Entre a repetição e a transformação:
como o movimento cíclico revela o tempo histórico do capital e anuncia seus limites.*
Por Almir Cezar Filho**
ResumoOs ciclos econômicos não são meras oscilações estatísticas, mas expressões da própria lógica contraditória do capitalismo. Através de períodos de expansão e crise, o sistema reconfigura suas condições de reprodução, revelando uma regularidade que se manifesta por meio da irregularidade. Este artigo analisa, sob a ótica marxista, a natureza dialética dos ciclos: suas sobreposições temporais, suas tendências estruturais e suas mutações históricas. Da “irregularidade regular” à financeirização contemporânea, buscamos compreender o ciclo como forma temporal do capital — e o planejamento socialista como sua negação consciente.
Introdução – O Movimento como Forma da Contradição
Desde que Marx descreveu o ciclo industrial como “a forma viva do movimento do capital”, o pensamento crítico reconhece que a economia capitalista não se desenvolve de modo linear, mas pulsante, alternando prosperidade e colapso, avanço e retração. A repetição das crises não é um desvio, mas uma necessidade interna da acumulação: o capital só se renova destruindo parte de si mesmo, purgando os excessos que sua própria lógica produz.
Cada ciclo, no entanto, não é mera repetição do anterior. Ele se dá sobre novas bases técnicas, sociais e geográficas. A superprodução do século XIX não é a mesma de 1929, tampouco a de 2008. Cada uma reflete o modo histórico como o capital reorganiza suas contradições fundamentais — entre produção e realização, trabalho e valor, capital e vida. O ciclo é, portanto, a forma concreta da contradição em movimento.
O olhar marxista sobre os ciclos não busca prever datas ou traçar curvas regulares, mas revelar o tempo histórico inscrito nas flutuações econômicas. Por trás das estatísticas de crescimento e recessão, pulsa a dinâmica real de valorização e desvalorização do capital, isto é, o processo pelo qual a sociedade burguesa tenta perpetuar-se diante de seus próprios limites. O que as escolas econômicas chamam de “recuperação” nada mais é que a reconstrução temporária das condições de exploração.
Neste sentido, estudar os ciclos é estudar a própria historicidade do capitalismo. Cada oscilação, cada crise, cada fase de expansão é parte de uma totalidade maior — o processo contraditório de reprodução de um modo de produção que precisa se reinventar para não sucumbir. Mas há um limite: a regularidade da irregularidade só se sustenta enquanto as contradições puderem ser deslocadas, e não superadas. Quando o capital atinge o ponto em que a crise se torna permanente, abre-se a possibilidade de um novo tempo histórico: o da transição consciente, o da planificação social, o do fim da anarquia do valor.
I. A Irregularidade dos Ciclos e o Mito da Regularidade Perfeita
Cada ciclo econômico transforma as condições sob as quais os sujeitos atuam na realidade. O movimento histórico não se repete de forma mecânica, mas se renova sobre as bases herdadas da etapa anterior. Todo ciclo erige-se sob as condições criadas pelo precedente — e, ainda que o prolongue ou o deforme, nunca o anula completamente. A continuidade histórica manifesta-se, portanto, não na repetição literal dos fenômenos, mas na transformação qualitativa das circunstâncias em que os mesmos se reproduzem.
Os ciclos se sobrepõem como ondas em tempos distintos, interferindo entre si — no tempo, na intensidade, na extensão e na amplitude. Há ciclos curtos, médios e longos: de 3, 7, 10, 20, 50 ou 100 anos. Cada um repercute sobre o outro, criando padrões de oscilação que não são jamais lineares. Daí a natureza contraditória do movimento cíclico: uma ordem que se expressa na desordem, uma lógica interna que emerge da irregularidade aparente.
Mas mesmo a irregularidade não é absoluta. Há intervalos em que o caos adquire ritmo, e a descontinuidade encontra sua própria forma de repetição. Surge, assim, o que poderíamos chamar de “irregularidade regular” e “regularidade irregular” — expressões da dialética viva do processo econômico. É esse equilíbrio instável que faz com que a economia capitalista apresente ciclos médios entre seis e oito anos, uma média empírica de sete anos que tanto a teoria quanto a estatística confirmam. Essa constância aproximada é menos uma regra matemática e mais o reflexo de forças contraditórias que se compensam mutuamente.
O mito do ciclo perfeito — previsível, uniforme e simétrico — é uma abstração incompatível com o real movimento da economia. As curvas que descrevem a acumulação e a crise nunca são idênticas, porque variam conforme as determinações históricas, técnicas e sociais de cada período. Fatores externos e internos alteram a órbita dessas curvas; além disso, os sujeitos econômicos — empresários, trabalhadores, governos, investidores — têm percepções diferentes sobre os sinais e as tendências do ciclo, o que modifica suas ações e retroalimenta o próprio movimento.
Por isso, os ciclos jamais são perfeitos. São irregulares em tempo, amplitude, duração, extensão e intensidade — tanto no ápice quanto no vale. O auge e a depressão não se repetem na mesma proporção nem no mesmo compasso. Essa variabilidade, porém, não destrói o padrão cíclico: antes, o renova.
Os acúmulos de irregularidade constroem a regularidade futura. Cada crise, cada expansão, cada desvio aparente acumula tensões que preparam o novo equilíbrio — ou, em termos marxistas, a nova forma de manifestação das contradições do capital. Assim, a história econômica move-se num processo de autonegação: o desequilíbrio de hoje é o terreno fértil da regularidade de amanhã.
II. A Tendência dos Ciclos e o Tempo Histórico do Capital
Os ciclos, embora irregulares e sobrepostos, não são caóticos. Sob a aparência de desordem, atua uma lógica objetiva: a tendência. A tendência é a direção estrutural para onde o movimento histórico se orienta, ainda que o faça por curvas, desvios e recuos. Marx já observava que o capital, enquanto relação social, não se move em linha reta, mas em espiral — retornando sempre a pontos semelhantes, porém em níveis qualitativamente distintos de desenvolvimento.
Cada ciclo contém, portanto, uma dupla dimensão: a da oscilação conjuntural e a da tendência estrutural. A primeira se manifesta na alternância entre expansão e crise; a segunda, na modificação das condições de reprodução do próprio capital. A repetição do ciclo jamais reconduz a economia ao mesmo ponto, pois cada retorno incorpora novas forças produtivas, novos modos de exploração e novas contradições. A cada giro, o sistema se reconfigura e aprofunda o antagonismo entre produção social e apropriação privada.
Essa tendência é movida por uma lei fundamental: a queda tendencial da taxa de lucro. É ela que imprime o sentido de longo prazo às flutuações. Cada fase de prosperidade eleva a composição orgânica do capital — substituindo trabalho vivo por trabalho morto — e, ao fazê-lo, mina as bases da rentabilidade. A crise, então, não é um acidente, mas o momento necessário de purificação do sistema, no qual o capital desvalorizado reestabelece as condições de acumulação. É assim que a irregularidade cíclica se converte em regularidade histórica.
Os ciclos de curto prazo (3 a 10 anos) expressam a respiração industrial do capital — o ritmo de seus investimentos, estoques e lucros. Já os ciclos longos (de 40 a 60 anos), como estudou Kondratiev e reinterpretou Mandel, revelam fases seculares de expansão e retração tecnológica, financeira e imperialista. Sobre esses planos se sobrepõem ainda tendências mais profundas — de natureza civilizacional — que dizem respeito à transição de um modo de produção a outro.
A tendência, no sentido marxista, é sempre contraditória: é uma lei que se realiza apenas através de sua negação. Ela se impõe, mas nunca de forma pura. As contradições — de classe, de mercado, de Estado e de império — deformam seu curso, atrasam sua expressão, distorcem seu resultado. Por isso, compreender a tendência não é prever, mas decifrar o movimento interno das contradições que, ao se resolverem, abrem caminho para novas formas de crise e reorganização.
Em suma, a tendência dos ciclos é a história em movimento. É o eixo invisível que conecta o curto ao longo prazo, a conjuntura à estrutura, o capital individual ao capital total. É a racionalidade oculta sob o caos das oscilações aparentes — o pulso do tempo histórico do capitalismo.
III. A Superposição dos Ciclos e o Desenvolvimento Desigual
A economia capitalista não pulsa em um único ritmo. Ela vibra em múltiplas frequências simultâneas, sobrepondo ondas curtas e longas, crises setoriais e transformações estruturais. Cada ciclo opera como uma camada temporal, interagindo com outras em distintas escalas. Essa superposição — longe de ser uma anomalia — é a própria forma concreta de manifestação da totalidade capitalista em movimento.
As flutuações de curto prazo expressam o metabolismo cotidiano da acumulação: variações na produção industrial, nos preços, nos estoques e nos investimentos. Já os ciclos médios e longos traduzem mudanças mais profundas na base técnica, na composição orgânica do capital e na hierarquia das potências econômicas. A economia mundial, portanto, é um campo de interferência entre ondas — algumas de natureza conjuntural, outras civilizacionais.
Essa concepção — já intuída por Marx e sistematizada mais tarde por Trotski, Kondratiev e Mandel — rompe com a ideia mecanicista de uma “lei única” dos ciclos. O movimento histórico é composto por ritmos combinados: o ciclo industrial de 7 a 10 anos, os ciclos de investimento de 20 a 25 anos e as ondas longas de expansão e retração de cerca de meio século. Cada uma dessas temporalidades não apenas se sobrepõe, mas também se refrata mutuamente, produzindo períodos de aceleração e de estagnação, de revolução tecnológica e de crise de superacumulação.
No entanto, essas ondas não se sincronizam de modo uniforme entre os países. A forma concreta que assumem depende da posição de cada economia na divisão internacional do trabalho. É nesse ponto que a teoria dos ciclos se encontra com a do desenvolvimento desigual e combinado: o capitalismo mundial forma um sistema hierarquizado, no qual as fases dos ciclos se deslocam e se chocam entre centro e periferia.
Enquanto as economias centrais desencadeiam os impulsos tecnológicos e financeiros, as economias dependentes absorvem-nos de maneira descompassada, reproduzindo internamente os efeitos de crises e booms alheios. Esse descompasso é estrutural: o capitalismo só se mantém como totalidade porque suas partes se desenvolvem de maneira desigual. As crises, portanto, não se distribuem equitativamente — elas se concentram e irradiam, acentuando as assimetrias de poder e de riqueza no sistema mundial.
A superposição dos ciclos, assim, não é apenas temporal, mas também espacial. Cada região, setor e classe participa do movimento global sob formas específicas, que expressam sua função na totalidade. A simultaneidade das crises em diferentes níveis — industrial, financeiro, comercial, ecológico e político — é o modo concreto pelo qual o capital manifesta sua unidade contraditória.
Por isso, compreender os ciclos econômicos é compreender o próprio desenvolvimento desigual do capitalismo: um sistema que se renova ao custo de suas próprias destruições, que se estabiliza pela instabilidade, que produz ordem por meio do caos. Cada sobreposição de ciclos é, em última instância, uma sobreposição de contradições — e nelas se inscreve o drama histórico de uma forma social que, para sobreviver, precisa continuamente revolucionar-se e corroer-se.
IV. A Fase Atual do Capitalismo e a Mutação dos Ciclos
O capitalismo contemporâneo entrou numa fase em que os ciclos econômicos tradicionais se tornaram mais longos, difusos e interconectados. Desde a década de 1970, a crise estrutural da acumulação produtiva deu origem a um novo regime de reprodução do capital — financeirizado, globalizado e tecnologicamente acelerado, mas também mais vulnerável e instável. O movimento cíclico, outrora determinado pelo investimento industrial e pelo comércio de mercadorias, passou a ser comandado pelas finanças, pelo crédito e pelas expectativas de valorização fictícia.
Esse deslocamento modificou profundamente o mecanismo clássico das crises. Se, no século XIX, a interrupção do ciclo industrial decorria da superprodução material e da queda da taxa de lucro, hoje a crise emerge da sobreacumulação de capital fictício, da especulação e da instabilidade cambial. O que antes era um colapso de estoques e fábricas transformou-se em um colapso de dívidas e derivativos. As quedas de 1929 e 2008 são expressões distintas de um mesmo princípio: o capital, incapaz de valorizar-se na esfera produtiva, busca refúgio no universo abstrato das finanças — e ali multiplica suas contradições.
Essa financeirização produziu uma aparente regularidade: um crescimento “sem inflação” nos anos 1990 e 2000, sustentado por endividamento e desregulação. Mas essa estabilidade era ilusória, sustentada por bolhas de crédito e pela centralização monetária em torno do dólar. Assim, os ciclos tornaram-se menos visíveis na produção, mas mais violentos nas finanças. As crises deixaram de ser intervalos corretivos e tornaram-se o modo normal de funcionamento do sistema.
Paralelamente, a globalização reorganizou o espaço da acumulação. As cadeias produtivas fragmentadas conectam economias nacionais em um mesmo circuito de valorização, mas sem sincronizar seus ritmos internos. As crises, portanto, se tornam globais, porém desiguais: uma recessão no Norte pode significar inflação e desindustrialização no Sul; um boom financeiro em Nova York pode implicar estagnação produtiva em São Paulo. A interdependência amplia o alcance das oscilações, mas não elimina a hierarquia que as estrutura.
Nesse contexto, a antiga “lei dos sete anos” perde precisão. O capital já não se recompõe por meio de destruições periódicas de capacidade produtiva, mas por meio de reajustes contínuos, precarização e especulação permanente. A amplitude dos ciclos se dilui; sua base material se desloca da fábrica para a bolsa. O resultado é um sistema em “crise crônica”, onde as fases se confundem e as fronteiras entre auge e recessão se tornam porosas.
Contudo, a mutação dos ciclos não significa o fim da lei do valor. Ao contrário, revela seu predomínio sob novas formas. O capital fictício, ao expandir-se, não abole o trabalho vivo: apenas o subordina mais profundamente à lógica financeira. A superacumulação, o desemprego estrutural e a estagnação global testemunham que o movimento cíclico permanece — mas agora como metástase do capital, uma pulsação irregular que atravessa todas as dimensões da vida social.
Assim, a fase atual do capitalismo representa uma transformação qualitativa do ciclo, mas não sua extinção. O que se altera é o modo de reprodução da contradição fundamental: entre o caráter social da produção e a apropriação privada da riqueza. A crise, hoje, deixou de ser um “episódio” do ciclo para se tornar sua própria condição de existência.
V. A Transição e o Planejamento Socialista
Reconhecer a natureza cíclica da economia capitalista não é um exercício de estatística, mas de crítica. O ciclo revela o limite interno do capital: sua incapacidade de transformar a abundância em estabilidade, a produtividade em bem-estar, a inovação em equilíbrio. Toda crise é o reflexo de uma contradição não resolvida entre o potencial coletivo das forças produtivas e o caráter privado da apropriação. Por isso, compreender os ciclos é compreender as condições objetivas da transição — o ponto em que a racionalidade da reprodução exige a superação da forma capitalista.
O socialismo, enquanto projeto histórico, não elimina as oscilações econômicas pela simples vontade política. Ele as reconfigura. O planejamento socialista não parte do pressuposto de suprimir o movimento, mas de conhecê-lo conscientemente, convertendo o que no capitalismo é crise cega em regulação deliberada. O que se busca não é congelar a dinâmica econômica, mas subordinar suas flutuações às necessidades humanas e não ao lucro.
Em Marx e em Preobrazhensky, o planejamento aparece como a negação dialética da anarquia de mercado — uma nova forma de mediação entre produção e consumo, entre acumulação e reprodução social. A transição, portanto, não é o “fim do ciclo”, mas sua transformação qualitativa: o salto de uma economia que reage às crises para uma economia que planeja sua própria reprodução ampliada.
Para isso, é necessário compreender as leis objetivas da ciclicidade — tempo de rotação do capital, composição orgânica, produtividade, elasticidade da demanda — e reorientá-las segundo critérios sociais. O planejamento racional não ignora o tempo dos ciclos; ele o internaliza, convertendo a regularidade irregular do capital em previsão consciente. Assim, a oscilação deixa de ser catástrofe e se torna instrumento de coordenação e de ajuste coletivo.
Mas o planejamento socialista não é apenas técnico; é político. Requer a participação dos produtores associados, a democratização da decisão econômica e a superação da separação entre economia e sociedade. Só a gestão coletiva pode dissolver o antagonismo que dá origem aos ciclos destrutivos do capital. A transição, portanto, é também uma transformação da subjetividade: a passagem de uma humanidade sujeita às leis cegas do mercado para uma humanidade capaz de reconhecer-se como sujeito do próprio desenvolvimento histórico.
No horizonte, o planejamento socialista representa o retorno consciente do tempo à história. O que no capitalismo se manifesta como repetição cíclica e compulsão à crise, no socialismo pode converter-se em ritmo orgânico da reprodução social — uma harmonia dialética entre necessidade, liberdade e previsão. A superação dos ciclos destrutivos não significará o fim do movimento, mas o início de uma nova dinâmica: a da autodeterminação coletiva da economia.
Conclusão – O Tempo dos Ciclos e a Consciência da História
O ciclo econômico é o batimento cardíaco do capitalismo — um pulso irregular que marca o compasso de sua existência. Cada expansão e cada crise são, ao mesmo tempo, formas de vida e de exaustão. O sistema se renova ao preço da destruição, avança corroendo suas próprias bases, cresce criando o solo de suas quedas. A regularidade do ciclo é, portanto, a regularidade da contradição: um equilíbrio instável entre forças que se repelem e se necessitam.
Por isso, compreender os ciclos é compreender o tempo histórico do capital. Não se trata de um tempo linear, cumulativo, de progresso ininterrupto, mas de um tempo espiralado, em que o novo só emerge pela negação do velho. As crises são momentos de verdade do sistema, instantes em que suas contradições se revelam sem disfarce, mostrando que o desenvolvimento capitalista não é natural nem eterno — é histórico, transitório, condicionado.
A teoria marxista dos ciclos é, nesse sentido, mais que uma teoria econômica: é uma crítica da temporalidade burguesa. Enquanto a economia vulgar concebe o tempo como repetição e estabilidade, o marxismo o entende como luta, transformação e superação. A irregularidade dos ciclos é o reflexo objetivo da luta de classes: o embate entre o tempo do capital — o tempo da valorização — e o tempo humano, o tempo da vida.
A cada crise, a humanidade é colocada diante de uma escolha. Pode aceitar a lógica destrutiva do capital e recomeçar o ciclo em novas bases, ou pode romper o círculo e abrir um novo horizonte histórico. O socialismo não é, portanto, uma etapa predeterminada, mas uma possibilidade concreta que nasce do próprio esgotamento da forma capitalista. Quando as forças produtivas alcançam um grau em que já não cabem nas formas da propriedade privada, o ciclo deixa de ser apenas uma repetição econômica e se torna um problema político.
O tempo dos ciclos é, em última instância, o tempo da consciência. A transição socialista não elimina a historicidade, mas a eleva a um novo plano — aquele em que o devir deixa de ser acidental e se torna deliberado. A superação do capital não significará o fim das contradições, mas o início de sua gestão consciente. Assim, o fim dos ciclos não é o repouso, mas a transformação do movimento em liberdade.
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Referências Bibliográficas
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> Obra fundamental para a compreensão da lógica da acumulação, da rotação do capital e das crises de superprodução como formas necessárias da reprodução capitalista.
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> Fundamenta o caráter dialético da transformação histórica e o princípio da negação como motor das leis econômicas.
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> Introduz a noção de sobreposição de ciclos curtos e longos, articulando conjuntura e tendência na dinâmica do capitalismo mundial.
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> Estudo empírico pioneiro sobre ondas longas de expansão e contração; base para a leitura dialética posterior de Mandel e outros autores marxistas.
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> Desenvolve o conceito de acumulação socialista primitiva e de planejamento como superação consciente da anarquia cíclica do mercado.
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> Sistematiza a teoria das ondas longas no contexto do pós-guerra, relacionando tecnologia, imperialismo e financeirização.
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> Interpretação marxista contemporânea dos ciclos, centrada na competição intercapitalista, na queda da taxa de lucro e nas oscilações de longo prazo.
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> Analisa a financeirização e a hegemonia do capital fictício como nova forma de manifestação das crises estruturais.
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> Atualiza a teoria marxista das crises ao explorar a espacialização do capital e a temporalidade desigual do desenvolvimento geográfico.
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> Examina a reprodução ampliada das contradições do capital e a necessidade histórica da planificação socialista como superação da lógica cíclica.
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> Apresenta a base teórica e empírica para a análise do desenvolvimento desigual e combinado, central à compreensão da assimetria entre ciclos nacionais.
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> Interpreta as ondas sistêmicas de acumulação e a transição entre hegemonias mundiais, articulando ciclos econômicos e geopolítica do capital.
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> Integra a dinâmica cíclica mundial à reprodução dependente da periferia latino-americana.
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> Mostra como o subdesenvolvimento e a transferência de valor se inserem na lógica dos ciclos internacionais do capital.
(*) Nota bibliográfica e referencial teórico
Este artigo apoia-se na tradição marxista de análise dos ciclos econômicos e das crises, inaugurada por Karl Marx e Friedrich Engels em O Capital, onde a reprodução ampliada do capital e a queda tendencial da taxa de lucro são apresentadas como leis internas da oscilação entre expansão e colapso. A partir de Lênin e Preobrazhensky, essa leitura adquire uma dimensão histórico-política: a crise deixa de ser apenas um evento econômico e passa a representar o terreno material da transição socialista e do planejamento consciente da produção.
As formulações de Trotski e Kondratiev introduzem a noção de sobreposição de ritmos — ciclos curtos, médios e longos —, aprofundada posteriormente por Ernest Mandel, que interpreta as “ondas longas” como expressões das mudanças na base tecnológica e na correlação de forças internacionais. Autores contemporâneos como Anwar Shaikh e François Chesnais atualizam essa abordagem ao situar a financeirização e a globalização como formas atuais da crise de valorização.
No plano histórico-estrutural, Giovanni Arrighi, Theotonio dos Santos e Ruy Mauro Marini contribuem para compreender o caráter desigual e combinado do desenvolvimento mundial, demonstrando que as fases dos ciclos se expressam de maneira distinta entre centro e periferia. Por fim, a reflexão de István Mészáros e David Harvey amplia a perspectiva marxista, revelando a crise contemporânea como crise de civilização — um impasse que exige não apenas a superação do capital, mas a reconstrução do tempo histórico sob o signo da planificação democrática e da emancipação humana.
(**) Sobre o autor
Almir Cezar Filho é economista, mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (IE-UFU), pesquisador em economia política marxista e especialista em desenvolvimento econômico, agricultura e planejamento. Atua no Serviço Público Federal e integra o quadro de servidores da Estrutura dos Cargos Específicos (ERCE) do Poder Executivo Federal.
É editor do blog Limiar e Transformação Econômica, onde publica ensaios de teoria e história econômica com base marxista, explorando temas como ciclos de acumulação, imperialismo, dependência, transição socialista e geoeconomia contemporânea. Também é produtor e apresentador do programa Economia É Fácil, da Rádio Censura Livre, dedicado à popularização crítica do pensamento econômico e à análise conjuntural sob a ótica dos trabalhadores.
Seus escritos buscam articular teoria e prática — entre a crítica da economia política e o horizonte da transformação social —, entendendo a economia como expressão do movimento histórico e a história como terreno da emancipação humana.
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