do pensamento marxista frente às crises e às transformações estruturais do sistema capitalista, descortinando, em consequência, seu processo de regulação. Conclui-se afirmando que os preceitos da teoria iniciada por K. Marx e F. Engels, centrais na interpretação da realidade e as contribuições do pensamento marxista ortodoxo continuam vigente enquanto referencial teórico indispensável daqueles que verdadeiramente querem transformar a sociedade.

NOTAS:

[1] Tais como, a estatização de setores da economia, o combate à deficiências de demanda pela elevação dos salários direitos ou criação de medidas de salários indiretos (benefícios sociais e seguritários pelas empresas ou Previdência estatal e provimentos estatal de bens públicos) ou facilitação do crédito, e combate às barreiras a expansão do capital, etc.
[2] MORENO, 1989

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