Por Almir Cezar Filho
IntroduçãoA compreensão das dinâmicas contemporâneas do desenvolvimento econômico exige, mais do que nunca, um retorno crítico e criativo à tradição marxista. Em tempos marcados por crises recorrentes, desigualdades estruturais e reconfigurações globais, a economia política não pode prescindir de uma leitura totalizante do capitalismo enquanto sistema mundial e historicamente determinado. Este capítulo introdutório propõe reunir os fundamentos de uma teoria contemporânea do desenvolvimento econômico capitalista à luz do marxismo, articulando a dinâmica da economia com os processos políticos, a estrutura social e as determinações extraeconômicas que moldam o movimento do capital e da luta de classes.
A partir do princípio do desenvolvimento desigual e combinado — que recusa as falsas simetrias dos modelos linear-evolutivos —, buscamos uma abordagem dialética e tridimensional da realidade. O desenvolvimento não se dá como trajetória homogênea ou universal, mas como expressão de múltiplos modos de produção articulados desigualmente dentro de um sistema global hierarquizado. Essa heterogeneidade é constitutiva do capitalismo, que, ao se expandir e buscar sua autorreprodução, incorpora formas sociais e produtivas distintas em escalas nacional e internacional. Portanto, a teoria do desenvolvimento deve partir da totalidade concreta, reconhecendo as mediações entre as estruturas econômicas nacionais, as lutas de classe e a inserção no sistema interestatal capitalista.
A revolução — entendida como salto histórico, ruptura da continuidade evolutiva e precipitação de contradições não resolvidas — é um elemento essencial para compreender tanto as mutações estruturais do capitalismo quanto as possibilidades de sua superação. Mais do que consequência de crises econômicas, a revolução pode ser seu motor. A história do século XX oferece múltiplas expressões dessa dinâmica: do Estado operário burocratizado à social-democracia do bem-estar, passando pelos nacionalismos desenvolvimentistas da periferia. Tais experiências, ainda que marcadas por limites e derrotas, alteraram profundamente as formas de organização produtiva, o papel do Estado e as mentalidades sociais — elementos que permanecem decisivos na configuração do presente.
Este texto parte, portanto, da premissa de que o capitalismo deve ser apreendido como totalidade contraditória, cuja estrutura e dinâmica são determinadas por leis econômicas internas (como a lei do valor e da acumulação) e por determinações extraeconômicas (como a política, a ideologia, a moral, o direito e as relações interestatais). A análise da conjuntura, das flutuações cíclicas, da política econômica e da inserção internacional de cada país não pode ser feita sem essa perspectiva de longa duração, que recusa o imediatismo da análise econômica convencional e resgata o horizonte da transformação revolucionária como categoria estratégica e analítica.
1. O Conceito de Desenvolvimento Econômico na Tradição Marxista
Ao contrário das abordagens hegemônicas que tratam o desenvolvimento como simples crescimento econômico ou estágio evolutivo linear, a tradição marxista entende o desenvolvimento como processo histórico determinado pelas contradições internas do sistema capitalista e pelas relações entre suas diferentes partes. Não se trata de um percurso homogêneo, nem de um caminho trilhável por todos os países a partir das mesmas etapas. Trata-se, sim, de uma dinâmica desigual e combinada, em que formas econômicas, sociais e políticas coexistem e se articulam dialeticamente no tempo e no espaço.
Neste sentido, nenhuma formação econômica nacional existe em estado "puro" ou isolado. Toda economia nacional é uma síntese historicamente situada entre modos de produção, estruturas institucionais e formas sociais de diferentes épocas e origens. A composição interna de cada sistema econômico resulta tanto de suas condições históricas e lutas sociais internas quanto de sua posição relativa no sistema interestatal capitalista. Assim, a estrutura econômica nacional é moldada simultaneamente por dinâmicas internas — luta de classes, heranças coloniais, revoluções e contrarrevoluções — e por dinâmicas externas — inserção no comércio mundial, papel geopolítico, dependência tecnológica e relação com o capital internacional.
A totalidade concreta que forma cada formação social, portanto, é multidimensional. O desenvolvimento nacional se dá na confluência entre três grandes eixos: (1) a constituição e transformação de seu parque industrial e estrutura produtiva, (2) sua configuração política e correlação de forças entre as classes, e (3) sua posição relativa na hierarquia global do capitalismo. Essa “tridimensionalidade” do desenvolvimento, longe de ser estática ou mecânica, é fluida e conflitiva, marcada por avanços e regressões, rupturas e continuidades.
Trótski, ao formular o princípio do desenvolvimento desigual e combinado, observou que países historicamente atrasados podem, sob certas condições, saltar etapas do desenvolvimento capitalista clássico, combinando elementos avançados e arcaicos sob uma mesma estrutura social. Essa combinação, longe de ser uma anomalia, constitui precisamente a lógica do desenvolvimento no capitalismo mundial. As formações sociais periféricas ou semiperiféricas não são cópias atrasadas das centrais, mas partes integrantes e funcionais do sistema, cuja dependência estrutural alimenta a acumulação global do capital.
Além disso, o capitalismo, como sistema global, constantemente redefine suas próprias formas de reprodução, o que implica reconfigurações na divisão internacional do trabalho, nas especializações produtivas e nos centros de comando econômico e político. O que é “desenvolvido” ou “atrasado” num dado momento histórico pode ser completamente redefinido a partir de mudanças na estrutura do sistema. O desenvolvimento, nesse sentido, não é a passagem de uma forma "menos avançada" para outra "mais avançada", mas uma mutação estrutural que envolve conflito, assimetria e, frequentemente, violência sistêmica.
Por isso, compreender o desenvolvimento exige considerar, de forma integrada, os fatores econômicos, políticos, sociais, territoriais e internacionais que compõem a totalidade das formações capitalistas concretas. A análise marxista do desenvolvimento é, portanto, não apenas crítica ao economicismo vulgar e ao determinismo tecnológico, mas também atenta às múltiplas escalas e temporalidades da transformação social.
2. Desenvolvimento, Acumulação e Estrutura Econômica: A Dinâmica de Longo Prazo do Capitalismo
O desenvolvimento econômico capitalista, para além de uma sucessão de eventos ou variações estatísticas, deve ser compreendido como uma dinâmica de longa duração, cumulativa e transformadora. Essa dinâmica não se restringe ao crescimento quantitativo de variáveis como PIB ou renda per capita, mas diz respeito a transformações qualitativas na estrutura produtiva, nas formas de exploração do trabalho, nas relações sociais e nos padrões de acumulação. O desenvolvimento, neste sentido, é o desdobramento histórico das contradições internas do capital e das tentativas de sua superação — seja pela via do mercado, da política ou da revolução.
A economia capitalista opera por meio de ciclos — expansões e crises —, mas suas flutuações conjunturais estão inseridas numa tendência de fundo: a acumulação ampliada do capital. Essa acumulação implica não apenas a reprodução ampliada do valor, mas também a reorganização contínua das forças produtivas e das relações sociais. A cada fase do desenvolvimento capitalista, a estrutura econômica se transforma, consolidando novas formas de organização produtiva e novos vínculos entre os setores econômicos, as classes sociais e os espaços geoeconômicos.
Essa lógica estrutural é regida por leis próprias, como a lei do valor-trabalho e a lei da acumulação capitalista, mas sua realização concreta é sempre mediada pela política, pela luta de classes e pelas formas institucionais que o capital assume para se reproduzir. Por isso, é necessário recuperar a formulação marxista de que “a política é a economia concentrada”. A primazia da política não implica negar a determinação da economia, mas reconhecer que a forma como as contradições econômicas se resolvem depende da correlação de forças políticas e institucionais em cada conjuntura histórica.
Neste ponto, torna-se indispensável atualizar a teoria do imperialismo à luz do capitalismo monopolista transnacional. As grandes corporações, os fundos financeiros, os oligopólios tecnológicos e os bancos centrais das potências desempenham hoje um papel organizador da acumulação em escala mundial. O Estado, longe de ter sido superado, reconfigurou-se como agente ativo da internacionalização do capital, seja por meio de políticas de segurança, estímulo à inovação, controle de cadeias produtivas ou intervenção direta em mercados estratégicos. O imperialismo contemporâneo não é apenas a dominação de uma nação sobre outra, mas a articulação assimétrica entre centros e periferias no interior de um sistema mundial funcional à reprodução ampliada do capital global.
Dessa forma, a estrutura econômica não é um dado imutável, mas uma construção histórica da própria dinâmica do capital. Essa estrutura determina os limites da ação da política econômica — suas margens de manobra, suas possibilidades e seus impasses. Ao mesmo tempo, a conjuntura econômica — entendida como o movimento de curto prazo — revela-se como expressão particular dessa estrutura, manifestando seus conflitos latentes e suas tendências dominantes. A economia capitalista, portanto, só pode ser compreendida em sua totalidade se articularmos o plano estrutural com o plano conjuntural, o nacional com o internacional, a regulação econômica com as determinações extraeconômicas.
Toda formação econômica concreta é, ao mesmo tempo, uma totalidade contraditória e um entrelaçamento de múltiplas dimensões. O erro fundamental das análises que se atêm exclusivamente aos indicadores de produção, investimento ou consumo é ignorar que o sistema econômico capitalista só se reproduz mediante relações que ultrapassam a esfera estritamente econômica. O desenvolvimento econômico, nessa perspectiva ampliada, é inseparável de outros dois eixos estruturais: a luta de classes e a inserção no sistema mundial. Esses três pilares — estrutura produtiva, estrutura política e estrutura interestatal — compõem o que aqui denominamos tridimensionalidade da dinâmica do desenvolvimento.
A primeira dimensão refere-se à materialidade do processo produtivo: o parque industrial, as forças produtivas, os recursos naturais, as tecnologias dominantes e a forma de organização do trabalho. Não se trata apenas da “indústria” enquanto setor do PIB, mas da base técnico-produtiva e das condições objetivas que estruturam a reprodução do capital. A segunda dimensão diz respeito à luta de classes e à configuração da estrutura política: os regimes de acumulação, os sistemas de regulação, os aparelhos de Estado e as correlações de força entre capital e trabalho. A terceira dimensão diz respeito à inserção internacional: as relações geopolíticas, os acordos comerciais, os fluxos de capitais e o posicionamento relativo na hierarquia interestatal do capitalismo global.
Mas há ainda um conjunto de elementos que ultrapassam o que comumente se entende por “economia” e que atuam decisivamente na formação, consolidação e crise das estruturas econômicas: as determinações extraeconômicas. Essas não são externas à economia, no sentido de alheias ou secundárias, mas “extraordinárias” — atuam como vetores de longo prazo que excedem o movimento ordinário dos mercados e dos ciclos. Incluem, entre outras, as ideologias dominantes, os sistemas de crenças, as mentalidades coletivas, as tradições institucionais e, sobretudo, a política enquanto síntese da luta de classes.
Essas determinações extraeconômicas moldam os próprios contornos da estrutura econômica. Elas não apenas influenciam a regulação do mercado ou a forma do Estado, mas também incidem sobre a constituição das próprias relações de produção. A concepção marxista avançada da economia exige, portanto, considerar como o capital revoluciona a si mesmo, forçando correspondências entre forças produtivas e relações sociais. As rupturas e reconfigurações na dinâmica do capital não ocorrem de maneira espontânea ou exclusivamente endógena: elas são frequentemente catalisadas por ações políticas, transformações culturais ou rearranjos geopolíticos.
Neste marco, torna-se essencial reconhecer o papel estratégico da política. A política, compreendida como campo de disputa pela direção da sociedade, pode redefinir os próprios limites da economia. Quando a soberania da economia cede lugar à soberania da política — isto é, quando decisões políticas alteram significativamente os caminhos possíveis do desenvolvimento —, a economia deixa de ser um campo autônomo e se torna objeto de disputa direta. Esse é o momento em que a luta de classes, os conflitos institucionais e os processos ideológicos ganham primazia como diretores do desenvolvimento — ou de seu bloqueio.
As revoluções, nesse sentido, representam não apenas convulsões sociais, mas também inflexões econômicas de longa duração. Mesmo derrotadas, modificam a estrutura produtiva, redistribuem recursos, forjam novos sujeitos políticos e alteram os horizontes possíveis de transformação. O mesmo vale para as guerras, os colapsos institucionais, os rearranjos geopolíticos e as reconfigurações culturais. A economia, longe de ser um corpo autônomo autorregulado, é, em sua essência, uma realidade politicamente mediada e historicamente tensionada.
4. Crise, Ciclo e Transformação: a Economia como Sistema Histórico-Vivo
A economia capitalista não é um sistema estático, nem tampouco um equilíbrio harmônico. Ao contrário do que propõe a teoria econômica neoclássica — centrada em agentes racionais maximizadores de utilidade e mercados autorregulados —, o capitalismo é um sistema histórico-vivo, atravessado por contradições internas e propenso a crises recorrentes. Sua lógica de funcionamento baseia-se na valorização do valor, isto é, na expansão incessante do capital, o que gera tensões entre produção e consumo, forças produtivas e relações sociais, acumulação e reprodução social.
Essas tensões não são falhas do sistema, mas sua própria essência. A chamada “lei do valor” — isto é, a regulação do processo econômico pela quantidade de trabalho socialmente necessário — entra em contradição crescente com o próprio desenvolvimento das forças produtivas. A revolução tecnológica, a mundialização dos mercados e a financeirização do capital pressionam essa lei até seus limites, gerando crises periódicas e, em última instância, a tendência ao colapso. Ao mesmo tempo, surgem pressões pelo planejamento, pela intervenção estatal, pela reorganização coletiva da economia — forças que, mesmo operando dentro do capitalismo, apontam para sua negação histórica.
Neste cenário, a crítica marxista à microeconomia ganha atualidade. A gravitação dos preços em torno dos valores não é automática, nem neutra. Ao contrário do modelo de equilíbrio walrasiano, que naturaliza a formação de preços, o pensamento marxista identifica a dialética entre preços e valores como expressão das lutas sociais e das estruturas de poder. Os preços não revelam valores, mas os encobrem, ocultando a exploração do trabalho e a transferência desigual de valor entre classes, setores e nações. A chamada “revolução do valor” é, portanto, tanto uma transformação objetiva das bases materiais da produção quanto uma disputa política e ideológica sobre a própria natureza da economia.
As crises econômicas, nesse contexto, não são meros reajustes técnicos ou fases transitórias de um ciclo neutro. Elas são convulsões do sistema, expressões de seus limites históricos e oportunidades de sua transformação. Cada crise revela o esgotamento de uma forma de acumulação e a necessidade de uma reorganização estrutural — seja ela espontânea, forçada ou revolucionária. As flutuações cíclicas do capitalismo, articuladas à sua periodização histórica (do liberalismo concorrencial ao capitalismo monopolista e transnacional), apontam para a necessidade de entender a crise como momento decisivo na luta pelo futuro do sistema.
As revoluções, por sua vez, são muito mais do que momentos de ruptura institucional. Elas são saltos qualitativos no desenvolvimento das forças produtivas, reconfigurações profundas nas relações sociais e reorientações estratégicas da economia. Mesmo quando derrotadas, como nas contrarrevoluções ou no esvaziamento de seus projetos históricos, as revoluções deixam marcas duradouras: alteram as instituições, reconfiguram a estrutura produtiva, forjam novas subjetividades políticas e reconstroem o campo ideológico. A história do século XX fornece provas disso, com as experiências do Estado de bem-estar social, dos nacionalismos desenvolvimentistas e dos Estados operários burocratizados — todos frutos, diretos ou indiretos, da pressão revolucionária sobre o capitalismo mundial.
Por isso, a ideia de desenvolvimento não pode ser separada das crises e das revoluções. A evolução social não é um movimento contínuo e progressivo, mas uma acumulação de contradições que, em dado momento, explode em forma de crise. A revolução é, assim, a precipitação dessa evolução acumulada, um salto histórico que reorienta a economia, a política e a cultura. E, por sua vez, a crise pode ser catalisada pela luta política, pela ação dos sujeitos sociais e pela irrupção de novas ideias. Em suma, a economia, enquanto realidade histórica e viva, não pode ser pensada fora do conflito, da instabilidade e da possibilidade de ruptura.
5. Geoeconomia, Imperialismo e a Hierarquia Mundial do Capitalismo
A economia capitalista jamais se constituiu como um conjunto de sistemas nacionais autônomos que interagem livremente em mercados competitivos. Desde sua origem, o capitalismo se organiza como um sistema mundial, estruturado por uma divisão internacional do trabalho e por relações de poder entre Estados. A forma como cada formação social se desenvolve está profundamente condicionada à sua posição na hierarquia interestatal do capitalismo, o que determina os fluxos de valor, os vínculos tecnológicos e as possibilidades de acumulação. A geoeconomia, nesse contexto, é a expressão espacial, estratégica e política da lógica de valorização do capital em escala planetária.
Ao contrário das abordagens que separam economia e política externa, o marxismo compreende o imperialismo não como uma política de Estado, mas como uma fase histórica do capitalismo, caracterizada pela concentração e centralização do capital, pela exportação de capitais excedentes, e pelo controle direto ou indireto de territórios e mercados por parte das potências centrais. No século XXI, o imperialismo assume formas ainda mais sofisticadas: cadeias produtivas globais, patentes tecnológicas, sistemas monetários assimétricos, instrumentos de crédito e dívida soberana, plataformas digitais e vigilância informacional. Trata-se de um capitalismo monopolista transnacional, em que o poder estatal e o poder corporativo se entrelaçam numa nova arquitetura da dominação econômica.
Essa hierarquia mundial não é estática. É moldada por guerras, revoluções, intervenções, tratados internacionais e avanços tecnológicos. As nações não ocupam posições fixas no sistema: disputam, resistem, caem e ascendem. Contudo, essas mobilidades estão condicionadas pela estrutura global de dominação. As chamadas “submetrópoles” — economias intermediárias com certo grau de industrialização e autonomia relativa — revelam os limites e as ambiguidades desse movimento. Países como Brasil, Índia, África do Sul ou México exemplificam como o capitalismo periférico pode desenvolver complexas contradições internas, ao mesmo tempo integrando-se aos fluxos globais e sendo subalterno à lógica do capital internacional.
A geoeconomia é, portanto, o campo onde se travam as disputas estratégicas pelo controle de recursos, infraestrutura, tecnologia, logística e circuitos de valorização. A guerra comercial, as sanções econômicas, os fundos de investimento soberanos, os acordos bilaterais, os bancos multilaterais e até mesmo a diplomacia climática são instrumentos dessa disputa. O Estado, nesse cenário, não desaparece — mas se reconfigura como gestor de interesses capitalistas globalizados, articulando política externa, segurança e acumulação. A soberania, nesses termos, torna-se relativa e condicional, sendo constantemente tensionada por pressões externas e internas.
Além disso, é fundamental considerar que a própria ideologia do “desenvolvimento” foi historicamente forjada como uma racionalização das estratégias imperiais. A ideia de progresso, de modernização e de inserção competitiva no mercado mundial frequentemente serviu como instrumento para justificar a subordinação econômica e a dependência tecnológica dos países periféricos. A hegemonia cultural do capital impôs uma forma de pensar o mundo que naturaliza a desigualdade entre nações, culpabiliza os povos subordinados por seu atraso e exalta o sucesso das potências como produto exclusivo de mérito e racionalidade.
Nesse sentido, a crítica marxista ao imperialismo não é apenas econômica ou geopolítica, mas também ideológica e civilizacional. Romper com a estrutura mundial do capital exige não apenas mudar a política econômica ou renegociar dívidas, mas reconstruir os fundamentos materiais, simbólicos e institucionais do desenvolvimento. E isso só pode ser feito com soberania popular, planejamento democrático e protagonismo dos trabalhadores. O internacionalismo, portanto, não é uma abstração moral, mas uma exigência prática da luta contra a exploração, a dependência e a barbárie capitalista.
O desenvolvimento econômico, na tradição crítica do marxismo, não é uma trajetória natural nem um imperativo técnico. É um campo de disputa, um processo histórico desigual e uma forma de organização social impregnada de contradições. Ao longo deste capítulo, argumentamos que a economia capitalista deve ser compreendida como uma totalidade histórica, política e geograficamente determinada — onde estrutura produtiva, luta de classes e inserção internacional compõem dimensões interdependentes de uma mesma realidade.
A economia não pode ser concebida como um domínio autônomo regido exclusivamente por leis técnicas. Ela é regulada por leis econômicas — como a lei do valor e da acumulação —, mas também é permeada por determinações extraeconômicas: políticas, ideológicas, morais, institucionais e geopolíticas. Essas determinações não atuam de forma externa ou ocasional, mas constituem os próprios limites e possibilidades da acumulação capitalista. A história nos mostra que é pela política — e em especial pelas lutas sociais e pelas revoluções — que se reconfiguram os contornos da economia, seja para aprofundar sua racionalidade capitalista, seja para romper com ela.
A dinâmica do capitalismo se move em ciclos, crises e fases históricas, mas sua trajetória não é mecânica. As convulsões do sistema revelam a insuficiência das reformas isoladas e dos ajustes tecnocráticos. Em momentos de crise, as soluções possíveis deixam de ser meramente econômicas: tornam-se estratégicas, exigem decisões sobre a direção do desenvolvimento, sobre o tipo de sociedade que se quer construir e sobre os sujeitos que devem protagonizá-la. Neste contexto, a revolução deixa de ser uma miragem ou um desvio trágico da história e retorna como hipótese concreta — uma possibilidade histórica de reorganização profunda da economia, da política e da vida social.
Este capítulo inicial não se pretende conclusão, mas abertura: uma porta para a construção de uma teoria marxista contemporânea do desenvolvimento econômico capitalista. Uma teoria que articule estrutura e conjuntura, que reconheça a centralidade da luta de classes e que compreenda a geoeconomia não como pano de fundo, mas como campo de disputa pelo futuro da humanidade. Uma teoria que recupere a radicalidade do pensamento revolucionário sem cair no voluntarismo, e que se conecte com as exigências concretas dos povos submetidos à dominação e à desigualdade global.
Porque, afinal, a economia é território de conflito — e seu destino depende da capacidade dos explorados de organizarem sua força histórica, romperem as barreiras da falsa neutralidade técnica e tomarem nas mãos o comando do desenvolvimento. Não há saída individual, não há progresso automático. O desenvolvimento, se houver, será coletivo, planificado, anticapitalista e radicalmente democrático — ou será mais um nome para a continuidade da barbárie sob nova roupagem.
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