Nos últimos anos, tornou-se evidente que a máquina de contrapropaganda bolsonarista tem sido mais eficaz do que a própria grande mídia na disputa pela opinião pública. Esse fenômeno não se dá apenas pelo controle das redes sociais ou pela disseminação de fakenews, mas pela adesão de uma parcela significativa da população a uma narrativa que mistura desconfiança, ressentimento e um ultraconservadorismo reavivado.
Um exemplo claro disso é o caso do petista Rui Costa, que, ao assumir um cargo de destaque no governo Lula (Chefe da Casa Civil), passou automaticamente a ser identificado como endossador das ações da violenta polícia da Bahia, onde era anteriormente governador. Esse tipo de associação não se deve apenas a erros políticos ou à falta de uma comunicação eficiente do governo, mas à eficácia da máquina bolsonarista em construir "verdades alternativas".
Hoje, há um grau de ceticismo tão elevado que qualquer notícia se torna vulnerável à autoverdade, à pós-verdade e à desinformação. Parte da população, já cativa do bolsonarismo, aceita passivamente suas narrativas, mesmo quando elas desafiam a lógica e os fatos. Não se trata, necessariamente, de um cálculo político consciente, mas de um fenômeno de crença, uma fidelidade ideológica alimentada por diversos fatores:
- O ódio ao petismo, visto por muitos como traidor de promessas históricas.
- A aposta no conservadorismo como uma forma de indignação "antissistema".
- A própria mentalidade conservadora, amplamente presente na sociedade brasileira, e agora reforçada por um projeto ultradireitista.
Por isso, é equivocado afirmar que um terço da população brasileira é fascista, como tentam justificar alguns setores petistas para se isentar da responsabilidade de dialogar com essa parcela. Pesquisas qualitativas mostram que aqueles alinhados com posições declaradamente filofascistas não chegam a 10% da população. Contudo, existe um grupo entre 15% e 25% que é profundamente ultraconservador, justamente o segmento que declarou voto em Bolsonaro já no primeiro turno de 2018, antes mesmo da facada.
A grande questão reside nos eleitores que, no segundo turno, consolidaram a vitória de Bolsonaro e que, até hoje, seguem apoiando-o quase incondicionalmente. São eles o maior desafio da esquerda, pois, para muitos, já não há possibilidade de diálogo ou convencimento. Talvez seja necessário aceitar que essa parcela está perdida para qualquer projeto progressista.
O Bolsonarismo e a Instabilidade Permanente
Essa conjuntura não apenas fortalece a ultradireita, mas gera instabilidade dentro da própria burguesia. Enquanto o bonapartismo tradicional se apresentava como um mecanismo de estabilização da luta de classes – ainda que à custa de repressão e autoritarismo –, o bolsonarismo opera de maneira distinta. Ele se sustenta no caos e só sobrevive alimentando a crise política.
Ao contrário do que parte da esquerda teme, Bolsonaro não busca instaurar uma ditadura nos moldes clássicos. Assim como Trump nos EUA, Orban na Hungria e Kaczynski na Polônia, seu projeto se baseia num semibonapartismo permanente, sustentado pelo aparelho de segurança pública, pelo judiciário manipulável e por igrejas cristãs profundamente influenciadas pelo fundamentalismo estadunidense.
Mesmo diante desse cenário, setores liberais da centro-esquerda seguem apostando na possibilidade de uma reconciliação nacional e no fim da polarização. Esse erro estratégico se manifesta de duas formas:
- As massas populares, ainda que cansadas da crise, não veem alternativa em posições mornas e centristas. A conjuntura levou a luta de classes a um ponto sem retorno.
- A alta burguesia até deseja uma "frente ampla", mas apenas se ela for capaz de garantir paz social enquanto implementa as contrarreformas neoliberais.
O Papel da Esquerda e o Embate na Burguesia
Diante dessa realidade, a tática prioritária da esquerda deve ser ampliar a crise dentro da própria burguesia. Não é coincidência que os momentos em que Bolsonaro sofreu maiores desgastes foram aqueles em que sua base econômica se fragmentou, seja pela pressão popular sobre seus "malfeitos", seja pelo explícito caráter autoritário de suas ações.
A burguesia brasileira não confia em Bolsonaro, mas tampouco o rejeita totalmente. Pelo contrário, ela o utiliza para aprovar a agenda ultraliberal enquanto mantém um certo controle institucional através do Congresso e da oposição dócil do PT em sindicatos e governos estaduais.
Isso significa que não há setores burgueses "democráticos" dispostos a romper com o bolsonarismo sem garantias de que todas as contrarreformas neoliberais serão implementadas. O semibonapartismo que sustenta Bolsonaro encapsulou diversas instituições da República, tornando impossível acreditar que o jogo democrático burguês ainda funcione normalmente.
Dessa forma, alianças táticas e unidades de ação com setores que se opõem de maneira consequente ao bolsonarismo são possíveis e necessárias. Mas a pergunta essencial permanece: quem realmente se opõe a Bolsonaro de forma consequente?
Os chamados "setores democráticos" continuam a frustrar qualquer expectativa de oposição real. Flávio Dino, Rui Costa e Camilo Santana, todos (ex-)ministros do atual governo, e os atuais Jerônimo Rodrigues, na Bahia, Elmano de Freitas, no Ceará, Fátima Bezerra, no Rio Grande do Norte, e Rafael Fonteles, no Piauí, demonstram essa contradição ao atuarem de forma semelhante a governadores da direita, seja na implementação de reformas previdenciárias estaduais, seja na conivência com a violência policial brutal.
O bolsonarismo, por sua vez, segue mobilizando sua base, mesmo diante de escândalos de corrupção e imoralidade envolvendo seus filhos e aliados. Para a classe média decadente, seu moralismo hipócrita representa o último suspiro de privilégios em ruínas, uma tentativa nostálgica de reviver um passado idealizado.
Enquanto isso, as instituições da República permanecem passivas, pois a grande burguesia segue apostando que vale mais a pena desmontar o sistema de bem-estar social e recompor sua margem de lucro do que restaurar qualquer estabilidade política.
A máquina bolsonarista, ao contrário do que muitos pensam, não está enfraquecida. Ela prospera na crise, na desconfiança e na manipulação do medo. E se a esquerda não compreender isso e agir de maneira estratégica, continuará refém do jogo da extrema-direita.