quarta-feira, 26 de março de 2014

“Anos de ouro” para o Grande Capital: uma crítica a algumas leituras apologéticas

 por Demian Melo. Doutor em História pela UFF

Propaganda da Phillips faz referência
 direta à tortura em 1969
O documentário Cidadão Boilesen, de Chaim Litewisk, (Brasil, 2009), que conta a história de um empresário dinamarquês radicado no Brasil, iluminou uma questão extremamente importante para a compreensão do significado histórico da última ditadura: o seu caráter de classe. Henning Albert Boilesen, personagem central do filme, era executivo do grupo Ultragaz e ficou conhecido como ativo colaborador da Operação Bandeirantes (OBAN), projeto piloto para a formação posterior, em todo o território nacional, dos famigerados DOI-CODI.

Fundada ainda em 1969, a OBAN contou com fartos recursos financeiros do grande capital (nacional, estrangeiro e associado). Os mesmos que estiveram à testa da conspiração no início dos anos 1960 contra o governo Goulart, através do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), conspiravam agora, junto a um regime que tinham como seu, em cerimônias realizadas nos salões da FIESP, onde após palestras do Ministro da Fazenda, Delfim Netto, Boilesen “passava o chapéu”, para os associados depositarem cheques. Além de “homem da caixinha”, o empresário dinamarquês se notabilizou por também frequentar as sessões de tortura aos presos políticos na delegacia da rua Tutoia, onde funcionou a sede da OBAN. Em 1971, um grupo operacional da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) executou Boilesen em uma rua central de São Paulo, em resposta ao seu apoio à estrutura da tortura.

Violência, tortura, desaparecimento de opositores, assassinatos em via pública, censura, violação de direitos humanos, obscurantismo nas universidades etc, são algumas das tantas expressões que nos remetem diretamente àquele passado que, definitivamente, não deixou saudade. Todavia, não parece razoável supor que foi implantado um regime ditatorial para violar direitos humanos, embora esta tenha sido uma prática estrutural. Não é possível apreender o sentido da ditadura senão considerando o que com muita propriedade Paulo Arantes denominou de “vasos comunicantes”[1] entre o mundo dos negócios e os subterrâneos da repressão, sólidos desde a “insurreição burguesa” em março/abril de 1964.

Mas é preciso ir além de uma explicação meramente ideológica, que apenas considera uma parte da questão, a saber, a percepção da classe empresarial sobre a “ameaça revolucionária”, em suma, o anticomunismo. Sem relacioná-la à lógica da acumulação capitalista perde-se o outro ponto fundamental da questão e que torna compreensível o próprio anticomunismo como uma “ideologia orgânica”, como diria Gramsci. Assim, o sentido da ditadura deve ser pensado tanto no que concerne à forma como o regime buscou solucionar a crise cíclica que produziu uma recessão na economia a partir de 1962, como também na forma como o capitalismo dependente brasileiro superou tais condições, constituindo as bases para o chamado “milagre” entre 1969-1973.

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